Enquanto analisava os documentos da Elysium Holdings, tentando traçar uma estratégia para o acordo de distribuição, ouvi batidas leves na porta. Soltei um suspiro e coloquei a esferográfica de lado. Sem tirar os olhos dos papéis, respondi com uma voz baixa, mas firme:
— Entre. Os passos elegantes que seguiam em minha direção eram familiares. Minha mãe entrou no escritório como quem já sabe que está no comando, com a postura impecável e um brilho característico nos olhos. Era aquele olhar que sempre significava problemas — ou, como ela preferia, “soluções”. — Pela sua cara, parece que não está feliz em me ver — Começou, balançando a cabeça levemente, como se minha expressão contrariada fosse um exagero. Me esforcei para manter a calma. Quando Celine Carter vinha até mim assim, cheia de confiança, significava que eu estava prestes a ser envolvido em mais uma de suas tramas. Respirei fundo e tentei manter a paciência. — Mãe, estou no meio de algo importante. Vá direto ao ponto, por favor. O que você quer? Ela sorriu, satisfeita por conseguir a minha atenção tão facilmente. Celine sempre tinha essa habilidade de manipular a conversa para o que mais lhe convinha. — O seu pai me contou sobre a competição. Sinceramente, acho que é perda de tempo. Ethan não está nem um pouco interessado na empresa, e você, sem dúvida, parece ser a escolha óbvia — Ela deu uma pausa dramática, observando minhas reações. — No entanto, a Elysium Holdings não é uma empresa comum. Tenho uma amiga, Natasha, que investigou a empresa para mim. Soltei um suspiro silencioso, já cansado da conversa, mas ergui os olhos, indicando que estava prestando atenção. Sabia que ela não continuaria até que eu confirmasse. — Estou ouvindo. Ela ajeitou-se na cadeira, como se estivesse prestes a dar uma palestra. — Eles valorizam muito os princípios familiares. Se Sean estivesse vivo, com certeza fecharia o acordo. Mas com você e Ethan... — Ela suspirou como se estivesse prestes a me dar uma notícia terrível. — ...será impossível. Franzi o cenho. Sabia que Ethan era uma causa perdida quando se tratava de responsabilidade, mas para mim seria diferente. — Para ele, talvez. Mas eu? Não vejo dificuldades. O sorriso de minha mãe desapareceu e foi substituído por uma expressão de pura seriedade. — Damien, por mais inteligente que você seja, às vezes me pergunto como pode ser tão ingênuo. Não fale assim do seu irmão, e quanto a você... falta-lhe algo essencial. — E o que seria isso, mãe? — Respondi com uma voz cheia de sarcasmo, já cansado do seu joguinho de mistérios. Ela ergueu uma sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia. — Humanidade. Empatia. E... um casamento. Eu quase ri, mas seu olhar frio me impediu. Ela não estava brincando. — O quê? — Você é frio, Damien. Autoritário. As pessoas têm medo de você. Além disso, não tem ninguém na sua vida. Aos olhos da Elysium, um homem da sua idade, no mercado de negócios, deveria ser casado ou, no mínimo, estar em um relacionamento sério. O mercado pode estar mudando, mas as tradições ainda prevalecem. — E o que isso tem a ver com a empresa? — Retruquei, sentindo a raiva crescendo. — Meu sucesso não depende de um anel no dedo. Ela me ignorou. — Marquei um jantar para que conheça uma das filhas da Natasha. Talvez ela seja uma boa esposa. Ou namorada. Não importa, desde que você tenha algo para apresentar. Expandir para a Orion na Europa seria um grande ganho para nós, Damien. Não estrague tudo. Ela deixou um envelope sobre a mesa e saiu sem dar espaço para qualquer discussão. Fiquei sentado por alguns segundos, o olhar fixo no envelope que agora continha todos os detalhes do “encontro arranjado”. Era tudo tão previsível vindo dela. Eu podia até antecipar o que viria a seguir. Mas, naquele momento, a ideia de encontrar alguém por obrigação me causava ainda mais repulsa do que o habitual. O jantar foi tão desconfortável quanto eu previa. A filha de Natasha, Nestha, era deslumbrante, mas sua beleza se esvaía rapidamente conforme a conversa se arrastava. Ela falava incessantemente sobre viagens e joias, como se isso fosse nos conectar de alguma maneira. Eu assentia mecanicamente, enquanto minha mente vagava, contando os minutos para que aquilo terminasse. — Então, o que acha de irmos a um próximo encontro? — Ela perguntou, seus olhos brilhando de expectativa. — Talvez — murmurei, sem qualquer convicção. Ao fim do jantar, mal consegui disfarçar minha impaciência. Despedi-me de Nestha educadamente, prometendo