Charlotte caminhou até o pavilhão aberto, acompanhada por Effie e Nimue, mas ambas pararam antes que Charlotte cruzasse o arco de pedra que ligava o corredor ao pátio.
— Deixem-me a sós. Esperem por mim aqui.
— Sim vossa alteza — Ambas se dirigiram ao outro canto do corredor.
Livre de suas damas, Charlotte caminhou pelo gramado, indo em direção da silhueta ereta e rígida de seu amigo. Parece sério disse mentalmente. Diminuiu os passos e suspirou enquanto fitava seus ombros.
— Algo o incomoda e pelo que posso imaginar é sério. Vamos, me diga o que há com você...
— Por algum acaso adquiriu a habilidade de ler mentes?
— Algo como isso... Tenho lido pensamentos alheios por toda a manhã, é realmente fascinante.
— Engraçadinha! — disse ele sem qualquer tom de humor.
— Vamos Charles, me diga o que há com você, está me deixando ansiosa — Afirma seriamente.
— ...Recebi uma carta de vossa majestade a rainha Mary. O rei piorou no dia em que saímos de Edimburgo e...
— O que? — Seu sorriso some dos lábios.
— Ele não estava passando bem e mesmo com a sangria os médicos não conseguiram bons resultados — Sua voz engasgou logo ao fim da frase.
— Meu pai está bem? Ele está, certo? — Charlotte cerrou o punho, sentindo como se uma barra de ferro quente perfurasse sua garganta.
Charles a encarou em silêncio por longos segundos. Charlotte ouvira a confirmação de seus medos ecoarem claramente daquele longo silencio, mas sua mente recusou-se a crer nas absurdas suposições que passavam por sua cabeça. Charles sentia receio, afinal, para ela, ele era apenas seu pai e ele sabia que aquilo a destruiria por dentro. Ele engoliu em seco e sentiu cada centímetro de seu corpo tremer diante do inevitável.
— Diga de uma vez!
— Vossa majestade, o rei Thomas, faleceu no dia seguinte a nossa partida. Agora vossa alteza a rainha-mãe Mary é a regente da Escócia ao lado do seu irmão bastardo, James Stuart.
Charlotte tropeçou em seus próprios passos enquanto se afastava de Charles, a expressão de choque e uma tremedeira evidente preocupavam Charles, que tentava alcançá-la na intenção de acalmá-la. Sem êxito. Charlotte deixou-se cair e ficou sentada sobre a grama sem qualquer sinal de vida em seus olhos. "É mentira, com certeza eles se enganaram, não é verdade!" repetia para si mesma incessantemente. Sentia raiva de Charles por inventar uma mentira tão grave e torturá-la. Como ele podia? Ele sabia o quanto ela amava o pai, o quanto era apegada a ele e que essa notícia acabaria com ela. Perder a chance de dizer-lhe adeus, não poder estar ao seu lado e dizer-lhe uma última vez o quanto o amava. Por que ele fez isso?
— Afaste-se de mim, por favor!
— Charlotte, me escuta, entendo que esteja apavorada, mas você precisa se recompor, todos estão a observando. — Charles estendeu os braços, oferecendo-lhe apoio.
— EU DISSE PARA SE AFASTAR DE MIM! — Ela empurrou seu corpo com ignorância — Saia daqui! Não me importo que me vejam, me deixe sozinha! — O grito histérico foi ouvido por todos os servos e nobres que passavam.
— Certo. Sinto muito Charlie, eu realmente sinto muito. Você sabe que estou a seu lado, quando estiver mais calma virei até você... Tome a carta de sua mãe... Sinto muito.
Charles colocou a carta sobre seus punhos cerrados e se afastou.
Tampouco se anunciou à princesa da morte de seu pai e todos os nobres do salão da corte já começavam a fofocar sobre o assunto. Um auxiliar de jardineiro que cortava pequenas folhas dos arbustos próximos do pátio central, ouviu a conversa entre a jovem monarca e o nobre, assim como os servos que passaram longos minutos observando-a transtornada no gramado, até ser retirada com a ajuda de suas damas. A fofoca se espalhou, mas ao invés de causar comoção, trouxe mais e mais interesse sobre o único assunto ao qual a corte se interessava; Poder. Todos passaram a comentar sobre quando seria a coroação da futura rainha da Escócia e quando seria o dia em que ela por fim se casaria com o príncipe.
Uma lady da corte, filha do marquês de Bristol, acompanhada de sua dama, foi de encontro à rainha Caterina que se encontrava na antecâmara de seu apartamento com o rei, na ala sul do palácio. Caminhou pelo extenso corredor, cruzou alguns salões, mas por fim, alcançou o salão do Éden, de onde a porta larga para a antecâmara se encontrava fechada. À entrada, um guarda abre a caminho para a jovem moça que já conhecia bem cada pequeno espaço daquele cômodo.
