Simon parecia ter caminhado por toda a Inglaterra. Seus olhos totalmente inchados e sua postura relaxada deixavam seu semblante cansado totalmente deplorável. Observou a porta velha de madeira, enquanto batia com dificuldade.
— Vamos Robbie, eu voltei! Senhora Jones, obrigada por cuidar dele! — Simon, ainda sentindo seu corpo mais pesado que o normal encara a porta se abrir enquanto ele fala.
— Simon, você a encontrou? — Os olhos castanhos de Robbie pareciam mais melancólicos do que no dia anterior, quando foi deixado pelo irmão mais velho.
— Não Robbie, sinto muito, mas logo vamos encontrá-la, certo? Eu te prometo!
— Tudo bem. — Robbie sorri sem emoção.
Quando retornam para casa, Simon fecha a porta velha de madeira e caminha com irmãozinho até o quarto, onde somente uma cama velha, um armário quebrado e uma mesinha de madeira remendada compunham a mobília. Deixou Robbet repousar na cama pequena e se sentou na ponta, observando-o se aconchegar sob os lençóis em farrapos.
— Você acha que ela foi embora por que não nos ama mais? — Robert encara o irmão mais velho com dúvida.
— Não garotão, ela apenas se perdeu. A Lizzie nos ama, ela nunca nos deixaria!
— Você jura? Então tudo bem. Não quero que ela nos abandone também. Eu amo a Lizzie — murmura Robert, sentindo seu peito apertar e uma lagrima rolar por seu olhos.
— Não chora amigão, ela vai voltar. O papai e a mamãe não nos abandonaram, eles só foram morar no céu junto com Deus, para poder cuidar melhor de nós três! Eles estão cuidando da Lizzie, não se preocupa tudo bem? Agora vai dormir. — Simon se levantou, o cobriu e lhe beijou a testa.
Antes que pudesse sair, Robert o para.
— Conte-me uma história.
— Agora? Tudo bem, tudo bem. — Simon expira pesado e sorri, retirando a brochura de dentro das vestes.
— O que é isso?
— É um livro. Eu o encontrei junto destas roupas enquanto procurava pela Lizzie. O que acha? Gostou? — Simon se exibe, com um sorriso malandro nos lábios.
— Ficou ótimo, parece um lorde! — Robert não se contem ao rir.
— Certo, seu safadinho, agora preste a atenção.
Simon abriu o livro com a chave em seu bolso, mas antes que começasse a ler, percebeu que aquele não era um livro comum. Nele diversos trechos estranhos denotavam que aquilo na verdade era um diário. Simon não podia estar mais confuso com aquilo, afinal, que tipo de pessoa deixa o diário, algo tão pessoal, em um baú com roupas à vista de todos? Antes que Robert percebesse, Simon fechou a brochura e o encarou sorrindo.
— Parece que vai ter de dormir sem história hoje amigão, mas tudo bem, amanhã lhe conto duas, tudo bem?
— Certo, promessa é dívida!
— Eu juro! Agora vá dormir. — Simon lhe beija a testa e sai do quarto cautelosamente.
Ao retornar à sala, Simon se senta em uma das cinco cadeiras de madeira que rodeavam a pequena mesa de pinho, que agora tinha uma das pernas bambas. Acendeu uma lamparina e a colocou próxima a ele, passando a ler o diário devagar. Simon ficou completamente confuso e abismado com o que lia, sorria como se tivesse descoberto uma caixa com frutas e ouro. Logo batem à porta, antes de abri-la sem qualquer interferência de Simon.
— Ei, Simon? Ah, você está aí. O que faz sozinho aí?
— Jared, olha isso... Este é o diário do duque de Devonshire! — Simon ergue o caderno aberto, deixando uma carta cair sobre a mesa.
— O que é isso? — Jared aponta para o papel, enquanto senta-se a frente do amigo.
— Não sei, tem um lacre de cera azul aqui... Que desenho bizarro. — Simon encara o papel por longos segundos, como se procurando algo que o identificasse.
— Abra de uma vez!
— Espera!
Simon resmunga, encarando o amigo com uma expressão confusa. A medida em que rasgava o selo percebia que, gravado nele, haviam diversas cordas de tecido enrolados e letras entrelaçados em algo que parecia ser um escudo oval com topo reto. Notou as letras em tinta preta começarem a serem reveladas pela luz amarela da chama. Era uma carta de desculpas endereçada a um homem, que parecia estar o esperando faziam-se meses. O duque chamado, Gregory, logo se revelou ser um homem cauteloso e misterioso. Pelas páginas era possível entender sua natureza misteriosa e a razão pela qual nunca ninguém o via. . Muitos bispos vieram lhe ungir, banhar e cuidar, mas nem mesmo o melhor médico de toda Inglaterra pode salvá-lo. No fim, aos quatorze anos, desistiram e acusaram-no de impuro e de estar sendo punido por Deus por seus pecados abomináveis. Desde então, ninguém, a não ser os servos de sua casa, o viam. Simon contou o que lia a seu amigo, que como a maioria do povo inglês, não sabia se quer ler ou escrever. Simon, no entanto, aprendeu graças à natureza de seu ofício.
