2013
Clara, 22 anos
Já faz quase um mês que terminei com Leo, e a sensação que tenho é que fica cada dia mais difícil. Estar longe dele é doloroso demais. Ele tem me procurado de maneira insistente, mas simplesmente ignoro todas as mensagens e ligações. Até no meu estágio ele apareceu, mas pedi que o mandassem embora. É muito triste dizer adeus a quem se ama e ver a pessoa sofrendo, sem poder fazer nada. Mas eu realmente não posso.
Depois de uma tarde agitada no trabalho, entro em casa desejando um banho demorado e a cama. Logo de cara, encontro Eva cabisbaixa no sofá, pálida e com aparência de quem passou o dia chorando. Meu coração fica imediatamente apertado. Deixo as minhas coisas em cima da mesa e me sento ao seu lado com cuidado.
— Por que essa carinha triste, Eva? O que aconteceu? — pergunto, preocupada.
— Eu juro que eu não queria, Clara. Eu não pensei que isso fosse acontecer. Aliás, não pensei em nada — diz, afoita, misturando as palavras e me confundindo ainda mais.
— Fala com calma. Você está me deixando nervosa. O que você não pensou que fosse acontecer? — questiono, ansiando entender o que ela tenta me dizer sem sucesso.
— Estou grávida, irmã. Grávida do Leonardo! — grita, voltando a chorar.
Neste momento, o meu coração congela. Tudo roda na minha cabeça, e sinto como se fosse cair dura no meio da sala. Mas me concentro, recomponho-me, disfarço a dor e faço a única coisa que me resta: apoiar Eva.
Os dias que se seguem são estranhos e tristes. Preciso lidar com o fato de que a minha melhor amiga, a minha irmã, vai ter um filho do homem que eu amo. Isso significa que essa situação nunca vai ter um fim e que ficarei presa nesse horror para sempre. Um vínculo cruel e eterno.
Eva pede a minha ajuda para dar a notícia a Leonardo, então vamos juntas ter essa difícil conversa com ele. Marcamos em um restaurante sossegado, justamente por ser um lugar neutro. A minha irmã não queria que esse “embate” acontecesse aqui em casa nem no apartamento de Leo.
Chegamos primeiro e vamos para uma mesinha no fundo da varanda, bastante isolada. Não tem ninguém por perto, então teremos a privacidade necessária para abordar essa questão tão séria. Leonardo entra poucos minutos depois, visivelmente nervoso. Fico imaginando como esse encontro deve ter soado estranho para ele. Um milhão de coisas devem estar passando pela sua cabeça agora, mas, com certeza, nenhuma delas chega nem perto da verdade.
Leo se senta, pede uma água e nos olha com muita ansiedade.
— Meninas, por favor, o que é tão importante que vocês tinham que falar juntas? Eu estou surtando desde a ligação da Eva — fala, com pressa de ter um alívio para a sua angústia. A minha irmã se vira para mim e, com olhos de súplica, pede que eu tome a frente da conversa.
— Peço desculpas por ter te deixado nesse estado, Leo. Mas o assunto, de fato, é muito sério. E eu só estou aqui para ajudar a Eva, porque ela me pediu esse apoio — já explico, tentando justificar a razão da minha presença nesse momento, que teria que ser só deles. — Na noite em que vocês dormiram juntos, os dois estavam embriagados e não se preveniram...
— Não! Tenho quase certeza de que eu usei camisinha, Clara — interrompe Leo.
— “Quase” e “certeza” são duas palavras que não podem ser usadas juntas. Você não se lembra, Leonardo. E não, você não usou preservativo. Caso contrário, a Eva não estaria grávida agora — acabo soltando, sem conseguir conter a minha irritação. Por mais que eu me esforce, sou humana e estou longe de estar isenta nessa situação. Lá no fundo, tenho raiva da minha irmã, sinto ódio de Leonardo e, principalmente, deixo-me consumir por um ciúme incontrolável. Sei que é feio da minha parte, mas não posso evitar.