— Lady Brandon, a que devo sua presença? — questiona Caterina sem quaisquer emoção.
— Trago notícias à vossa majestade. — Harriet para poucos metros à frente da porta, esperando reações da rainha.
— Vá em frente.
Caterina que estava sentada no sofá, correndo os olhos pelas folhas amareladas de seu livro, aguardou a jovem lady se sentar no sofá a sua frente, antes de fechar a brochura e entregá-la à sua dama de companhia.
— Vamos menina, não me aborreças com esse suspense.
— Sua alteza, princesa Charlotte, acaba de se tornar rainha. Seu pai, o rei Thomas, morreu há poucos dias. Todos souberam agora, graças ao mensageiro real, ele trouxe cartas para a princesa e o rei. — A empolgação na voz da garota não passou desapercebido pelos ouvidos da rainha.
— E onde está a princesa neste momento? — Caterina ajusta a postura, suspirando profundamente, enquanto encara a garota com calmaria.
— Ouvi dos servos que a princesa, digo, a rainha Charlotte, estava caída no jardim do pavilhão aberto, aos prantos, completamente transtornada.
— Então ela se prestou à tal vexame? Bom. Que seja, vá e preste suas condolências à nova rainha, trate de ser gentil com ela, afinal, ela será a sua futura governante. Pode ir.
Ela sacode a ponta dos dedos, enxotando a jovem do recinto. Em seguida, sua dama à acompanha até a saída, retornando após fechar as portas. Caterina deu as costas e começou a fitar o recinto vazio a sua frente. Um sorriso sutil delineando seus lábios. Repousou as mãos juntas sobre a saia de seu vestido e continuou a fitar o nada como se presenciasse uma cena cativante.
— Então agora ela é rainha? Bom, veremos quanto tempo demorará até que George comece a preparar o casamento... Bess, sugiro que comece a polir minhas tiaras, teremos eventos interessantes pela frente.
"Peço que me perdoe por me despedir de tal forma minha filha, nunca fui um pai muito carinhoso e hoje vejo que esse é um dos meus maiores arrependimentos. Eu devia ter lhe abraçado mais, lhe beijado mais vezes depois de ler uma história para você dormir, dito que lhe amava todos os dias. Eu falhei, como marido e como pai, por isso peço que me perdoe. Sei que tal mensagem não deveria ser dita em uma carta como esta, no entanto, o tempo não me permitiu ter a chance de ver seu rosto pela última vez. Rezo que um dia me absolva por todos os meus erros, tais atos que fiz num momento de falho julgamento. Apesar de tudo, você minha filha, se tornou uma grande mulher e sei que se tornará uma grande e poderosa monarca, lamento que, no entanto, eu não esteja presente para vê-la neste dia. Seja sábia, paciente e gentil! Lembre-se que o seu dever é para com o povo, não para consigo mesma! Seja imparcial, paciente e justa, o seu povo só pode contar
Simon parecia ter caminhado por toda a Inglaterra. Seus olhos totalmente inchados e sua postura relaxada deixavam seu semblante cansado totalmente deplorável. Observou a porta velha de madeira, enquanto batia com dificuldade. — Vamos Robbie, eu voltei! Senhora Jones, obrigada por cuidar dele! — Simon, ainda sentindo seu corpo mais pesado que o normal encara a porta se abrir enquanto ele fala. — Simon, você a encontrou? — Os olhos castanhos de Robbie pareciam mais melancólicos do que no dia anterior, quando foi deixado pelo irmão mais velho. — Não Robbie, sinto muito, mas logo vamos encontrá-la, certo? Eu te prometo! — Tudo bem. — Robbie sorri sem emoção. Quando retornam para cas
Na manhã seguinte, Simon estava deveras incomodado com aquele diário. Havia passado desde o amanhecer lendo e relendo seus trechos, organizando informações em sua cabeça e decorando maneiras de falar. Ele havia se convencido de que, cedo ou tarde, ele teria de voltar às farsas para sobreviver. Simon começara com estes trabalhos de farsante desde a morte dos pais, há dois anos, quando ficou sem dinheiro e sem meios de sustentar seus irmãos. Seu amigo, Jared, que havia crescido a seu lado, o convenceu de que esta poderia ser uma maneira simples de conseguir dinheiro suficiente para comprar comida para os irmãos, sem ter que abandonar a única casa que eles tinham em toda Londres. Simon, mesmo incomodado com a ideia da mentira, entendeu que nada era simples e que seria aquilo, ou se matar de trabalhar na lavoura ou lojas para ganhar o dinheiro suficiente para comprar apenas um pedaço de pão. Ele não podia deixar seu irmão morrer. Aprendeu a l
