Embora não fosse uma memória completamente clara, em algum lugar perdido na minha infância, lembrava-me de um período em que meu pai assumiu a liderança da Orion. Lembro-me de como a vida em casa mudou drasticamente. Meu pai, outrora presente e caloroso, tornou-se um fantasma. Passava tanto tempo mergulhado no trabalho que raramente compartilhava uma refeição conosco. O vazio que ele deixou em casa era quase palpável. Minha mãe, sempre tão forte e resiliente, não conseguia esconder a tristeza nos olhos, mesmo tentando. As noites eram particularmente difíceis: ela ficava acordada até tarde, sentada na poltrona da sala de estar, esperando por ele, na esperança de que naquela noite ele entrasse pela porta antes do amanhecer. Eu era apenas uma criança, mas podia sentir o peso do silêncio e a dor dela. Aquele período me marcou profundamente. Agora, quando vi a Olívia parada ali, no escritório, algo em seu olhar me transportou de volta àquele tempo. Ela estava hesitante, quase cautelosa,
Damien levou suas mãos ao meu rosto com uma ternura áspera, tentando, de forma quase desesperada, limpar as lágrimas que escorriam sem cessar. A sensação de suas mãos tocando minha pele estava tão presente que quase me senti ancorada por aquele toque. Seus dedos, firmes e rápidos, pareciam querer apagar não apenas as lágrimas, mas também o sofrimento que as causava. Eu o olhava, mas havia algo em seu olhar que me deixava sem palavras — uma mistura de desespero e um amor tão profundo que chegava a me sufocar. Como alguém pode amar tanto outra pessoa e, ainda assim, estar disposto a sacrificar tudo, até mesmo a sua própria felicidade, por ela? Eu sabia que Alex, meu pai e Ana fariam qualquer coisa para garantir meu bem-estar. Eles eram minha família, meus pilares. Mas Damien… Damien era diferente. Nosso casamento, que começou de forma tão incomum, com tantas dúvidas e receios, era agora um pacto muito mais forte do que qualquer um dos dois poderia ter imaginado. O que me chocava, no e
Olivia dormia profundamente em meus braços na cama. O quarto estava totalmente escuro, exceto pela iluminação suave do luar que entrava pela janela. Sua respiração era calma e serena. Ela dormia tão tranquila que aquela era a imagem que eu mais desejava ver todos os dias. De algum modo, ainda não conseguia dormir. Estava irritado. A ideia de que Victoria, sendo mãe de Olivia, fosse tão maldosa com a filha, só porque ela tinha uma preferência clara pela Ofélia, me deixava intrigado. Como uma mãe poderia ser tão cruel a ponto de negar o amor ao próprio filho? Elas não mereciam nem metade do respeito e do zelo que Olivia tinha por elas. Ela havia decidido se sacrificar, lidar com seus próprios traumas, apenas para proteger quem mais a desprezava. Fiquei tão perdido em meus pensamentos que só fui despertado pela voz suave de Olivia. — Damien… ainda está acordado? — Shhh, você deveria estar dormindo, esposa. — Repreendi-a, olhando para ela, embora tudo estivesse ainda escuro. Mesmo ass
— Ofélia, eu quero perguntar mais uma vez, e quero que tu sejas sincera. — Minha mãe me encarou, e sua expressão era quase impassível, mas seu olhar não mentia. Era evidente que ela estava controlando um furor interno. — Você realmente sabia onde a Olivia estava?Eu respirei fundo, tentando controlar a raiva que começava a se formar dentro de mim. Como ela podia ser tão cega? Como podia me fazer sentir a vilã, quando tudo que fiz, fiz para atender às expectativas dela?— Sério que tu vais perder o teu tempo a questionar-me isso? — Revirei os olhos, já sentindo a paciência esgotar. — Sim, eu sabia onde ela estava. Satisfeita?Minha mãe estremeceu, mas manteve o olhar fixo em mim, como se estivesse esperando uma explicação, uma desculpa. Eu podia sentir a tensão no ar, o peso das palavras não ditas, a dor de um relacionamento quebrado entre nós duas.— Como tu podes ser tão maldosa assim? Ela é tua irmã! Tu poderias ter… — A voz dela tremia, mas havia mais culpa nela do que raiva. Eu sa
