"Peço que me perdoe por me despedir de tal forma minha filha, nunca fui um pai muito carinhoso e hoje vejo que esse é um dos meus maiores arrependimentos. Eu devia ter lhe abraçado mais, lhe beijado mais vezes depois de ler uma história para você dormir, dito que lhe amava todos os dias. Eu falhei, como marido e como pai, por isso peço que me perdoe. Sei que tal mensagem não deveria ser dita em uma carta como esta, no entanto, o tempo não me permitiu ter a chance de ver seu rosto pela última vez. Rezo que um dia me absolva por todos os meus erros, tais atos que fiz num momento de falho julgamento. Apesar de tudo, você minha filha, se tornou uma grande mulher e sei que se tornará uma grande e poderosa monarca, lamento que, no entanto, eu não esteja presente para vê-la neste dia. Seja sábia, paciente e gentil! Lembre-se que o seu dever é para com o povo, não para consigo mesma! Seja imparcial, paciente e justa, o seu povo só pode contar contigo, minha pequena. Seu velho pai te deseja bênçãos e que você seja feliz, minha pequena borboletinha. Com amor, de seu velho pai." — Rei Thomas da Escócia, para Princesa Charlotte.
Por toda aquela manhã de sábado, Charlotte manteve-se presa em seus aposentos, em uma profunda tristeza e isolamento. Não comeu, bebeu, ou mesmo falou com qualquer uma de suas damas. Todos na corte perguntavam, por onde a princesa estava? Quando seria sua coroação? Estaria sofrendo demais? Perguntas tolas como estas. Nimue ouviu algumas delas, enquanto acompanhava a serva com a bandeja do desjejum da princesa até seus aposentos. A dama mal pode se conter, enquanto recebia olhares, risos e ouvia as fofocas desrespeitosas. Entretanto, felizmente chegou até seu destino sem qualquer deslize.
— Nada ainda? — Nimue encara Effie, parada frente à porta.
— Não, infelizmente ela não me responde. Estou ficando preocupada.
— Espere, vou procurar por lord Graham, talvez ele possa nos ajudar! — afirma à jovem.
Nimue saiu apressadamente, deixando a serva ao lado de Effie. Depois de cruzar alguns corredores, finalmente a dama de companhia chegou até o aposento do duque, que não tardou a atender após ouvir as batidas incessantes à porta.
— O que há com você! — exclamou Charles, com a porta entreaberta.
— É a princesa, já faz um dia inteiro que ela não come ou bebe nada. Ela nos ordenou que não cruzasse a porta, ou nos mandaria embora e trancou o quarto.
— E vocês a obedeceram! Por que não abriram?! Pensaram que ela pode ter desmaiado?! — exclama ele, alterando o tom de voz e deixando suas veias saltarem.
— M-me perdoe, eu não... — Nimue aperta os dedos contra a palma da mão, piscando desajeitada.
Charles saiu apressadamente pelos corredores, deixando a porta de seu apartamento bater atrás de si. Ele tão pouco se importou com a serva de sua amiga, apenas saiu a caminho dos aposentos de sua alteza a quem considerava uma irmã. Não demorou a chegar, porém, não emitiu uma só palavra. Effie e a serva se afastaram da porta quase que de imediato, observando o duque bater à porta impacientemente.
— Vamos Charlie, abra a porta! Charlotte! Não faça isso consigo mesma, você precisa comer!
— Vossa graça, creio que ela não vá te ouvir, já batemos à esta porta desde o amanhecer — diz Effie.
— Sugiro que a milady guarde seus conselhos para si mesma e vá buscar as chaves com os servos, preciso delas urgentemente. — Ele encara seus olhos com frieza, mantendo, apesar de tudo, o tom de voz sempre baixo.
Charles não podia conter seu humor, pensava apenas na dor em que ela estava sentindo e como poderia estar fraca naquele momento. Ele cerrou seu punho e começou a andar em círculos, deixando ambas, Nimue e a serva, nervosas.
— O senhor deseja que eu busque algo para se acalmar? Água ou chá? — Nimue pergunta cautelosamente.
— Não se preocupe, agradeço a gentileza, mas concentre-se em sua alteza, eu estou bem. — Ele sorri torto para a mulher.
Logo, Effie chega com as chaves e após entregá-las ao duque, todos ouvem alguém se aproximar. Os olhos de todos pousaram em Henry, o príncipe herdeiro. Não ousaram dizer nada, mas logo o silêncio foi irrompido pelo príncipe, que parecia incomodado com as atitudes do duque de Montrose.
— O que pensas que está fazendo? Não pretende invadir o quarto de minha noiva, ou você tem tamanha coragem e desrespeito? — O olhar frio de Henry, perfuraria o crânio de Charles, se o mesmo tivesse poder suficiente.
— Não é o que está pensando, apenas estou preocupado com a saúde de minha amiga! — Charles rispidamente o respondeu, mantendo o tom de voz baixo.
— Deves estar deveras preocupado, portanto, não o culpo, mas, não se esqueça que ela não é sua amiga e sim sua futura rainha e minha futura esposa. Espero que não cometa mais equívocos como este. — Henry caminhou até ele e pegou de sua mão a argola com chaves.
— Abrirei para vossa alteza... perdoe-nos pelo desrespeito à vossas majestades, estávamos tão preocupados com a princesa, que nos deixamos levar pela emoção. Isso não se repetirá! — Effie pega a chave da mão do príncipe, direcionando a ele um sorriso delicado.
A marquesa então abriu a porta, a contragosto de Charles que parecia extremamente incomodado, no entanto calado, já que não poderia desrespeitar o príncipe dando-lhe um soco na cara. Antes que Henry passasse pela soleira da porta, ele encarou todos e então suspirou tranquilamente.
— Dê-me a bandeja, eu mesmo cuidarei da princesa. Agradeço o cuidado que ambos tiveram. Vocês que são as damas dela... Lady Effie e Lady Nimue, preparem o banho de sua alteza, se for possível.
Henry sorriu suavemente e fechou a porta, após pegar a bandeja das mãos da serva que observava tudo em silêncio. O monarca caminhou pelo quarto, vendo as janelas com cortinas parcialmente fechadas, a cama bagunçada e Charlotte encolhida, agarrada a uma folha de papel que logo ele notou ser uma carta. Ele deixou que o sorriso sumisse de seu rosto ao constatar as lagrimas secando na pele pálida de seu rosto. Ele suspirou. Detestava vê-la naquele estado, lembrava-se como era o som de seu choro desde que eram crianças e sabia que ela sempre se definhava quando se aprofundava em sua dor. Por um momento seu peito pareceu se esmagar sob uma imensa parede de tijolos. Deixou a bandeja sobre a mesa próximo da janela e aproximou-se de sua cama, sentando-se na beirada cuidadosamente.
— Charlotte! Charlotte, vamos acorde.
Ele deslizou o dedo indicador por sua testa, removendo as mechas de seu cabelo que insistiam em cair sobre seus olhos inchados. Por fim, ele repousou a mão em seu ombro e a balançou. Ela estava exatamente como havia se lembrado, dormindo encolhida e chorando após perder alguém que ama.
— Por favor, Charlotte, levante-se. Coma algo antes que você adoeça.
Charlotte o ouvia à medida em que seus olhos se abriam. Os cílios completamente grudados, manchas de lagrimas no rosto e os olhos vermelhos. Henry sentia-se culpado por arrancá-la de sua dor, mas ele tinha de fazer isso, por que fora sua própria corte, Charlotte não tinha mais ninguém além dele que se importasse tanto com ela. Para ele não era um castigo ou sacrifício, estava acostumado a ser a outra perna da mesa que mantinha seu lado emocional e racional em equilíbrio, embora já não o fizesse há bastante tempo.
— O que faz aqui, deixei bem claro que não queria ser incomodada de forma alguma! — disse ela com a voz rouca.
— Bom, estou cuidando da saúde de minha noiva e também... Também vim ver como estava. Soube mais cedo o que houve com seu pai e sinto muito. — Henry disse sem esboçar reação.
— Já disse... obrigada. Agora pode ir.
— Não seja fria Charlie, eu não estou aqui para te atormentar, eu realmente sinto muito.
— Desde quando você se importa com o que eu sinto ou deixo de sentir? Você nem mesmo conhecia meu pai direito! — Charlotte deixou seu tom de voz se exaltar por poucos instantes, antes de tossir rouca.
— Veja só como está fraca, você mal comeu! Deseja morrer também e causar uma comoção? Que tipo de monstro acha que eu sou, para crer que iria ficar indiferente ou minimamente satisfeito com sua dor? Pensei que nos mais de quinze anos em que nos conhecemos, você ao menos iria me conhecer um pouco!
Henry se levantou impaciente, dando-lhe as costas e um curto silêncio. Logo, ele retornou até ela com a bandeja em mãos.
— Perdoe-me, eu não estou bem para falar com ninguém, desejo ficar sozinha — disse ela com voz fraca.
— Não, você vai comer! Não a vejo assim desde que minha mãe morreu. Não me force a alimentá-la, seria desconfortável para ambos.
Charlotte o encarou por longos segundos, e depois de aparentemente ponderar, ela pegou a bandeja de suas mãos e a repousou a seu lado sobre a cama. Pegou um pedaço de damasco e começou a comer devagar, enquanto observava o sorriso presunçoso nos lábios de Henry. Ele recostou-se na coluna da ponta do dossel de sua cama e cruzou os braços.
— Bom, agora que minha querida noivinha já está alimentada, irei me retirar. Sugiro que vá se banhar. Pedi às suas damas que lhe preparassem o banho, peço que se recomponha e desça para caminhar ao menos por um minuto que seja. Ficar trancada aqui não irá lhe fazer bem, não deixe que os outros a vejam desta forma, ou irão se aproveitar de sua fraqueza.
Ele a encarou com cuidado, como se algo nela o ferisse. Foi instantâneo para ele pressionar seus dedos contra seus braços largos demarcados pelo tecido fino de seda de seu Frock Coat marrom escuro. Henry adorava especialmente esta cor, pois não era alarmante, assim como o colete e brocados dourados que se assemelhavam à cor de seus cabelos loiro escuro.
— Sei bem que não há o que eu possa dizer que te faça se sentir melhor, mas acredito que seja como for, seu pai se orgulhava da filha que tinha e sabia que você se tornaria uma ótima rainha — observou ele.
Embora soubesse que aquilo não diminuiria sua dor, Henry sabia que ao menos poderia fazê-la perceber que ela era importante e amada por seu pai, algo que desde sempre ele soube que ela se questionava. Desde pequenos, Henry sempre ouviu as mesmas perguntas que ele julgava ser sem o menor cabimento, como; "Será que ele preferia um homem?" ou o corriqueiro "Sou inútil já que sou uma mulher, por isso fui mandada para tão longe, não é mesmo?". O príncipe sempre tentou fazê-la entender que não havia nada de errado com ela, e mesmo que tardiamente ele conseguiu, mas não tinha certeza disso, não totalmente.
— Como pode ter tanta certeza dos pensamentos de meu pai se você se quer o conheceu direito, Henry? — indagou ela após bebericar do intenso sabor do suco de maçã.
— Charlotte, isso é óbvio a todos, até mesmo você sabe disso, só ignora e finge não reconhecer isso. Se não fosse assim ele teria feito James legítimo e sabe bem disso!
— Pode ser, mas James nunca quis se tornar legítimo, a última coisa que ele quer e ser rei, palavras dele. Talvez meu pai tenha respeitado sua...
— Ei, já chega. Não comece a incitar ideias malucas logo agora. Seja como for, você é a rainha que ele escolheu para a Escócia e agora precisa assumir esse posto. Preciso te lembrar que metade da Europa está de olho em você neste momento?! — ralhou ao curvar-se para observa-la, ainda com seus braços cruzados.
— No momento desejo que toda a Europa vire cinzas! Minha preocupação é com o enterro do meu pai que vou perder. — Descontente ela deixou a taça metálica sobre a bandeja e repousou seu rosto contra a palma das mãos.
Henry engoliu em seco. Sentiu alfinetadas em seu coração e sua voz sumir por alguns segundos. Era ela quem havia perdido o pai, mas parecia ser ele a sentir a dor da perda. Não estranhava tal sentimento, afinal ele não negava a si mesmo que sempre a amou e mais do que amor, sabia como era passar pela perda de alguém que ama. Se compadecia, de seu próprio modo é claro.
— Se quiser retornar à Escócia para vê-lo pela última vez posso providenciar, não será fácil convencer meu pai, mas ele irá ceder quando entender... Só não fique mais em seu quarto. Sei que está sofrendo e te entendo, mas os espiões franceses só precisam de um momento de fraqueza seu para usá-lo contra você. Não dê essa chance a eles.