"...Ele é diferente do que esperava. Quando o conheci, naquela manhã, pude perceber que ele não me olhava com cuidado, ele quase despiu-me com os olhos, nunca me senti tão invadida com o olhar de alguém... Nem pelo de Henry. Talvez seja apenas um devaneio meu, ou uma sensação longa e aguda de solida que me faz sentir atraída por todos. Por que fiquei tão mexida com o olhar daquele homem? Mas por que me importar? Por que é tão errado que eu me sinta bem e queira ser desejada e olhada daquela forma? Porque somente Henry tem o direito de me humilhar e me fazer sentir horrível, beijando cada moça que cruza seu caminho e bem na minha frente! Apenas por que sou uma mulher? Nem mesmo o título de rainha me garante liberdade?... Pai, sinto-me frustrada."— Charlotte, março de 1648. Henry adentrou o salão de guerra, após dispensar os guardas que ladeavam a porta. O salão de guerra e
Henry deixou a sala poucos minutos após a saída do pai. Seu destino seguinte: encontrar-se com Jacob Somerset. Sabia que provavelmente o encontraria em algum canto do palácio bebendo ou com alguma mulher. Somerset deleitava de seu tempo sozinho, o que geravam fofocas de que ele era uma pessoa estranha, que não gostava das mulheres e que era uma pessoa perigosa. No fim das contas, os boatos provaram-se verdadeiros, exceto pelo não gostar de mulheres, pelo contrário, gostava tanto de mulheres, quanto de homens. Era um sir, ou senhor como é mais frequentemente usado, desta forma, Jacob Somerset é um nobre, mas seu título tão baixo não o faz tem tamanho prestígio para que os nobres o respeitem, além do mais, suas riquezas são quase nulas, tendo somente poucas propriedades a qual se intitular dono. Seu único poder provem do título de amigo do príncipe e seu cão de caça. Por tal motivo, é plausível julgar-se que Sir Jacob não era uma pessoa com
Charlotte sabia que momentos como aquele eram raros, principalmente na corte inglesa, portanto aproveitava. Não poupou risadas ou gritos, enquanto seu cavalo corria desenfreado e alegre pelos campos ensolarados e vazios. Observou Charles metros atrás de si, com um sorriso emburrado delineando os lábios e olhos, tão castanhos e brilhantes, semicerrados. A mechas de seu cabelo castanho escuro decaindo sobre os olhos, totalmente bagunçados, após vários galopes nada gentis de seu cavalo. — Vá com calma, quer matar meu cavalo de cansaço?! — exclamou o homem. — Talvez devesse mudar de montaria, vejo que seu belo cavalo não serve nem para um singelo passeio! — Charlotte ri, berrando por cima do ombro. — Ora, mas quem será que está convencida? Ele está apenas indisposto, seu cavalo que é ab
Quando por fim chegaram ao quarto, Simon e Robert foram deixados a sós pelos guardas que saíram assim que acomodaram seus pertences no aposento. A pedido de Simon, Robert dormiria com ele, o que deixou o menino feliz, já que detestava a ideia de se afastar do irmão. Robert havia mudado muito depois da morte dos pais; não dormia sozinho, temia sempre que fosse deixado, o que se ampliou após o desaparecimento da irmã. Simon era o mais velho e desde muito jovem ajudava os pais a cuidar dos irmãos, forçando-o a trabalhar desde seus onze anos. Ele não reclamava. Simon sabia que fazia o certo e faria mais, se significasse trazer alegria a seus pais. No entanto, a repentina doença que os assolou trouxe ao rapaz uma carga de responsabilidade maior do que ele poderia suportar. Seu trabalho já não era o suficiente para ajudar os pais, que aos poucos foram ficando debilitados. Simon chegou a se privar de fome, para que não faltasse o pedaço de pão d
Charlotte seguiu ao salão do trono onde acompanhou a rainha Caterina, que ficou sentada enquanto observava a mais nova rodeada pelas damas. Ela sentia a hostilidade de Caterina desde que se casou com o rei George, durante a primavera de seus 10 anos, em uma das viagens à corte que Charlotte fazia periodicamente em momentos importantes. Naquele tempo entendeu que, Caterina, não era uma mulher calma, gentil e humilde como diziam. No entanto ela era uma de Médici e era respeitada graças à riqueza, fama e poder de sua família. Charlotte sorria cordialmente, enquanto ouvia os nobres conversarem e bajularem a rainha inglesa. Todos a respeitavam à mesma medida que ao rei e por tal motivo, Charlotte não ousava causar conflitos, mesmo que ela não representasse nada para Henry como família. Caterina, percebendo o silêncio apático da rainha da Escócia, lançou-lhe um sorriso ensaiado e estendeu-lhe