uma ligação que nunca viria, e saí dali o mais rápido possível. A noite havia sido longa e cansativa. Depois de um dia tenso no trabalho, tentando fechar acordos, e o jantar arranjado que não poderia ter sido mais frustrante, eu me encontrava no meio da multidão de um dos clubes mais badalados da cidade. A música era ensurdecedora, as luzes piscavam em um ritmo frenético, e o calor das pessoas ao meu redor me lembrava de como eu precisava, desesperadamente, de um momento para me desligar da realidade sufocante que me cercava. Desde o momento em que entrei no clube, senti a pressão em meus ombros se aliviar, mesmo que momentaneamente. Pedi uma bebida forte, algo que queimasse o suficiente para me fazer esquecer o fiasco que tinha sido aquele jantar. A filha da amiga da minha mãe... como era o nome dela mesmo? Ah, isso não importava. Nada sobre ela me cativou. O jantar foi uma sequência interminável de momentos constrangedores, onde eu tentava evitar o máximo possível que nossos olhares se encontrassem enquanto ela falava sobre... o que mesmo? Não sei. As palavras dela pareciam se dissolver em um ruído distante. Minha mãe tinha, mais uma vez, tentado interferir na minha vida, na minha carreira, no meu futuro. Casamento? Sério? Como se fosse simples assim. A ideia de ter que conviver com alguém como aquela mulher me fazia sentir um gosto amargo na boca. O sorriso dela, forçado, as tentativas de me agradar com comentários banais sobre a empresa, os interesses da família... Era óbvio que tudo não passava de um jogo. E eu odiava jogos assim. A bebida desceu amarga pela minha garganta, mas foi o suficiente para me tirar daqueles pensamentos por alguns instantes. Observei ao meu redor, as pessoas dançando como se o mundo fosse acabar naquela noite. Havia uma liberdade ali que eu invejava. Essas pessoas, com seus trabalhos comuns, suas rotinas entediantes, pareciam tão felizes. Talvez por não terem o peso de uma dinastia corporativa nos ombros, uma família obcecada pelo sucesso e pela aparência. Foi então que ela apareceu. Uma das mulheres no bar, alta, cabelos soltos e um sorriso que, por um momento, me fez esquecer de tudo. Ela se aproximou, sem pressa, e trocamos poucas palavras antes de nos beijarmos. Não havia uma conexão verdadeira, não havia emoção real. Era apenas o ato em si, uma fuga temporária, algo para preencher o vazio. Depois dela, outra se aproximou. E então mais uma. Em algum ponto da noite, perdi a noção de quantos copos tinha bebido ou de quantas mulheres tinham passado pela minha frente. A música parecia mais alta, os corpos ao meu redor mais próximos. Eu ria, conversava sem propósito, entregando-me àquele caos momentâneo que, de certa forma, me fazia sentir vivo. Porque, no fundo, era isso que eu queria: me sentir vivo. Sentir algo que não fosse a constante pressão ou o frio controle que me definia no escritório. Mas tudo aquilo era uma ilusão. E quanto mais a noite avançava, mais claro isso se tornava. O relógio no meu pulso indicava que já passava das duas da manhã quando a realidade começou a pesar sobre mim. Eu estava exausto, e por mais que quisesse continuar ali, sabia que não poderia. O álcool já começava a afetar meu corpo, a visão levemente embaçada, os pensamentos confusos. Decidi que era hora de ir embora, mas voltar para casa... era algo que eu não suportava a ideia. A última coisa que eu queria era cruzar com minha mãe no corredor, ou lidar com seu julgamento silencioso na manhã seguinte. Chamei um carro e, sem pensar muito, pedi que me levasse até o hotel mais próximo. Ao chegar, fiz o check-in rapidamente. O recepcionista nem questionou o meu estado, o que indicava que eles estavam acostumados a clientes como eu: homens de negócios, bem vestidos, mas destruídos por dentro, buscando refúgio em quartos de hotel para fugir de suas vidas perfeitas. Ao entrar no quarto, o silêncio foi quase esmagador. Era um contraste gritante com o clube. O som ensurdecedor da música foi substituído pelo vazio absoluto. Tirei o paletó e o joguei na poltrona ao lado, afrouxando a gravata e me deixando cair na cama. Fiquei ali, deitado, encarando o teto, enquanto a sensação de torpor começava a dar lugar a uma estranha lucidez. Fechei os olhos, e a voz de minha mãe ecoou na minha mente mais uma vez. "Você é frio, Damien. Um homem da sua idade deveria estar casado." Eu não queria admitir, mas ela estava certa em alguns pontos. Não sobre o casamento, mas sobre o que eu tinha me tornado. Era