— Que pecados faz alguém merecer um destino tão triste? — questionou Jared com sobrancelhas arqueadas.
— Não faço ideia, não diz aqui.
— Esta é sua mina de ouro! Um duque? Vamos ficar ricos!
— Calma lá, não sabemos nada sobre ele, nem se quer tivemos tempo de estudá-lo! — Simon fechou o caderno, recostando-se na cadeira.
— Você tem o diário dele que é muito mais do que já tivemos até agora para estudar um nobre. Como se portar você sabe, além de que já sabe ler e escrever muito bem. Estude seu diário e vamos ficar ricos! — Jared bate palmas enquanto sorri descontroladamente.
— Não, nem ao menos sei como começar.
— Onde você o encontrou? Vamos observá-lo, as vezes há algo que ele tenha ou um negócio ao qual podemos tirar proveito.
— Ele está morto... Eu tenho limites, Jared. Não roubo identidade de pessoas mortas! — Afirma ele com a voz exaltada.
— Meu amigo, estamos sem dinheiro nenhum! O Robert não come algo decente há dias! Se não fosse a senhora Jones estariam mortos de fome agora. Você precisa disso ou então se muda para o interior e vá lavrar a terra! — diz Jared, retrucando em mesmo tom.
— Eu vou pensar.
— Então pensa com cuidado e rápido. Não vou poder estar aqui para ajudar vocês, tenho que viajar para Northampton com minha tia amanhã.
— Assim de repente?! E quando você volta? — Simon dá um sobressalto, deixando a folha de papel cair sobre a mesa.
— Não sei. Bom, só vim avisar-lhe que se cuide. Logo que retornar, venho e te procuro para pegar minha parte do dinheiro! — Jared dá uma piscadela divertida, enquanto caminha em direção à porta.
— Vá pela sombra e tente não morrer de saudades!
— Engraçadinho! Vou ficar muito melhor sem esse seu fedor por perto! — exclama Jared já do lado de fora da pequena casa.
Simon apaga as luzes e passa com cuidado por entre a mesa e o caixote de cascas e roupas rasgadas próximo à parede velha e manchada. Com seu diário e a carta, ele retorna a dormir ao lado de Robert.
Na manhã seguinte, Simon estava deveras incomodado com aquele diário. Havia passado desde o amanhecer lendo e relendo seus trechos, organizando informações em sua cabeça e decorando maneiras de falar. Ele havia se convencido de que, cedo ou tarde, ele teria de voltar às farsas para sobreviver. Simon começara com estes trabalhos de farsante desde a morte dos pais, há dois anos, quando ficou sem dinheiro e sem meios de sustentar seus irmãos. Seu amigo, Jared, que havia crescido a seu lado, o convenceu de que esta poderia ser uma maneira simples de conseguir dinheiro suficiente para comprar comida para os irmãos, sem ter que abandonar a única casa que eles tinham em toda Londres. Simon, mesmo incomodado com a ideia da mentira, entendeu que nada era simples e que seria aquilo, ou se matar de trabalhar na lavoura ou lojas para ganhar o dinheiro suficiente para comprar apenas um pedaço de pão. Ele não podia deixar seu irmão morrer. Aprendeu a l
"...Ele é diferente do que esperava. Quando o conheci, naquela manhã, pude perceber que ele não me olhava com cuidado, ele quase despiu-me com os olhos, nunca me senti tão invadida com o olhar de alguém... Nem pelo de Henry. Talvez seja apenas um devaneio meu, ou uma sensação longa e aguda de solida que me faz sentir atraída por todos. Por que fiquei tão mexida com o olhar daquele homem? Mas por que me importar? Por que é tão errado que eu me sinta bem e queira ser desejada e olhada daquela forma? Porque somente Henry tem o direito de me humilhar e me fazer sentir horrível, beijando cada moça que cruza seu caminho e bem na minha frente! Apenas por que sou uma mulher? Nem mesmo o título de rainha me garante liberdade?... Pai, sinto-me frustrada."— Charlotte, março de 1648. Henry adentrou o salão de guerra, após dispensar os guardas que ladeavam a porta. O salão de guerra e
Henry deixou a sala poucos minutos após a saída do pai. Seu destino seguinte: encontrar-se com Jacob Somerset. Sabia que provavelmente o encontraria em algum canto do palácio bebendo ou com alguma mulher. Somerset deleitava de seu tempo sozinho, o que geravam fofocas de que ele era uma pessoa estranha, que não gostava das mulheres e que era uma pessoa perigosa. No fim das contas, os boatos provaram-se verdadeiros, exceto pelo não gostar de mulheres, pelo contrário, gostava tanto de mulheres, quanto de homens. Era um sir, ou senhor como é mais frequentemente usado, desta forma, Jacob Somerset é um nobre, mas seu título tão baixo não o faz tem tamanho prestígio para que os nobres o respeitem, além do mais, suas riquezas são quase nulas, tendo somente poucas propriedades a qual se intitular dono. Seu único poder provem do título de amigo do príncipe e seu cão de caça. Por tal motivo, é plausível julgar-se que Sir Jacob não era uma pessoa com
