2013
Clara, 22 anos
É o meu aniversário de 22 anos. E, como acontece desde que nasci, vou comemorar junto com Eva: minha melhor amiga e minha irmã do coração. Nossas mães eram muito amigas e tiveram a gente no exato mesmo dia. Desde então, somos uma dupla inseparável: um time no qual ninguém ousa mexer.
Fazemos quase tudo juntas, desde caminhadas para nos exercitar, passando por idas ao shopping para comprar roupas até, claro, saídas noturnas para nos divertir. Em casa, também fazemos companhia uma para a outra, dividindo tarefas domésticas e assistindo aos mesmos programas na TV. Eu sou melhor na cozinha, mas ninguém supera Eva na limpeza. Então, usamos os nossos talentos particulares para ajudar meus pais a cuidar do apartamento e damos muitas risadas no processo. Estar com a minha irmã é sempre uma experiência maravilhosa; ela consegue me arrancar risadas nos momentos mais inesperados e faz com que o tempo passe de maneira rápida e suave. Até quando precisamos nos dedicar a coisas chatas.
Estou nervosa porque, hoje à noite, vou apresentar Leonardo para a minha família. Quero muito que todos gostem dele como eu, que validem a minha escolha. Mais do que tudo, quero que Leo se dê bem com Eva, pois seria absolutamente impossível namorar um cara que ela desaprova.
Apesar de conhecê-lo há apenas dois meses e de não termos dado nenhum rótulo à nossa relação até agora, estou completamente apaixonada. E essa certeza só se confirma a cada beijo, a cada transa, a cada singela declaração. Quando estamos juntos, não conseguimos tirar as mãos um do outro. É como se uma corda invisível nos mantivesse amarrados, emaranhados, fundidos.
Entro em casa e vejo tudo muito bem arrumado: mesa posta, bolas enfeitando o ambiente e painéis chamativos de “parabéns” ocupando algumas paredes. “É típico da Eva”, penso. Embora sejamos grudadas uma na outra, temos gostos e hábitos totalmente opostos, ou seja, personalidades muito distintas. Enquanto eu sou tímida e detesto estar em evidência, Eva atrai holofotes e parece, mesmo em silêncio, implorar por atenção. Ela ama cores, brilhos, maquiagem, moda. Eu, em contrapartida, prefiro a naturalidade: sou neutra ou, como ela diz brincando, “sem-graça”.
Sigo em direção ao meu quarto para tomar um banho e me arrumar. Escolho um vestido azul-marinho, com pequenos detalhes em verde-água. É bonito e discreto, exatamente como eu. Pego um sapato bege, brincos pequeninos, seco o cabelo e passo um leve batom nos lábios. Olho o visual no espelho e fico satisfeita com a minha aparência. Mas a minha convicção dura só alguns segundos, apenas o tempo de Eva me ver.
— Não acredito que você vai usar essa roupa apagada, Clara. É o seu aniversário, e o homem dos seus sonhos vem conhecer a sua família — ela fala, exaltada, gesticulando com aquele exagero que lhe é tão característico. — E o que aconteceu com o seu rosto? Quer dizer, o que não aconteceu, né? Tem que colocar uma base, um blush, um rímel... pelo amor de Deus, Clarinha! — reclama, já procurando a bolsa de maquiagem.
— Você sabe que, para mim, menos é sempre mais. Deixa eu aproveitar que sou nova e tenho a pele boa. Gosto de me sentir eu mesma e não uma boneca produzida. Fica lindo em você, mas simplesmente não combina comigo — justifico, tentando novamente fazê-la entender as minhas preferências. Claro que acabo perdendo a discussão e deixo que ela salpique o meu rosto com uma paleta chamativa de cores. Pelo menos, Eva termina o trabalho com um enorme sorriso no rosto. Isso, como de costume, já é o suficiente para mim e faz qualquer esforço valer a pena. Tudo pela sua felicidade. Sempre.
***
O relógio parece se arrastar, e a minha ansiedade aumenta de forma vertiginosa. Pego um copo de água de coco e vou ao quarto de Eva para passar o tempo. Com certeza, ela é a melhor pessoa para me manter distraída agora. Fico observando enquanto ela dá os retoques finais à sua produção. Está deslumbrante: com um vestido pink colado ao corpo, sapatos pretos de salto muito fino e uma maquiagem de fazer inveja a qualquer modelo de editorial. Enquanto presto atenção aos seus movimentos fluidos, ela só consegue falar do carinha por quem está obcecada nas últimas semanas. Ainda não sei muita coisa sobre ele, só que a minha amada Eva está decidida a conquistá-lo a qualquer custo. Para falar a verdade, ela meio que já deu um bote no rapaz, arrastando-o para cama após uma confraternização do curso de Inglês.