fácil culpar o trabalho, a pressão, a empresa. Mas, no fundo, eu sabia que a responsabilidade era minha. Eu me tornei aquilo que tanto odiava: alguém vazio, distante, que afastava qualquer possibilidade de conexão real. As mulheres no clube, os beijos, as risadas... tudo aquilo era apenas uma distração. Nada ali me preenchia de verdade. E agora, sozinho naquele quarto de hotel, a realidade parecia mais clara do que nunca. Talvez eu fosse, de fato, aquilo que minha mãe dizia: frio, distante, incapaz de me conectar. Mas o que ela nunca entenderia era que essa era a única forma de sobreviver no mundo que ela e meu pai criaram para mim. Suspirei fundo, sentindo o peso do sono finalmente me dominar. Fechei os olhos, desejando que, ao acordar, tudo fosse diferente. Mas eu sabia que não seria. Amanhã, voltaria para a empresa, encararia minha mãe, e colocaria a máscara de Damien Carter novamente. Porque, no final das contas, era isso que eu sabia fazer de melhor: fingir.A noite passou em um breve estalo, e por um momento, quase esqueci o quão caótico havia sido o dia anterior. Meu pescoço dói, resultado de ter dormido numa posição desconfortável na cama. Abro os olhos lentamente e a primeira visão que tenho é de Alex, ainda adormecido ao meu lado. A televisão está ligada, o som baixo, e o filme parece estar no início, como se estivéssemos revivendo o mesmo ciclo de repetições. Não lembro ao certo quanto tempo ficamos acordados, mas certamente não foi muito.Levanto-me devagar para não acordá-lo e pego um cobertor para cobri-lo. Antes que eu possa fazer mais alguma coisa, a porta do quarto se abre bruscamente, revelando Constance, a governanta da casa.— A senhora Montenegro exige a sua presença no café da manhã. — Ela faz uma breve pausa, como se ponderasse se deveria dizer mais. — Imediatamente.Com a mesma rapidez com que entrou, Constance desaparece. Solto um longo suspiro, passando a mão pelos cabelos, ainda confusa com o dia que se inicia. Camin
Assim que acordo, sinto uma dor de cabeça latente, como se tivesse estado horas sob uma sensação de tortura. Faço uma careta ao tentar levantar da cama; ainda estou com as roupas da noite anterior. Ergo o pulso e vejo que são 4:30 PM de sábado. Sinto-me aliviado, porque hoje não tenho nenhum trabalho. Detesto ter que faltar com as minhas obrigações. Pego o celular e vejo várias chamadas perdidas da minha mãe. Suspiro fundo, já sabendo que, provavelmente, ela queria saber como foi o jantar com a filha da amiga dela. Aperto a tecla e deixo que seu número chame. Quando ela atende, não ouço seus gritos histéricos sobre as atualizações, apenas um:“Não se esqueça do leilão dos Montenegro, será dentro de horas.”Por um momento, eu tinha esquecido que hoje seria o leilão dos Montenegro. Olhei para as minhas vestimentas e lembrei que não tinha vindo de carro. Recolho meus pertences e faço o check-out antes de pegar o primeiro táxi para casa.Ao entrar, sou recebido pelos olhares julgadores da
Embora eu estivesse confiante de que me sairia bem durante o evento, o medo começou a tomar conta de mim assim que entrei no salão e vi a quantidade de pessoas no leilão. Meu coração disparou, as mãos tremiam levemente, e os meus pés pareciam querer vacilar a cada passo. Os olhares curiosos, os sussurros discretos, o som suave de música clássica ao fundo... tudo aquilo começou a se misturar numa cacofonia desconfortável, como se o mundo ao meu redor estivesse comprimido e me observando de perto. Era como se, de algum modo, eu estivesse fazendo algo de errado. Respirei fundo, tentando afastar o nó que começava a se formar no meu estômago, e continuei andando.Ao longe, meus olhos encontraram o olhar firme e crítico da minha mãe. Mesmo à distância, pude perceber que ela não estava nada satisfeita com o meu visual. Seu pedido havia sido simples: que eu deixasse o cabelo todo natural, sem as mechas loiras que eu insistia em manter. Provavelmente, aquilo a deixara furiosa. Para evitar que
— Mãe, você realmente vai deixar a Olívia participar do leilão? — pergunto, a indignação transparecendo na minha voz assim que ela fica sozinha após uma conversa com uma das convidadas. O sorriso dela é o mesmo de sempre, aquele que tenta me acalmar, mas que só serve para aumentar minha frustração.— Não tenho muito o que fazer, Ofélia. As nossas atrações tiveram um imprevisto e precisamos de uma substituição — responde, seu tom firme, mas não sem um toque de exaustão. Esse tipo de situação parece estar se tornando comum, e isso só me irrita ainda mais.Eu não posso acreditar que ela realmente acha que isso é aceitável. Olívia não merece esse tipo de chance. — Ela vai estragar tudo. — A minha voz se eleva.— Imagine se ela não for escolhida e atacar-me por inveja? Mãe, a Olívia me odeia porque você gosta de mim.A expressão de minha mãe muda ligeiramente, como se um feixe de preocupação cruzasse seu rosto. Mas logo, essa preocupação é substituída por uma frieza que não consigo entende