Charlotte sabia que momentos como aquele eram raros, principalmente na corte inglesa, portanto aproveitava. Não poupou risadas ou gritos, enquanto seu cavalo corria desenfreado e alegre pelos campos ensolarados e vazios. Observou Charles metros atrás de si, com um sorriso emburrado delineando os lábios e olhos, tão castanhos e brilhantes, semicerrados. A mechas de seu cabelo castanho escuro decaindo sobre os olhos, totalmente bagunçados, após vários galopes nada gentis de seu cavalo. — Vá com calma, quer matar meu cavalo de cansaço?! — exclamou o homem. — Talvez devesse mudar de montaria, vejo que seu belo cavalo não serve nem para um singelo passeio! — Charlotte ri, berrando por cima do ombro. — Ora, mas quem será que está convencida? Ele está apenas indisposto, seu cavalo que é ab
Quando por fim chegaram ao quarto, Simon e Robert foram deixados a sós pelos guardas que saíram assim que acomodaram seus pertences no aposento. A pedido de Simon, Robert dormiria com ele, o que deixou o menino feliz, já que detestava a ideia de se afastar do irmão. Robert havia mudado muito depois da morte dos pais; não dormia sozinho, temia sempre que fosse deixado, o que se ampliou após o desaparecimento da irmã. Simon era o mais velho e desde muito jovem ajudava os pais a cuidar dos irmãos, forçando-o a trabalhar desde seus onze anos. Ele não reclamava. Simon sabia que fazia o certo e faria mais, se significasse trazer alegria a seus pais. No entanto, a repentina doença que os assolou trouxe ao rapaz uma carga de responsabilidade maior do que ele poderia suportar. Seu trabalho já não era o suficiente para ajudar os pais, que aos poucos foram ficando debilitados. Simon chegou a se privar de fome, para que não faltasse o pedaço de pão d
Charlotte seguiu ao salão do trono onde acompanhou a rainha Caterina, que ficou sentada enquanto observava a mais nova rodeada pelas damas. Ela sentia a hostilidade de Caterina desde que se casou com o rei George, durante a primavera de seus 10 anos, em uma das viagens à corte que Charlotte fazia periodicamente em momentos importantes. Naquele tempo entendeu que, Caterina, não era uma mulher calma, gentil e humilde como diziam. No entanto ela era uma de Médici e era respeitada graças à riqueza, fama e poder de sua família. Charlotte sorria cordialmente, enquanto ouvia os nobres conversarem e bajularem a rainha inglesa. Todos a respeitavam à mesma medida que ao rei e por tal motivo, Charlotte não ousava causar conflitos, mesmo que ela não representasse nada para Henry como família. Caterina, percebendo o silêncio apático da rainha da Escócia, lançou-lhe um sorriso ensaiado e estendeu-lhe
Henry sabia que não estava agindo corretamente e embora tivesse plena consciência disso, seu corpo ignorava sua razão e fazia o que sua emoção mandava. Ele não se importava no que ela sentiria se o visse, ele só queria dar o troco e fingir, por um momento, que não estava com ciúmes. Somente por aqueles instantes ele queria sentir que não estava ligado a ela e que não estava incomodado, talvez este sentimento o convencesse de que realmente nunca sentiu nada por ela e que estava tudo bem apenas seguir em frente. Ver Charlotte em meio aos campos, cavalgando ao lado de Charles fez com que Henry tivesse seu coração esmagado entre os dedos da jovem monarca. Talvez uma reação um pouco exagerada para alguns, mas para ele era como perder seu bem mais precioso para seu arquirrival. Charlotte não era um objeto, ele sabia disso, mais que isso ele a via como o ser humano mais importante em todos aqu
O latido do cão ecoava por toda a rua, misturando-se ao som da água, correndo pelos esgotos da cidade. Os cavalos cavalgavam com cuidado, causando o tilintar de correntes e armaduras que trajavam, além do som das ferraduras chocando-se contra as pedras da rua. George observava à bela tarde de Londres através da pequena brecha na janela da carruagem que se assemelhava a uma caixa com teto oval e ornamentos dourados por sua extensão. Os poucos cidadãos que ainda circulavam pela rua, pareciam apáticos e silenciosos, apenas pequenos cochichos preenchiam os ouvidos do rei, que abriu a cortinam de veludo azul com confusão estampada em seu rosto. — O que há de errado com as pessoas, Finley? — questionou rei George, recostando-se na poltrona estofada. — Bom, vossa majestade deve saber dos constantes desaparecimentos de jovens pela cidade. O p