— Quer dizer que você não voltou a vê-lo depois da noite de amor? Ele não te ligou? — pergunto, curiosa com a evolução da história.
— Pois é, nadinha. Liguei algumas vezes, mas ele não atendeu e não me ligou de volta. Tá certo que forcei um pouco a barra na noite da festinha. Ele estava um pouco bêbado — ela conta, rindo alto. — Ok, ele estava muiiiiito bêbado. Mas e daí? Se não estivesse com vontade, não tinha acontecido. Ele me quer, Clarinha. Ele só não sabe disso ainda — afirma, rodopiando pelo quarto, repleta de segurança e convicção.
— Estranho ele simplesmente sumir, né? Não dar nenhum sinal de vida ... — falo, sem conseguir entender a atitude do cara.
— Bem, um sinal ele deu sim. Eu não comentei, mas ele me enviou uma mensagem de texto no dia seguinte à nossa transa. Disse que foi um erro termos passado a noite juntos e que, apesar de me achar uma menina ótima, está apaixonado por outra pessoa — solta, com ar de profunda indignação.
— Eva! Como você não falou isso antes? Não é um detalhe que possa ser esquecido. É sério! Se ele está envolvido com outra mulher, é melhor desencanar. Você vai acabar sofrendo — tento aconselhar.
— Euzinha, sofrendo? É óbvio que isso não vai acontecer. Vou te contar como vai ser, Clara: ele vai dar um pé na bunda dessa piriguete e vai ficar comigo. Simples assim. E chega de falar nisso, pois hoje é dia de conhecer o SEU homem — sentencia, arrancando uma gargalhada minha.
Oficialmente, Leonardo não tem nada de meu. Estamos envolvidos, mas não namorando. Acho que conhecer a minha família é o primeiro grande passo para o nosso relacionamento atingir outro nível. Fico ainda mais nervosa ao perceber que, em poucas horas, posso me tornar namorada de Leo. Um frio invade a minha barriga e provoca borboletas no meu estômago, fazendo com que eu me dê conta de quanto quero esse título.
***
Os ponteiros do relógio marcam 20h30, e o interfone anuncia, enfim, a chegada de Leo. Dou uma última olhada no espelho para conferir como estou e peço para todos agirem com leveza, evitando metralhar o rapaz com perguntas. Afinal, ele não veio aqui para participar da “Santa Inquisição”.
A campainha toca, e me apresso em atender a porta. Ao abri-la, dou de cara com um lindo buquê de flores do campo, repleto de múltiplas e vivas cores. Sinto um calor no coração ao constatar a gentileza de Leonardo e acho que, por um segundo, eu o amo um pouco mais. Ele me beija rapidamente e entra na minha casa. Enquanto começo a fazer as introduções, vejo o rosto dele perder a cor e os seus lábios assumirem assustadores tons de roxo. Ao mesmo tempo, Eva dá um grito estridente, colocando a mão sobre a boca.
Fico revezando os meus olhares entre Leonardo e Eva, sem entender a cena. Eles permanecem paralisados, com olhos arregalados, sem emitir qualquer palavra que alivie a minha aflição. Os meus pais também estão completamente sem reação, quase congelados, sem saber como agir. O silêncio é absolutamente ensurdecedor, e a minha cabeça parece que vai explodir.
— Gente, posso saber o que está acontecendo? Vocês estão me assustando! Por que essas caras? Alguém pode explicar? — pergunto, sem direcionar o questionamento a ninguém em particular. Leonardo j**a as flores na cadeira que está ao seu lado e coloca a mão na testa, bagunçando o cabelo que estava cuidadosamente penteado.
— Clara, eee... eu e a Eva já nos conhecemos. Ela é da minha turma do curso de inglês — diz, com insegurança.
O entendimento me domina de maneira cortante e tenho vontade de correr. Parece um pesadelo da pior espécie, mas sei que não tenho a opção de acordar. É a pura e maldosa realidade, e está acontecendo bem aqui, diante dos meus olhos perplexos.
— VOCÊ é o cara da Eva? Como assim? Diz que isso não é verdade, Leo, por favor — falo em meio às lágrimas, que já inundam o meu rosto. Olho para Eva, implorando para que ela comece a rir e diga que foi só uma pegadinha. — Eva, pelo amor de Deus, fala que eu entendi errado e que o Leonardo não é o cara que você levou para cama.
