Início / Romance / Um Casamento Por Razão / Capítulo 06: Damien Carter
Capítulo 06: Damien Carter

Enquanto analisava os documentos da Elysium Holdings, tentando traçar uma estratégia para o acordo de distribuição, ouvi batidas leves na porta. Soltei um suspiro e coloquei a esferográfica de lado. Sem tirar os olhos dos papéis, respondi com uma voz baixa, mas firme:

— Entre.

Os passos elegantes que seguiam em minha direção eram familiares. Minha mãe entrou no escritório como quem já sabe que está no comando, com a postura impecável e um brilho característico nos olhos. Era aquele olhar que sempre significava problemas — ou, como ela preferia, “soluções”.

— Pela sua cara, parece que não está feliz em me ver — Começou, balançando a cabeça levemente, como se minha expressão contrariada fosse um exagero.

Me esforcei para manter a calma. Quando Celine Carter vinha até mim assim, cheia de confiança, significava que eu estava prestes a ser envolvido em mais uma de suas tramas. Respirei fundo e tentei manter a paciência.

— Mãe, estou no meio de algo importante. Vá direto ao ponto, por favor. O que você quer?

Ela sorriu, satisfeita por conseguir a minha atenção tão facilmente. Celine sempre tinha essa habilidade de manipular a conversa para o que mais lhe convinha.

— O seu pai me contou sobre a competição. Sinceramente, acho que é perda de tempo. Ethan não está nem um pouco interessado na empresa, e você, sem dúvida, parece ser a escolha óbvia — Ela deu uma pausa dramática, observando minhas reações. — No entanto, a Elysium Holdings não é uma empresa comum. Tenho uma amiga, Natasha, que investigou a empresa para mim.

Soltei um suspiro silencioso, já cansado da conversa, mas ergui os olhos, indicando que estava prestando atenção. Sabia que ela não continuaria até que eu confirmasse.

— Estou ouvindo.

Ela ajeitou-se na cadeira, como se estivesse prestes a dar uma palestra.

— Eles valorizam muito os princípios familiares. Se Sean estivesse vivo, com certeza fecharia o acordo. Mas com você e Ethan... — Ela suspirou como se estivesse prestes a me dar uma notícia terrível. — ...será impossível.

Franzi o cenho. Sabia que Ethan era uma causa perdida quando se tratava de responsabilidade, mas para mim seria diferente.

— Para ele, talvez. Mas eu? Não vejo dificuldades.

O sorriso de minha mãe desapareceu e foi substituído por uma expressão de pura seriedade.

— Damien, por mais inteligente que você seja, às vezes me pergunto como pode ser tão ingênuo. Não fale assim do seu irmão, e quanto a você... falta-lhe algo essencial.

— E o que seria isso, mãe? — Respondi com uma voz cheia de sarcasmo, já cansado do seu joguinho de mistérios.

Ela ergueu uma sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia.

— Humanidade. Empatia. E... um casamento.

Eu quase ri, mas seu olhar frio me impediu. Ela não estava brincando.

— O quê?

— Você é frio, Damien. Autoritário. As pessoas têm medo de você. Além disso, não tem ninguém na sua vida. Aos olhos da Elysium, um homem da sua idade, no mercado de negócios, deveria ser casado ou, no mínimo, estar em um relacionamento sério. O mercado pode estar mudando, mas as tradições ainda prevalecem.

— E o que isso tem a ver com a empresa? — Retruquei, sentindo a raiva crescendo. — Meu sucesso não depende de um anel no dedo.

Ela me ignorou.

— Marquei um jantar para que conheça uma das filhas da Natasha. Talvez ela seja uma boa esposa. Ou namorada. Não importa, desde que você tenha algo para apresentar. Expandir para a Orion na Europa seria um grande ganho para nós, Damien. Não estrague tudo.

Ela deixou um envelope sobre a mesa e saiu sem dar espaço para qualquer discussão. Fiquei sentado por alguns segundos, o olhar fixo no envelope que agora continha todos os detalhes do “encontro arranjado”. Era tudo tão previsível vindo dela. Eu podia até antecipar o que viria a seguir. Mas, naquele momento, a ideia de encontrar alguém por obrigação me causava ainda mais repulsa do que o habitual.

O jantar foi tão desconfortável quanto eu previa. A filha de Natasha, Nestha, era deslumbrante, mas sua beleza se esvaía rapidamente conforme a conversa se arrastava. Ela falava incessantemente sobre viagens e joias, como se isso fosse nos conectar de alguma maneira. Eu assentia mecanicamente, enquanto minha mente vagava, contando os minutos para que aquilo terminasse.

— Então, o que acha de irmos a um próximo encontro? — Ela perguntou, seus olhos brilhando de expectativa.

— Talvez — murmurei, sem qualquer convicção.

Ao fim do jantar, mal consegui disfarçar minha impaciência. Despedi-me de Nestha educadamente, prometendo uma ligação que nunca viria, e saí dali o mais rápido possível.

A noite havia sido longa e cansativa. Depois de um dia tenso no trabalho, tentando fechar acordos, e o jantar arranjado que não poderia ter sido mais frustrante, eu me encontrava no meio da multidão de um dos clubes mais badalados da cidade.

A música era ensurdecedora, as luzes piscavam em um ritmo frenético, e o calor das pessoas ao meu redor me lembrava de como eu precisava, desesperadamente, de um momento para me desligar da realidade sufocante que me cercava.