Não sei por quanto tempo fiquei sentada no carro, as mãos no volante, os olhos fixos no prédio do escritório de advocacia. O céu começava a nublar, e as pessoas passavam apressadas pela calçada, mas tudo parecia estático para mim. O peso de tudo que estava acontecendo na minha vida parecia ter me paralisado.Fechei os olhos e respirei fundo. Eu precisava me recompor. Precisava ser corajosa. Peguei as marmitas que preparei no restaurante e saí do veículo. Meus saltos ecoavam pelo piso brilhante do edifício enquanto funcionários conhecidos me cumprimentavam calorosamente, mas eu só conseguia murmurar respostas automáticas.No andar de cima, notei que a secretária do meu pai não estava em sua mesa. O silêncio no corredor parecia mais pesado do que o normal, mas continuei andando. Decidi que era melhor não esperar. Girei a maçaneta e entrei na sala.O que vi me fez congelar.Meu pai estava de pé, com uma mulher nos braços. Seus rostos estavam próximos, íntimos, e o beijo que eles comparti
Carl Sagan disse uma vez que, se quisermos fazer uma simples torta de maçã, precisamos inventar o universo. Sim, uma simples torta requer esse processo todo. Quando ele fala sobre inventar o universo, refere-se ao início de tudo. Todas as coisas que conhecemos na vida partem de um início. Mas, para que existam começos, é preciso que fins sejam declarados. O que fazemos, então, quando nos encontramos presos em um ciclo vicioso? Como quebramos esse ciclo de uma vez por todas?Essa pergunta ecoa em minha mente sempre que estou diante de uma situação que exige uma resposta. Sinto que minha vida está presa nesse ciclo repetitivo: reclamar sobre o quanto sou controlada pelos meus pais e, no fim, ceder às suas imposições. Parece simples, mas há algo mais sombrio quando o que enfrentamos é uma relação de poder. Quando estamos à mercê de regras que não fomos nós que criamos, e cada tentativa de fuga é rapidamente sufocada.Eu costumava me refugiar no hipismo, a única coisa que me traz paz. Car
Assim que saio da sala de reuniões com as minhas tias, finjo que estou indo para outro cômodo, mas, ao ver o corredor vazio, corro silenciosamente até a porta para escutar a conversa entre minha irmã e mãe. O tapete felpudo do corredor abafa meus passos, e me posiciono atrás da porta de madeira maciça, sentindo o frio que emanava dela.As palavras de minha mãe ecoam pelo ambiente, como uma música já ensaiada várias vezes: criticar Olívia, apontar suas falhas, e exaltá-la à força para corresponder às expectativas de ser uma Montenegro. A minha mãe não cansa de usá-la como bode expiatório e, como sempre, sou eu quem sirvo de exemplo. A filha perfeita. Meu nome é invocado, como sempre. Eu, o espelho da perfeição. E Olívia... bem, ela nunca entenderá isso. Se ela não fosse minha irmã gêmea, eu diria que foi adotada, tamanha é a diferença entre nós.Um sorriso divertido brota em meus lábios quando ouço minha mãe mencionar como ela precisaria abandonar essa ideia tola de se esconder atrás
Meu olhar segue os passos de Ofélia enquanto ela sai do quarto, com os lábios apertados de frustração. Os empregados, que haviam assistido a situação à distância, parecem aliviados quando percebem que o clima tenso havia finalmente se dissipado. Um a um, eles saem em silêncio, fechando a porta do quarto da Olívia atrás de si. Solto um suspiro pesado, sentindo meus ombros relaxarem um pouco. Quando me viro para Olívia, encontro-a sentada no chão, seus olhos vidrados, perdidos em um ponto qualquer do chão de madeira. Seus dedos finos arranham a própria pele com uma leveza quase automática, um reflexo da angústia silenciosa que eu conhecia bem.Sinto um aperto no peito ao vê-la assim, tão fragilizada e tão distante. O silêncio entre nós é denso, mas eu sabia que ela precisava desse tempo. Aproximo-me devagar, quase sem fazer barulho. Tiro o paletó e o jogo sobre a cama, me sentando ao lado dela no chão, o mais próximo possível. Sem pedir permissão, envolvo seus ombros com um braço, puxan