Vejo os meus pais em completo choque. Começa um burburinho generalizado, e todos tentam falar ao mesmo tempo. Meus ouvidos simplesmente bloqueiam tudo, e fico alheia ao que acontece no meu entorno. Não ouço mais nada. A minha visão começa a ficar turva, o ar se torna rarefeito e, completamente sufocada, mergulho em uma imensidão escura.
Quando acordo do desmaio, a casa está calma e Leonardo já foi embora. Olho para o lado, e vejo Eva, com o rosto inchado, ainda chorando, enquanto me olha envergonhada. Eu me levanto do sofá, onde devem ter me colocado enquanto estava desacordada, e corro para abraçá-la forte. Preciso ter certeza de que ela está bem. Mais do que isso, tenho que fazer o que for necessário para que ela fique.
— Como você está? — pergunto, acariciando o seu cabelo.
— Arrasada, né? Por mim, por você, pelo Leonardo. Quais as chances de uma coisa assim acontecer? Meu Deus, se eu não estivesse tão apaixonada...
— Então, você realmente gosta dele? É de verdade? — questiono apenas para confirmar aquilo que, infelizmente, já sei.
— É sim, irmãzinha. Estou muito apaixonada, como nunca estive até hoje. E, até onde eu sei, a sua situação não é diferente da minha. Meu Deus! — ela se solta, enquanto esfrega as mãos pelo rosto. — Eu andei pensando, e a melhor coisa é eu esquecer o que aconteceu e sair da jogada. Afinal, tudo o que tivemos foi uma noite e, mesmo assim, porque ele estava podre de bêbado. Já você... você é a tal mulher que ele disse que estava envolvido e com quem ele realmente quer ficar. Não se preocupe comigo, pois vou levantar a cabeça e...
— Para com isso, Eva. Nenhuma de nós tem mais ou menos direito. Amor é amor. É a nossa felicidade que está em jogo aqui, e eu não vou deixar você se sacrificar por minha causa. Vamos esfriar a cabeça, refletir, deixar as coisas ficarem um pouco mais calmas. Depois a gente volta a conversar. Sei que também preciso falar com o Leo. Mas não hoje, não agora — finalizo.
Eu me despeço da minha irmã e ando em direção ao meu quarto. Vou me fechar lá dentro e ficar isolada o máximo que puder, tentando digerir tudo o que acabou de acontecer bem diante dos meus olhos. Então, como sempre acontece em momentos críticos, a lembrança daquele dia me domina, trazendo à tona memórias que eu gostaria de apagar.
2000Clara, 9 anos Estou muito empolgada com o programa que vamos fazer hoje. É muito bom sair com os pais da Eva: eles são engraçados e muito divertidos. Sempre quis ir a Grumari. Minhas amigas da escola comentam que a praia é linda e deserta, igual às dos filmes que passam à tarde na televisão. Eu me sinto em uma aventura e estou louca para brincar muito naquelas areias branquinhas.Passamos o tempo mergulhando, correndo e fazendo castelos. Comemos uma comida muito gostosa, e a tia Ellen compra sorvetes de chocolate como sobremesa. Já são cinco horas da tarde, e estou cansada, mas não quero que o dia acabe.Recolhemos as nossas coisas, entramos no carro e seguimos em direção à minha casa. No caminho, eu me lembro do Mirante que todo mundo fala, que fica no Leblon. Nunca fui lá antes. O Sol já
2013Clara, 22 anos Passo a noite praticamente em claro, tentando entender a minha nova realidade: Leo é a paixão obsessiva de Eva. Parece uma daquelas piadas de péssimo gosto, mas, infelizmente, não é.Olho o meu celular, e tem dezenas de ligações perdidas de Leonardo e várias mensagens de texto e de voz. Começo a ler e a ouvir as palavras que ele deixou.►“Clara, eu quero pedir desculpas. Para começar, por ter passado a noite com outra mulher. Eu estava muito bêbado e me arrependi amargamente. Nós não estamos namorando oficialmente, mas eu já sou completamente apaixonado por você. Não podia ter acontecido. E eu... eu nunca poderia imaginar que a Eva era a sua irmã. Parece um pesadelo.” “Olha, eu sei que você está fer
2002Clara, 11 anos Mamãe e papai decidiram que vão nos levar para um acampamento de férias. Estou bem animada, até porque é a primeira vez que a gente vai viajar em dois anos. Além de ficar em um local lindo, cheio de natureza, tem várias atrações legais: canoagem, trilhas e escorregador na lama. Tenho esperança de que Eva se esqueça um pouco da saudade dos pais e se divirta ao meu lado. E, claro, que eu consiga não pensar, pelo menos um pouquinho, na tristeza que causei.Em todo o tempo que passou desde o acidente, não tem um dia em que não me sinta mal pelo que fiz. O pior é ver Eva chorando, com dificuldade at&eacut
2013Clara, 22 anosJá faz quase um mês que terminei com Leo, e a sensação que tenho é que fica cada dia mais difícil. Estar longe dele é doloroso demais. Ele tem me procurado de maneira insistente, mas simplesmente ignoro todas as mensagens e ligações. Até no meu estágio ele apareceu, mas pedi que o mandassem embora. É muito triste dizer adeus a quem se ama e ver a pessoa sofrendo, sem poder fazer nada. Mas eu realmente não posso.Depois de uma tarde agitada no trabalho, entro em casa desejando um banho demorado e a cama. Logo de cara, encontro Eva cabisbaixa no sofá, pálida e com aparência de quem passou o dia chorando. Meu coração fica imediatamente apertado. Deixo as minhas coisas em cima da mesa e me sento ao seu lado com cuidado.— Por que essa carinha triste, Eva?
