Aquela lata velha que Laís chamava de carro não pegou novamente esta manhã, o pequeno Ford Ka dos anos 2000 era uma verdadeira dor na bunda da sua dona. “Mas é tão fofo!”, era o ela respondia quando perguntavam o porquê de ela não dar fim na tortura do bebedor de gasolina.
Xingando seu carro mentalmente, a jovem pede um carro pelo aplicativo de celular. Ser assistente da presidência lhe dava algumas regalias. A “carona” não demora a chegar, assim que entra no carro, as imagens começam a embaçar do lado de fora da janela, ela se perde em pensamentos, repassando a agenda do dia.
Às seis em ponto, desce em frente ao número 1407 na Avenida Paulista. O prédio comercial reinava com suas janelas espelhadas em meio à selva de pedra de São Paulo. Ao chegar em frente à porta principal, coloca luvas brancas de algodão, começando a inspeção. Cada canto da recepção é verificado e a luva continua intacta.
Ao entrar no elevador privativo da presidência, tudo está impecável! Chegando ao andar 45, confirma que tudo está em seu devido lugar no percurso até os escritórios dos presidentes da Castro Wang Advogados.
Ela entra no escritório de Arthur, o mais velho dos irmãos, e sorri pelo canto dos lábios da bagunça habitual de seu chefe. Coloca tudo no seu devido lugar, verifica sua agenda, a água quente, arruma as cápsulas de café, os saquinhos de chá, coloca as revistas masculinas na segunda gaveta, junto com as camisinhas importadas. Abastecer o frigobar com água e cerveja, e, enfim, verifica o último detalhe: flores no jarro. Uma última olhada e pronto. Esta missão está concluída!
Ao chegar ao escritório do irmão mais novo, dá um grande suspiro, colocando outro par de luvas brancas. Em seguida, pega o aspirador de pó portátil e começa toda a inspeção. Laís olha cada centímetro do escritório, procurando algo como poeira ou objeto fora do lugar. Arruma as cápsulas de café por classificação de países e, dentro de cada “país”, por Leve, Forte e Muito forte. Abastece o frigobar com água importada e o refrigerante preferido do chefe. Coloca as revistas de economia na segunda gaveta e os “assuntos” do dia separados por cor — cada cor sinaliza o nível de urgência de cada assunto.
Amarelo - fraco, laranja - médio, vermelho - urgência urgentíssima.
E hoje não existe nenhum assunto realmente urgente para ser resolvido.
— Perfeito!
Sai da sala do chefe, olha pro relógio e corre para sua mesa, jogando sua bagunça dentro das gavetas. Tudo o mais rápido possível.
O rádio em seu pescoço avisa:
— Águias no ninho. Câmbio!
— Entendido. Câmbio!
Laís pega as agendas, coloca um gravador em cada bolso e vai para a porta do elevador, cinco minutos depois, os irmãos chegam.
Os dois caminham pelo corredor como Will Smith em MIB – Homens de preto, chamando atenção de todos os funcionários.
Eles tinham a mesma altura, 1,90, pele clara, olhos negros como a noite, ombros largos, deixando claro sua descendência asiática. A principal diferença era que Augusto mantinha os cabelos negros curtos, e Arthur usava cabelos longos em um rabo de cavalo alto, ambos Advogados de sucesso, machos alfas, solteiros apetitosos, pecados ambulantes... arrancavam suspiros por onde passavam. Cada um entra em seus escritórios sem dizer uma palavra, e Laís entra atrás de Arthur.
— Bom dia, Anjo, o que temos pra hoje? — Laís abre um grande sorriso
— Nada muito urgente, senhor — a jovem repassa a agenda do dia calmamente com Arthur, que sorri satisfeito.
— Bom! E aquela outra agenda?
Ela tira uma agenda roxa do bolso.
— Bem, a senhorita Lavínia ligou.
— Quem?
— A atriz de teatro com quem o senhor saiu pra jantar ontem. Parece que o senhor esqueceu um Rolex na casa dela.
— Hummm... ela tem um joanete horripilante no dedinho do pé esquerdo. Ela que fique com o Rolex — finge tremelicar. — Tira ela da lista.
Arthur se vira de lado, deixando o seu peitoral bem à mostra.
— A modelo da Victoria Secrets ligou de Milão.
— O que você disse?
— Que o senhor estava em reunião.
— Esse é o meu Anjo!!! Aqui, esse é o endereço de onde a limusine deve buscar a moça de hoje. Nossa! Que espetáculo de mulher! Quero que mande para ela um presente do nosso estoque especial.
— Ok.
— Agora, preciso de um favor.