Desde o momento em que entrei no clube, senti a pressão em meus ombros se aliviar, mesmo que momentaneamente. Pedi uma bebida forte, algo que queimasse o suficiente para me fazer esquecer o fiasco que tinha sido aquele jantar. A filha da amiga da minha mãe... como era o nome dela mesmo? Ah, isso não importava. Nada sobre ela me cativou. O jantar foi uma sequência interminável de momentos constrangedores, onde eu tentava evitar o máximo possível que nossos olhares se encontrassem enquanto ela falava sobre... o que mesmo? Não sei. As palavras dela pareciam se dissolver em um ruído distante.

Minha mãe tinha, mais uma vez, tentado interferir na minha vida, na minha carreira, no meu futuro. Casamento? Sério? Como se fosse simples assim. A ideia de ter que conviver com alguém como aquela mulher me fazia sentir um gosto amargo na boca. O sorriso dela, forçado, as tentativas de me agradar com comentários banais sobre a empresa, os interesses da família... Era óbvio que tudo não passava de um jogo. E eu odiava jogos assim.

A bebida desceu amarga pela minha garganta, mas foi o suficiente para me tirar daqueles pensamentos por alguns instantes. Observei ao meu redor, as pessoas dançando como se o mundo fosse acabar naquela noite. Havia uma liberdade ali que eu invejava. Essas pessoas, com seus trabalhos comuns, suas rotinas entediantes, pareciam tão felizes. Talvez por não terem o peso de uma dinastia corporativa nos ombros, uma família obcecada pelo sucesso e pela aparência.

Foi então que ela apareceu. Uma das mulheres no bar, alta, cabelos soltos e um sorriso que, por um momento, me fez esquecer de tudo. Ela se aproximou, sem pressa, e trocamos poucas palavras antes de nos beijarmos. Não havia uma conexão verdadeira, não havia emoção real. Era apenas o ato em si, uma fuga temporária, algo para preencher o vazio. Depois dela, outra se aproximou. E então mais uma. Em algum ponto da noite, perdi a noção de quantos copos tinha bebido ou de quantas mulheres tinham passado pela minha frente.

A música parecia mais alta, os corpos ao meu redor mais próximos. Eu ria, conversava sem propósito, entregando-me àquele caos momentâneo que, de certa forma, me fazia sentir vivo. Porque, no fundo, era isso que eu queria: me sentir vivo. Sentir algo que não fosse a constante pressão ou o frio controle que me definia no escritório. Mas tudo aquilo era uma ilusão. E quanto mais a noite avançava, mais claro isso se tornava.

O relógio no meu pulso indicava que já passava das duas da manhã quando a realidade começou a pesar sobre mim. Eu estava exausto, e por mais que quisesse continuar ali, sabia que não poderia. O álcool já começava a afetar meu corpo, a visão levemente embaçada, os pensamentos confusos. Decidi que era hora de ir embora, mas voltar para casa... era algo que eu não suportava a ideia. A última coisa que eu queria era cruzar com minha mãe no corredor, ou lidar com seu julgamento silencioso na manhã seguinte.

Chamei um carro e, sem pensar muito, pedi que me levasse até o hotel mais próximo. Ao chegar, fiz o check-in rapidamente. O recepcionista nem questionou o meu estado, o que indicava que eles estavam acostumados a clientes como eu: homens de negócios, bem vestidos, mas destruídos por dentro, buscando refúgio em quartos de hotel para fugir de suas vidas perfeitas.

Ao entrar no quarto, o silêncio foi quase esmagador. Era um contraste gritante com o clube. O som ensurdecedor da música foi substituído pelo vazio absoluto. Tirei o paletó e o joguei na poltrona ao lado, afrouxando a gravata e me deixando cair na cama. Fiquei ali, deitado, encarando o teto, enquanto a sensação de torpor começava a dar lugar a uma estranha lucidez.

Fechei os olhos, e a voz de minha mãe ecoou na minha mente mais uma vez. "Você é frio, Damien. Um homem da sua idade deveria estar casado."

Eu não queria admitir, mas ela estava certa em alguns pontos. Não sobre o casamento, mas sobre o que eu tinha me tornado. Era fácil culpar o trabalho, a pressão, a empresa. Mas, no fundo, eu sabia que a responsabilidade era minha. Eu me tornei aquilo que tanto odiava: alguém vazio, distante, que afastava qualquer possibilidade de conexão real.

As mulheres no clube, os beijos, as risadas... tudo aquilo era apenas uma distração. Nada ali me preenchia de verdade. E agora, sozinho naquele quarto de hotel, a realidade parecia mais clara do que nunca. Talvez eu fosse, de fato, aquilo que minha mãe dizia: frio, distante, incapaz de me conectar. Mas o que ela nunca entenderia era que essa era a única forma de sobreviver no mundo que ela e meu pai criaram para mim.

Suspirei fundo, sentindo o peso do sono finalmente me dominar. Fechei os olhos, desejando que, ao acordar, tudo fosse diferente. Mas eu sabia que não seria. Amanhã, voltaria para a empresa, encararia minha mãe, e colocaria a máscara de Damien Carter novamente. Porque, no final das contas, era isso que eu sabia fazer de melhor: fingir.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo