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Capítulo 07: Olívia Montenegro

A noite passou em um breve estalo, e por um momento, quase esqueci o quão caótico havia sido o dia anterior. Meu pescoço dói, resultado de ter dormido numa posição desconfortável na cama. Abro os olhos lentamente e a primeira visão que tenho é de Alex, ainda adormecido ao meu lado. A televisão está ligada, o som baixo, e o filme parece estar no início, como se estivéssemos revivendo o mesmo ciclo de repetições. Não lembro ao certo quanto tempo ficamos acordados, mas certamente não foi muito.

Levanto-me devagar para não acordá-lo e pego um cobertor para cobri-lo. Antes que eu possa fazer mais alguma coisa, a porta do quarto se abre bruscamente, revelando Constance, a governanta da casa.

— A senhora Montenegro exige a sua presença no café da manhã. — Ela faz uma breve pausa, como se ponderasse se deveria dizer mais. — Imediatamente.

Com a mesma rapidez com que entrou, Constance desaparece. Solto um longo suspiro, passando a mão pelos cabelos, ainda confusa com o dia que se inicia. Caminho até a varanda, abro as cortinas e deixo o sol tocar minha pele. Fecho os olhos por alguns segundos, absorvendo o calor enquanto meus pensamentos se voltam para o jardim abaixo. Os preparativos para o leilão estavam a todo vapor; cada detalhe sendo cuidadosamente organizado.

O peso da decisão de ontem retorna com força total. Minha mãe havia decidido que eu seria uma das atrações do leilão, junto com Ofélia. Sem sequer me consultar. Não que fosse uma surpresa. Para ela, minha aparência original era uma questão de honra, como se minha tentativa de me diferenciar da imagem de Ofélia fosse uma afronta à nossa essência. Ofélia, claro, deixou claro que não queria que eu aparecesse. E, por um breve momento, considerei ceder. Mas, depois do que aconteceu ontem, decidi que meu novo passatempo seria fazer com que ela se sentisse o mais desconfortável possível.

Deixo a varanda, notando Alex já de pé, os cabelos despenteados e um olhar irritado. Ele era uma cópia perfeita de nosso pai, com seus olhos escuros e cabelos loiros, quase castanhos. Até a marca de nascença em forma de raio na sobrancelha era idêntica.

— Vejo que já acordou — Comento casualmente.

— Impossível dormir com todo esse barulho — Reesponde ele, revirando os olhos.

— Mamãe exige nossa presença para o café da manhã — aviso, sabendo exatamente como ele reagiria.

Sem dizer mais nada, Alex sai do quarto, deixando-me sozinha. Vou até o banheiro e encaro meu reflexo no espelho. Sem as lentes de contato, é quase desconfortável me ver assim, com meus olhos verdes naturais. Há tempos não os via, e a ideia de voltar a ser a Olívia original me causa repulsa. Mas, desta vez, não cederei por completo. Aceitarei uma imposição de minha mãe, não por ela, mas para irritar Ofélia.

Após me preparar, visto uma calça jeans, salto scraping branco e uma camisa branca. Deixo o cabelo solto, sorrindo para o reflexo com uma satisfação controlada. A primeira coisa que noto ao olhar para mim é o meu rosto. Sinto uma onda de insegurança, mas essa insegurança é rapidamente abafada pela determinação de não deixar Ofélia triunfar sobre mim.

Saio do quarto e desço as escadas, sendo informada por um dos empregados que o café seria servido na área da piscina. Alex já estava sentado, meu pai, como sempre, escondido atrás de um jornal, enquanto Ofélia me fuzilava com os olhos e minha mãe mantinha sua expressão de indiferença calculada.

Sirvo meu prato em silêncio, até que, finalmente, minha mãe decide falar.

— Não saia de casa hoje, Olívia. Em breve, uma equipe virá para cuidar dos preparativos da sua aparência para o leilão — Ela declara, como se fosse uma ordem incontestável.

— Você fala como se eu fosse uma criatura bizarra — Respondo secamente, vendo Ofélia tentar conter o riso.

— Só estou garantindo que tudo seja feito da maneira certa — Minha mãe retruca, sua voz fria.

— Não precisa. Sei o que é melhor para mim.

— Dá pra você, pelo menos uma vez na vida, obedecer? Ou vai me bater também, como fez com Ofélia?

O sorriso frio se forma nos meus lábios. Estou prestes a levantar quando meu pai, sem tirar os olhos do jornal, fala:

— Olívia, sente-se. — Sua voz é uma ordem. — O momento das refeições é sagrado. Aqui, unimos a família. Não tragam seus conflitos para a mesa. Agora, pelas confusões de ontem, irei bloquear todos os cartões de crédito de vocês até achar conveniente.

— Pai? Isso não, pelos deuses! Como vou viver? — Ofélia dramatiza, como se fosse o fim do mundo.

— Vivendo — Respondo com indiferença. Ofélia era a pessoa mais materialista que eu conhecia. — Talvez você devesse procurar um trabalho de verdade.

Ela revirou os olhos, bufando.

— Bom, adoraria continuar, mas tenho compromissos no restaurante. Vejo vocês mais tarde.

Levanto-me, vou até meu quarto e pego minha bolsa antes de entrar no carro. Durante o trajeto, recebo uma mensagem da minha mãe, reforçando que eu não deveria me atrasar para o leilão.

A noite chega rápido demais, e com ela o peso das expectativas que o leilão impõe. No meu quarto, olho para o espelho e, dessa vez, encaro a versão de mim que talvez tenha tentado esconder por tanto tempo. O cabelo está de volta ao preto original, com duas mechas loiras que me representam de forma mais autêntica. Olhando de perto, percebo como meus olhos verdes parecem mais intensos sem as lentes de contato. Essa era a verdade crua: eu sou Olívia, com todas as minhas falhas e inseguranças, e por mais que essa versão me assuste, é a única que tenho.

A noite exige uma transformação, e decido que não serei apenas a expectativa da minha mãe. Sinto uma mistura de emoções ao observar meu reflexo. Uma onda de rebeldia cresce dentro de mim. Vou até a penteadeira e pego a tintura que havia comprado secretamente. Visto um vestido verde que escolhi, elegante e provocador, com luvas que cobrem meus braços. Cada parte da roupa parece me fortalecer. Ao colocar as luvas, sinto uma faísca de poder e confiança. O vestido desliza pelo meu corpo, e vejo como a cor realça a palidez da minha pele e o brilho dos meus olhos.

Fico em silêncio, parada em frente ao espelho por longos minutos, refletindo sobre a imagem que vejo. A tensão da noite se reflete em cada detalhe da minha preparação, mas também na minha vontade de causar impacto. Enquanto me olho, os pensamentos se acumulam: eu não sou apenas uma boneca em exibição. Eu sou mais do que isso. Estou prestes a entrar em um jogo, e vou fazê-lo em meus próprios termos.

Saio do quarto, caminhando em direção ao salão onde o leilão acontecerá. A casa está em polvorosa, com empregados correndo para garantir que tudo esteja perfeito. Ao chegar na porta, paro por um momento, ouvindo o som abafado das conversas e risadas. Respiro fundo, ajusto as luvas, e com um último olhar para a versão de mim mesma que decidi exibir esta noite, entro.

A cena está montada, e eu sou a estrela involuntária. Mas desta vez, jogo sob minhas próprias regras.

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