Arthur coloca a mão no bolso e tira a chave de seu apartamento.
— Preciso que pegue minha roupa na lavanderia e leve pra minha casa, não terei tempo.
— Sim, mais alguma coisa?
— Não, pode ir... — Laís dá um sorriso e se encaminha para a porta.
— Há só mais uma coisa.
— Sim.
— Eu não tive tempo de ajeitar o nó da minha gravata, você poderia?
A morena vai até o chefe e ajeita o nó da gravata, sentindo seu cheiro, enquanto suas pernas ficam bambas.
— Terminei.
— Obrigado, está ótimo.
Laís sai da sala, fechando a porta atrás de si, então, volta a respirar aliviada. A proximidade com o chefe é de enlouquecer qualquer mulher, porém ela não pode reagir a um homem, por mais gostoso que ele seja, não no trabalho. Ainda mais se ele for o Sr. Arthur.
Diante da outra porta, ela respira fundo, dá duas batidas e entra.
— Por que demorou tanto, senhorita Laís?
— Nesta semana eu começo o dia com o senhor Arthur, depois venho para o senhor. Na próxima segunda é o contrário.
— Eu me esqueci desse acordo absurdo! — Augusto fala aborrecido. — É lógico que meus assuntos são mais importantes que os do Arthur.
— Pra mim, ambos são de extrema importância, senhor!
Augusto olha para Laís claramente contrariado.
— Que seja!— fala ríspido. — Passe a agenda do dia!
A assistente passa a agenda do dia, seu chefe escuta compenetrado. De tempos em tempos, fita os olhos azuis da morena, que, às vezes, corresponde, ficando, eventualmente, vermelha. Entretanto, normalmente, desviava o olhar. Isso divertia o chefe.
Augusto passa a lista dos projetos a serem revisados, pede a revisão dos documentos de fusão, começa a ditar alguns e-mails e, por fim, pede que Laís lhe prepare um café.
— Qual tipo, senhor?
— Hummm, pode ser o tibetano que eu trouxe da última viagem.
— Deve ser maravilhoso, senhor.
— Você gosta de café?
— Sim!
— Então, faça um pra você também!
Laís obedece, mas tenta tomar em pé o café que prepara para si.
— Bem, sente-se aqui! — Augusto b**e no lugar ao lado dele no sofá.
— Não, senhor. Estou bem em pé. Se alguém me vir sentada com o senhor, pode interpretar errado.
— Venha logo, é uma ordem!
Laís se senta e degusta, aos poucos, a deliciosa bebida.
— É ótimo, não é?
— Sim, senhor, o melhor que já tomei. — Ela se levanta. — Preciso ir, tenho que responder a alguns e-mails.
— Ok! — Augusto faz uma cara de desagrado.
— Muito obrigada!
Laís sai da sala rapidamente, tira os gravadores dos bolsos e anota tudo o que é imprescindível — menos a parte das mulheres de Arthur, que apaga, enquanto repassa os e-mails. Ao levantar a cabeça, olha pra dentro da sala do chefe e o pega olhando-a, ela sorri internamente e continua seu trabalho.
A manhã passa tranquilamente. Na hora do almoço, uma versão menor de Laís b**e com os dedos em sua mesa.
— Ocupada?
— Eu só vou ver se eles precisam de algo e podemos ir almoçar. O que trouxe? — pergunta. A pequena levanta a sacola sorrindo.
— Comprei cachorro quente com muito purê. Vamos logo, senão esfria!
— Hummm, só um minuto!
A morena b**e na porta, Augusto e Arthur estão conversando.
— Eu gostaria de saber se vão precisar de mim, estou indo almoçar.
— Com sua amiga? — pergunta Augusto, olhando a pequena pela persiana aberta.
— Não! — responde Arthur impaciente. — É a irmã dela! Qual é o nome mesmo? Ana... Lama... Ama... Allana!!! Você não lembra, Augusto? Contratamos a moça pra ser girl do escritório há um mês.
— Um ano, Senhor Arthur — Laís diz com um grande sorriso.
— Isso tudo?
— É, o tempo passa rápido!
Augusto faz uma careta para essa intimidade e diz em tom áspero:
— Vai logo!
Laís sai apressada da sala, pega sua bolsa e sai, enquanto os irmãos observam a movimentação da morena pelas persianas.
— Como você sabia que ela tinha uma irmã?
— Eu apenas sei!
— Como? — Augusto pergunta curioso.
— Sei que tem uma irmã, mora com o pai, a mãe morreu quando elas eram pequenas e, o mais importante, não tem namorado.
— Como você soube dessas coisas? Ela te contou?