Com apenas poucas palavras, Henry conseguiu fazer uma pequena chave se virar dentro de sua cabeça. Ela sabia que ele estava certo. Embora se sentisse indignada por não poder sofrer em silêncio como desejava, sabia que não podia ser fraca naquele momento. Além de ser mulher, o que já a tornava muito frágil e indigna diante daquela sociedade, era uma herdeira que ameaçava o reinado de grandes potências da Europa, destas quais não lhe dariam paz se encontrassem qualquer fraqueza ou falha que permitisse se aproveitar.
— Tudo bem, agora que você já está comendo e não mais definhando entre seus lençóis, irei me retirar pois tenho muitos compromissos inadiáveis. Se precisar de algo, qualquer coisa, peça para me avisarem que cuidarei disso para você.
Aquelas palavras soaram suaves e doces aos ouvidos de Charlotte que apenas assentiu com o melhor sorriso que podia demonstrar. Henry endireitou sua postura e se aproximou o suficiente dela para lhe beijar a testa com cuidado. Afastando a ponta dos dedos dos fios de cabelo emaranhados de Charlotte, ele notou que ela parecia congelar a seu toque, como se um inseto estivesse subindo por sua cabeça e congelar-se fosse faze-lo se afastar. E o fez. O que antes era uma linha tênue em seus lábios, agora era um par de lábios pressionados fazendo toda a cor lhe fugir da pele. Em sua cabeça ele se questionava se ela sentia tanta repulsa a seu toque que precisava agir de tal maneira, mas a verdade era que ela não estava preparada para aquele beijo. A ultima vez que havia sido beijada por ele na testa foi há muitos anos e ela se quer sabia se lembrava o porquê, apenas sabia que aquela atitude não combinava com a nova personalidade adotada por ele, era mais como o velho e doce Henry a quem sempre admirou.
Logo que se afastou, o príncipe inglês saiu pela porta a qual havia entrado, deixando todos do lado de fora surpresos com o semblante calmo e silencioso de ambas as altezas. Charles parecia surpreso com a atitude de Henry, mas ainda mais de sua princesa, afinal, esperava os típicos gritos e berros de ira de quando alguém invadia seu espaço pessoal, mas ela estava tão tranquila sobre a cama mordendo um pedaço de pão que o fez sorrir chocado. Ele, que a pouco estava prestes a invadir o quarto da amiga aos berros, agora se controlava para não se descontrolar à frente dela. Ela não merecia mais aborrecimentos. Ele então bate à porta, olha para ela e somente dá o primeiro passo após ouvir seu convite para se sentar. Ele mal pode conter um sorriso, em poucos passos já estava a seu lado, sentado na ponta da cama, encarando-a comer.
— Aquele desgraçado realmente à fez comer? — uma expressão de surpresa brota em sua face.
— Não seja indelicado, Charles. — Ela o encara enquanto come uvas — Fechem a porta, por favor. — pediu ela ao ver as servas curiosas do lado de fora.
— Apenas estou dizendo que não é normal que você obedeça a alguém, principalmente este alguém sendo o príncipe Henry ao qual você sempre disse que implicava com você.
— Não estou obedecendo ninguém, apenas considerei que seus argumentos eram validos e reconsiderei minha decisão — disse ela desviando o olhar para a taça de suco, enquanto baixava o tom de voz gradativamente ao ponto de quase não ser ouvida.
— Ah claro, sem dúvidas, foi exatamente isso que aconteceu. — Charles deixa uma risada suave escapar de seus lábios, antes de se levantar.
— Perdoe-me pela forma com a qual gritei com você ontem, não queria ser rude. — Charlotte baixou o olhar enquanto arranhava a casca de uma maça com a ponta das unhas.
— Ei, não fique assim, não foi sua intenção e eu entendo totalmente, não foi muito fácil de se ouvir uma notícia como essa. Só quero que fique bem e se precisar de alguma coisa, conte comigo.
— Eu sei, obrigada de qualquer forma, Charlie. — Ela sorri, enquanto o encara.
Charles passou os dedos entre os fios de seu cabelo escuro. Deslizou a mão por sua nuca, voltando a repousá-la atrás de suas costas. Ele se levantou, se aproximou das cortinas e as amarrou em um nó, deixando cada vez mais a baixa luz do daquele dia nublado invadir o quarto da princesa. Se afastou logo em seguida, ao ver suas damas adentrarem o recinto com uma capa e sapatos.
— Sua alteza, seu banho está pronto — diz Nimue.