Minha curiosidade sobre o homem que conheci no jardim crescia a cada vez mais. Ele parecia conhecer pedaços de mim que eu mesma desconhecia, como se enxergasse através de uma cortina que bloqueava minhas memórias. Seus olhares, suas palavras, carregavam uma familiaridade que eu não conseguia ignorar, mas também não conseguia decifrar. A psicóloga dizia que a perda de memória era um mecanismo de defesa da mente após eventos traumáticos. Um jeito de lidar com algo que a consciência se recusava a aceitar. Mas isso nunca pareceu uma explicação completa. Era como se houvesse buracos na minha história, peças faltando em um quebra-cabeça que, mesmo incompleto, ainda me atormentava. Quando eu tentava lembrar, sentia como se minha mente estivesse presa em um labirinto, incapaz de encontrar a saída.No entanto, havia algo que eu sabia com certeza: aquele leilão era o último lugar onde eu queria estar. Detestava ser o centro das atenções, ser exibida como um prêmio, mas minha mãe insistiu para q
Vejo Olívia saindo de mãos dadas com Easton, e algo dentro de mim se contrai. Eles passam por mim como se o ambiente ao redor fosse uma extensão de seu próprio mundo, e eu fico ali, com o copo de uísque na mão, tentando entender como aqueles dois se conhecem. Olívia não parece o tipo de mulher que Easton escolheria; seu jeito, seu estilo de vida, tudo nela soa como um contraste direto ao que ele costuma buscar. Levo o copo aos lábios, e o gosto forte do uísque desce rasgando minha garganta, mas não apaga o incômodo que vai crescendo a cada segundo.Por que estou irritado? Afinal, eu sequer a conheço bem. Paguei 25 milhões de dólares por ela no leilão. Qualquer outra mulher em Nova York enlouqueceria só por ter a minha atenção, mas Olívia? Ela parecia distante, intocável. Havia uma naturalidade desarmante no jeito como falava e se portava, como se eu fosse apenas mais um nome em sua lista de contatos, e não alguém que praticamente pagou por ela.Percorro os olhos pelo salão. Poderia es
São muitas emoções para uma só noite. Penso comigo mesma logo após voltar a atenção para Easton. A sensação de nervosismo, curiosidade e as borboletas no estômago que antes tomavam conta de mim na presença dele, foram substituídas pela recente chegada de Damien. Ele apareceu tão discreto quanto ousou ser, mas seu olhar direto e sua presença imponente não passaram despercebidos.— Eu preciso ir. Falamos depois, certo? — Pergunto, tentando manter a voz firme, mas a sensação de inquietação na minha mente é clara. Ele apenas sorri, um sorriso tranquilo, antes de depositar um leve selar no canto dos meus lábios. Isso deixa meu coração acelerado e uma sensação estranha invade o meu corpo.Como posso deixar um completo estranho chegar assim tão perto de mim? Por que, em vez de afastá-lo, sinto-me segura em dar-lhe tanto espaço? O que aconteceu com minha capacidade de julgar pessoas? O quanto da minha memória eu perdi nos últimos anos?Suspiro fundo, tentando afastar os pensamentos e encontra
Dormir nunca foi uma tarefa complicada para mim. Sempre foi natural, como desligar um interruptor ao fim de um dia exaustivo. No entanto, pela primeira vez em muito tempo, virei de um lado para o outro, incapaz de silenciar os pensamentos sobre o leilão. Não me arrependo do lance. Quando os primeiros raios de sol atravessam as persianas, finalmente desisto de tentar descansar. Levanto da cama com um suspiro pesado, observando o quarto em sua desordem incomum. Caminho até a varanda, buscando clareza na brisa matinal. O céu está limpo, e o som dos pássaros se mistura ao leve borrifar do sistema de irrigação no jardim. É um momento de calma que, infelizmente, não dura.Depois de realizar minha rotina matinal, escolho roupas leves, mas elegantes, e desço para o café da manhã. Na sala de refeições, meus pais estão conversando em um tom baixo, mas a conversa cessa assim que me aproximo. Minha mãe me entrega um iPad com um sorriso enigmático.— Bom dia, Damien. — Há algo entre diversão e cur