— Lógico que não! Existe uma coisa chamada rede social, sabia? Só stalkeei um pouquinho.
Augusto bufa de frustração.
— Bem a sua cara
— Hoje em dia não existe modo melhor de conhecer alguém que a rede social — Arthur afirma sorrindo.
— Cara de pau!
O mais velho sai da sala rindo.
Augusto tranca a porta de sua sala, abre o notebook pessoal e digita no F******k “Laís Monteiro”.
Nesse instante, a assistente ganha mais um Stalker.
Laís e Allana sobem para o telhado. Havia dois meses que o novo jardim urbano havia sido inaugurado e tinha virado uma verdadeira febre entre os funcionários da Castro Wang Ilimitada.O jardim era um oásis para Laís. Um lugar onde os funcionários podiam comer rodeados pela natureza, coisa rara na selva de pedras da grande São Paulo. Aquele pedacinho de céu a lembrava de quando eram pequenas e moravam no interior das Minas Gerais rodeadas de seus pais e avós. A voz da irmã a tira de seus pensamentos saudosistas. — Como estão nossos chefes adoráveis hoje? — diz Allana com deboche.A irmã mais velha fez uma cara de desaprovação, olhando para os lados pra ter certeza de que estão sozinhas.— Fala baixo! Alguém pode escutar!A caçula a olha com um olhar zombeteiro.— Ainda está cedo, estamos sozinhas.— Run! Estão ótimos, isso me fez lembrar... — Laís tira as chaves do bolso. — Você vai à lavanderia de sempre, pega as roupas do Senhor Arthur, leva pra casa dele, depois leva isso nesse end
Ao final do expediente, Laís está arrumando suas coisas para ir embora, estava exausta, já fazia um tempo que os irmãos exigiam cada vez mais a sua presença em suas salas, seja para preparar café ou para consertar gravatas. No fundo, ela se sentia bem com aquilo. Os sorrisos do Arthur, os olhares de Augusto... só de pensar, sentia um arrepio na espinha.— Mana... Mana...A voz da irmã a tira de seu transe.— Oi!— Aqui a nota da lavanderia. Você me deve 300 reais.Laís mexe na gaveta, tira o dinheiro e o entrega à irmã.— Aqui a resposta da vítima... ops! Moça! — Allana fala, levantando uma pesada cesta de frutas, colocando-a em cima da mesa.Laís olha e diz sem pensar:— Ele não come essas frutas, é alérgico à quatro delas e as outras... não passam no padrão de qualidade.— Ela mandou um bilhete. — A outra respira fundo.— Vou entregar — Laís arrasta a cesta e entra no escritório de Arthur.— Senhor, chegou a resposta da senhorita. A morena coloca a cesta de frutas em cima da mesa e
Ao final do expediente, Laís está arrumando suas coisas para ir embora, estava exausta, já fazia um tempo que os irmãos exigiam cada vez mais a sua presença em suas salas, seja para preparar café ou para consertar gravatas. No fundo, ela se sentia bem com aquilo. Os sorrisos do Arthur, os olhares de Augusto... só de pensar, sentia um arrepio na espinha.— Mana... Mana...A voz da irmã a tira de seu transe.— Oi!— Aqui a nota da lavanderia. Você me deve 300 reais.Laís mexe na gaveta, tira o dinheiro e o entrega à irmã.— Aqui a resposta da vítima... ops! Moça! — Allana fala, levantando uma pesada cesta de frutas, colocando-a em cima da mesa.Laís olha e diz sem pensar:— Ele não come essas frutas, é alérgico à quatro delas e as outras... não passam no padrão de qualidade.— Ela mandou um bilhete. — A outra respira fundo.— Vou entregar — Laís arrasta a cesta e entra no escritório de Arthur.— Senhor, chegou a resposta da senhorita. A morena coloca a cesta de frutas em cima da mesa e
Allana entra no escritório às 10 horas trazendo uma mala com as coisas de sua irmã.— Suas coisas, mana.— Obrigada, vou deixar aqui do lado.— Explicou ao pai que vou passar uns dias fora?— Sim, mas ele não ficou muito feliz, disse que conversaria melhor com você quando voltasse para casa, mas não deixou de sair com a nova namorada, o que você deveria fazer ao invés de se matar de trabalhar — ela se aproxima da irmã. — Podíamos morar mais perto do trabalho, pegar duas horas de trem e mais 40 minutos em um ônibus pra chegar aqui e depois ir pra faculdade tá acabando comigo.— É só você acordar mais cedo e vir de carro comigo!— Deus, Laís, aquela lata velha não funciona. Nem sei como ainda te deixam circular com aquilo nas vias públicas. — A morena interrompe a irmã.— Morar aqui é caro, onde você acha que vamos achar um lugar pra morar com nossos salários? Teríamos que comer na rua todas as noites, e eu não tenho grana pra isso.— E você só tem dinheiro pra literatura hot — ri.— De