— Vou me retirar. Cuidem bem dela... Ah, alteza, vou tomar a liberdade de enviar uma carta à sua majestade, a rainha Mary, avisando que você já tem conhecimento da morte do rei e que está em luto... Já decidiu se irá retornar para o velório?
Charlotte não sabia bem o que dizer, afinal era um dilema do qual ela não queria fazer parte. Sabia que demoraria cerca de uma semana e meia para seu corpo ser velado, mas não queria tardar em tomar aquela decisão, pois sabia que se o tempo passasse, ela desistiria e não diria mais nada.
— A autópsia e embalsamento demora cerca de quatro dias, certo? Pois diga à minha mãe que vou. Daqui quatro dias sigo para Edimburgo.
— Sim, alteza. Com licença, tenham um bom dia.
Charles passa pelas damas de companhia alcançando-lhes um sorriso sutil. Logo, ele desaparece enquanto ambas as moças preparavam sua alteza para o banho.
— Obrigada, agora me esperem lá fora, sairei em seguida... Preciso de uns minutos para me recompor.
As damas saem, fecham a porta e no mesmo instante Charlotte deixa dolorosas lagrimas finalmente rolarem. Pegou aquela carta sob a colcha de sua cama e calmamente caminhou até sua penteadeira, onde em um baú fechado à chave, ela o guardou. Depois de secar seu rosto e pentear seus cabelos, Charlotte finalmente saiu de seu quarto.
Simon parecia ter caminhado por toda a Inglaterra. Seus olhos totalmente inchados e sua postura relaxada deixavam seu semblante cansado totalmente deplorável. Observou a porta velha de madeira, enquanto batia com dificuldade. — Vamos Robbie, eu voltei! Senhora Jones, obrigada por cuidar dele! — Simon, ainda sentindo seu corpo mais pesado que o normal encara a porta se abrir enquanto ele fala. — Simon, você a encontrou? — Os olhos castanhos de Robbie pareciam mais melancólicos do que no dia anterior, quando foi deixado pelo irmão mais velho. — Não Robbie, sinto muito, mas logo vamos encontrá-la, certo? Eu te prometo! — Tudo bem. — Robbie sorri sem emoção. Quando retornam para cas
Na manhã seguinte, Simon estava deveras incomodado com aquele diário. Havia passado desde o amanhecer lendo e relendo seus trechos, organizando informações em sua cabeça e decorando maneiras de falar. Ele havia se convencido de que, cedo ou tarde, ele teria de voltar às farsas para sobreviver. Simon começara com estes trabalhos de farsante desde a morte dos pais, há dois anos, quando ficou sem dinheiro e sem meios de sustentar seus irmãos. Seu amigo, Jared, que havia crescido a seu lado, o convenceu de que esta poderia ser uma maneira simples de conseguir dinheiro suficiente para comprar comida para os irmãos, sem ter que abandonar a única casa que eles tinham em toda Londres. Simon, mesmo incomodado com a ideia da mentira, entendeu que nada era simples e que seria aquilo, ou se matar de trabalhar na lavoura ou lojas para ganhar o dinheiro suficiente para comprar apenas um pedaço de pão. Ele não podia deixar seu irmão morrer. Aprendeu a l
"...Ele é diferente do que esperava. Quando o conheci, naquela manhã, pude perceber que ele não me olhava com cuidado, ele quase despiu-me com os olhos, nunca me senti tão invadida com o olhar de alguém... Nem pelo de Henry. Talvez seja apenas um devaneio meu, ou uma sensação longa e aguda de solida que me faz sentir atraída por todos. Por que fiquei tão mexida com o olhar daquele homem? Mas por que me importar? Por que é tão errado que eu me sinta bem e queira ser desejada e olhada daquela forma? Porque somente Henry tem o direito de me humilhar e me fazer sentir horrível, beijando cada moça que cruza seu caminho e bem na minha frente! Apenas por que sou uma mulher? Nem mesmo o título de rainha me garante liberdade?... Pai, sinto-me frustrada."— Charlotte, março de 1648. Henry adentrou o salão de guerra, após dispensar os guardas que ladeavam a porta. O salão de guerra e