2003Clara, 12 anos Na hora do jantar, papai diz que tem uma surpresa para nós. Ficamos ansiosas, querendo logo saber do que se trata. Ele faz suspense até a sobremesa, mas, enfim, revela o mistério: vamos passar as férias nos Estados Unidos. Damos gritinhos de comemoração e fazemos a nossa dancinha da vitória; estamos muito empolgadas. Mamãe conta que cabe a nós duas, eu e Eva, decidirmos a cidade que iremos visitar.Eu grito, na hora, que quero ir à Disney. É o meu sonho desde sempre e sou completamente apaixonada pelo universo de magia do lugar. Imagino as cores, os personagens, os brinquedos. Começo a sonhar acordada com a possibilidade de, enfim, pegar um avião para Orlando. Eva faz uma cara feia para a minha sugestão.— Disney, Clarinha? Isso é coisa de criança! A gente j&aacu
2014Clara, 23 anosEstou completamente apaixonada por João Pedro. Ele é um bebê sorridente e calmo, que encanta todos à sua volta. Quando o seguro nos braços, sinto uma imensidão invadir o meu peito, um sentimento imensurável tomar conta de mim. É puro, verdadeiro, transparente. Tiro um mês de férias e vou à casa de Eva quase todos os dias, depois que Leo sai para o trabalho. Passo a tarde com eles e ajudo em tudo o que posso: dou banho, coloco para arrotar, levo para pegar sol e seguro na hora das cólicas. Ela aproveita a minha presença para cochilar e se recompor. Não é fácil cuidar de um recém-nascido.Aos poucos, as coisas estão se encaixando e a vida vai voltando para o seu rumo. Embora ainda ame Leonardo, o meu sentimento está cada vez mais adormecido, domado, represado
2018Clara, 27 anos Eu e Eva estamos com 27 anos. É impressionante como os últimos anos voaram. Ao mesmo tempo que foi difícil administrar a minha paixão por Leonardo, recomeçar a vida e ajudar na criação do João Pedro, tenho a sensação de que passou rápido demais. Meu afilhado já tem quatro anos e esbanja esperteza. Ele é apaixonante, carinhoso, sagaz. Adoro levá-lo para passear e vê-lo sorrir enquanto nos divertimos juntos.Hoje, posso dizer, de boca cheia, que sou uma escritora, como sempre quis. Acabo de colocar o ponto final no meu segundo romance de ficção. Nem acredito que consegui terminar mais uma história e que, em breve, ela será lançada para o mundo. Tenho conciliado o meu trabalho na revista com a carreira na literatura. Estar na Em Nome da Ciência t
2005Clara, 14 anos Vamos a uma festa na casa do Paulo, um menino muito popular da escola. Estamos animadas e até compramos roupas novas. Eu vou com um vestido preto justinho, que tem pequenos detalhes em branco. É discreto, mas muito bonito. Eva, por sua vez, se apaixona por um conjunto de saia e blusa dourado: lindo, mas ousado e bastante chamativo. É a cara da minha irmã!Eva cisma que precisamos levar bebidas alcóolicas para parecermos descoladas. Ela quer começar a beber de qualquer maneira. Eu faço de tudo para tirar essa ideia estapafúrdia da cabeça dela, enumerando todas as coisas erradas que mexer com álcool pode ocasionar. A gente só tem quatorze anos e não tem por que querer apressar as coisas. Cada coisa na sua idade, no seu tempo certo. Mas claro que meu esforço é totalmente em vão.