Laís volta para sua mesa nervosa, sente-se inquieta. Augusto também iria começar um relacionamento, e ela não conseguia disfarçar a insatisfação. Olha pro relógio, é quase hora do almoço, quer sair dali, precisa de um tempinho sozinha. Vai para a cobertura, deita-se na espreguiçadeira e se lembra da noite anterior, como seu corpo se sentiu à vontade dormindo ao lado de seus homens, como se sentiu feliz acordando ao lado deles, mas, pelo visto, não passaria disso.Olhando pro céu, diz para si mesma: — Sonhos não viram realidade!Ao final dos cinco dias, o trabalho está pronto. Laís sente a carne “desprender de seus ossos”, chega à sua casa tarde da noite, e o pai não está. Arrasta-se pelos estreitos corredores e se joga na cama, está cansada, exausta emocional e fisicamente. Toma um banho relaxante e vai para a cama, segundos depois, adormece. Acorda no horário de costume e se arruma; em cima da mesa, um bilhete do pai dizendo que iria dormir na casa da namorada.— Eu ainda não sei por
Laís decide ir até o saguão do prédio, magicamente, as flores e o tapete vermelho haviam sumido, ela pisca duas vezes pra ter certeza de que não havia sonhado, vai então parar o estacionamento, entra no carro e coloca a cabeça no volante, sente-se a mulher de 50 tons de cinza com aquela proposta, porém não era só um bilionário atrás dela, e sim dois. Esse tipo de situação jamais passou por sua cabeça...Quer dizer, só em seus sonhos molhados. O que ela iria fazer? Certo, aceitou sair com os dois, mas e depois, o que faria?Na realidade, gostava dos dois. O telefone toca.— Onde está? — Augusto pergunta.— No estacionamento.— Volte agora! Temos trabalho a fazer.— Estou voltando. — Cadê o fofo de minutos atrás? Esse ser só pode ser bipolar — Laís pensa, saindo do carro e voltando para a presidência.Os funcionários começam a chegar. Ela pega seus gravadores e sua agenda e segue para a sala de Augusto.— Sua agenda, senhor.Ele escuta com a maior atenção, procurando os olhos dela, que
Laís chega à sua casa ainda “andando nas nuvens”. O encontro havia sido perfeito! Ela se deita na sua cama, lembrando-se dos melhores momentos. No dia seguinte, ao chegar ao trabalho, faz tudo como fazia todos os dias. Os irmãos chegam e logo vai até eles para passar as agendas. Primeiro Augusto, que sorria satisfeito pelo encontro perfeito, depois Arthur. Ao entrar na sala, seu “bom dia” foi respondido com um grunhido.— Como foi seu encontro ontem?— Bom, maravilhoso, apesar do seu esforço em atrapalhar.— Eu não quis atrapalhar, é que...— É quê...?— Você conhece meus defeitos, sinto dizer que melhor que eu mesmo, e meu irmão não tem defeitos, é o homem ideal pra você, responsável, inteligente, leal — confessa e dá um suspiro. — Eu só queria te mostrar que estou tentando de verdade.A morena sente sinceridade nas palavras do Castro mais velho.— Eu sei que está.— Eu te peço desculpas por ontem, prometo me controlar nos próximos encontros.— Tudo bem, agora, deixa eu te passar a a
Laís acorda cedo para um sábado. Ao se levantar, ouve vozes na cozinha e um cheiro inconfundível vem de lá: café fresco e pão assado. Levanta-se da cama num pulo. Finalmente seu pai estava em casa. Na mesa da sala há um pequeno banquete— Uai, tá lindo, pai!Ela corre até a cozinha e encontra uma mulher loira, por volta de trinta anos, terminando de passar o café.— Oi... Quem é você?— Você deve ser a Laís, Meu nome e Glória, muito prazer! Sou a namorada do seu pai.— Na verdade, noiva — diz Mario, entrando pela porta da cozinha.O pai não tinha costume de trazer as namoradas para casa, e aquilo era, no mínimo, inusitado.— Ah, muito prazer! Acho melhor eu me trocar. O senhor poderia ter avisado que teríamos visitas.Mario sorri.— Ela virá morar conosco em breve, não vai ser a primeira vez que vai te ver só de camisola, filha — explica e pousa um beijo na testa da filha.A campainha toca.— Vocês estão esperando alguém? — a mulher indaga.— Não! — responde Mario.Laís sai da cozinha