Henry deixou a sala poucos minutos após a saída do pai. Seu destino seguinte: encontrar-se com Jacob Somerset. Sabia que provavelmente o encontraria em algum canto do palácio bebendo ou com alguma mulher. Somerset deleitava de seu tempo sozinho, o que geravam fofocas de que ele era uma pessoa estranha, que não gostava das mulheres e que era uma pessoa perigosa. No fim das contas, os boatos provaram-se verdadeiros, exceto pelo não gostar de mulheres, pelo contrário, gostava tanto de mulheres, quanto de homens. Era um sir, ou senhor como é mais frequentemente usado, desta forma, Jacob Somerset é um nobre, mas seu título tão baixo não o faz tem tamanho prestígio para que os nobres o respeitem, além do mais, suas riquezas são quase nulas, tendo somente poucas propriedades a qual se intitular dono. Seu único poder provem do título de amigo do príncipe e seu cão de caça. Por tal motivo, é plausível julgar-se que Sir Jacob não era uma pessoa com
Charlotte sabia que momentos como aquele eram raros, principalmente na corte inglesa, portanto aproveitava. Não poupou risadas ou gritos, enquanto seu cavalo corria desenfreado e alegre pelos campos ensolarados e vazios. Observou Charles metros atrás de si, com um sorriso emburrado delineando os lábios e olhos, tão castanhos e brilhantes, semicerrados. A mechas de seu cabelo castanho escuro decaindo sobre os olhos, totalmente bagunçados, após vários galopes nada gentis de seu cavalo. — Vá com calma, quer matar meu cavalo de cansaço?! — exclamou o homem. — Talvez devesse mudar de montaria, vejo que seu belo cavalo não serve nem para um singelo passeio! — Charlotte ri, berrando por cima do ombro. — Ora, mas quem será que está convencida? Ele está apenas indisposto, seu cavalo que é ab
Quando por fim chegaram ao quarto, Simon e Robert foram deixados a sós pelos guardas que saíram assim que acomodaram seus pertences no aposento. A pedido de Simon, Robert dormiria com ele, o que deixou o menino feliz, já que detestava a ideia de se afastar do irmão. Robert havia mudado muito depois da morte dos pais; não dormia sozinho, temia sempre que fosse deixado, o que se ampliou após o desaparecimento da irmã. Simon era o mais velho e desde muito jovem ajudava os pais a cuidar dos irmãos, forçando-o a trabalhar desde seus onze anos. Ele não reclamava. Simon sabia que fazia o certo e faria mais, se significasse trazer alegria a seus pais. No entanto, a repentina doença que os assolou trouxe ao rapaz uma carga de responsabilidade maior do que ele poderia suportar. Seu trabalho já não era o suficiente para ajudar os pais, que aos poucos foram ficando debilitados. Simon chegou a se privar de fome, para que não faltasse o pedaço de pão d
Charlotte seguiu ao salão do trono onde acompanhou a rainha Caterina, que ficou sentada enquanto observava a mais nova rodeada pelas damas. Ela sentia a hostilidade de Caterina desde que se casou com o rei George, durante a primavera de seus 10 anos, em uma das viagens à corte que Charlotte fazia periodicamente em momentos importantes. Naquele tempo entendeu que, Caterina, não era uma mulher calma, gentil e humilde como diziam. No entanto ela era uma de Médici e era respeitada graças à riqueza, fama e poder de sua família. Charlotte sorria cordialmente, enquanto ouvia os nobres conversarem e bajularem a rainha inglesa. Todos a respeitavam à mesma medida que ao rei e por tal motivo, Charlotte não ousava causar conflitos, mesmo que ela não representasse nada para Henry como família. Caterina, percebendo o silêncio apático da rainha da Escócia, lançou-lhe um sorriso ensaiado e estendeu-lhe
Henry sabia que não estava agindo corretamente e embora tivesse plena consciência disso, seu corpo ignorava sua razão e fazia o que sua emoção mandava. Ele não se importava no que ela sentiria se o visse, ele só queria dar o troco e fingir, por um momento, que não estava com ciúmes. Somente por aqueles instantes ele queria sentir que não estava ligado a ela e que não estava incomodado, talvez este sentimento o convencesse de que realmente nunca sentiu nada por ela e que estava tudo bem apenas seguir em frente. Ver Charlotte em meio aos campos, cavalgando ao lado de Charles fez com que Henry tivesse seu coração esmagado entre os dedos da jovem monarca. Talvez uma reação um pouco exagerada para alguns, mas para ele era como perder seu bem mais precioso para seu arquirrival. Charlotte não era um objeto, ele sabia disso, mais que isso ele a via como o ser humano mais importante em todos aqu