— Grávida? Meu Deus! Vocês têm certeza disso? — questiona, mostrando uma total perplexidade.
— Tenho, Leo — fala Eva, pela primeira vez. Eu fiz vários testes de farmácia e, para confirmar, fiz também o exame de sangue — explica a minha irmã.
— Estou em choque... não sei o que dizer. Pensei em mil possibilidades para esse papo, mas nunca, nem por um milésimo de segundo, imaginei que uma gravidez estivesse em jogo — confessa, tentando puxar o ar e passando as mãos pela cabeça.
Ficamos em um silêncio constrangedor por alguns minutos. Eu me sinto uma intrusa ali e tenho vontade de sair correndo daquela mesa. É horrível em todos os sentidos. Sei que Leonardo também é jovem, mas, mal ou bem, ele é três anos mais velho do que nós duas, tem um trabalho fixo e até mora sozinho. Do ponto de vista financeiro, ser pai não será um transtorno tão grande para ele.
Depois de um tempo, que parece quase eterno, sem que ninguém abra a boca, Eva resolve se manifestar.
— Leo, quero deixar claro que você não me deve nada. Eu precisava te contar porque isso também impacta a sua vida e seria muito injusto da minha parte te deixar no escuro em relação a esse bebê. Eu decidi que vou ter essa criança e estou disposta a cuidar dela sozinha — diz.
— De jeito nenhum, Eva. Eu tenho a mesma responsabilidade que você nessa história. Então, vou assumir o nosso filho e dar tudo o que ele precisa. A gente vai encontrar uma maneira de se ajudar, dividir as tarefas, revezar a guarda — explica, já deixando a minha irmã com os olhos cheios d’água. Embora ela não diga nada, sei que esperava que ele ficasse ao seu lado de maneira romântica. Acho que tinha esperanças de que se tornassem um casal de verdade. Percebo que ela tenta disfarçar a decepção, ao mesmo tempo em que eu me esforço para conter o alívio que sinto. Eu não suportaria uma cena de amor agora. Eu me julgo suja por estar comemorando internamente, mas a verdade é que estou fazendo exatamente isso.
Conversamos sobre mais alguns pontos importantes e vamos embora. A despedida é estranha e formamos um trio desajustado, que simplesmente não sabe como se portar. Eva está tentando sorrir e mostrar satisfação com o rumo das coisas, mas vejo, na sua fisionomia, que ela está destruída.
***
Algumas longas semanas se passam, e eu começo a me acostumar, pouco a pouco, com a possibilidade de Eva e Leo formarem um casal. Afinal, um bebê inocente está a caminho e ele precisa de uma família. Essa minha sensação fica mais forte a cada dia, sobretudo quando vejo a falta de brilho nos olhos da minha irmã. Ela sorri com a boca, mas está chorando com a alma. Toda aquela sua luz parece ter se esvaído do seu corpo, deixando no lugar uma figura apagada e cinzenta, que em nada se parece com a minha irmã. Vê-la assim faz com que os pesadelos com o acidente voltem com força total: acordo todas as noites gritando, suada, revivendo aqueles momentos de terror e me sentindo culpada pela infelicidade de Eva. É um ciclo tóxico, que me envolve como areia movediça.
Resolvo interferir e pedir para Leonardo pensar na possibilidade de ficar ao lado da minha irmã, por inteiro. Pedir para o meu amor ficar com outra mulher é extremamente doloroso e exige um desprendimento que eu sequer achei que tinha. Nunca, nem no meu pior pesadelo, pensei em passar por algo assim.
Escrevo um longo e-mail para Leonardo e exponho todas as razões para ele assumir um relacionamento com Eva. Falo sobre a criança que vai chegar, a família que eles podem formar e a importância de serem um casal nesse momento único da vida. Explico que a minha irmã precisa do seu amor, não apenas do seu apoio. Mando mensagens com o mesmo conteúdo para o seu celular, repetidas vezes, adotando uma espécie de mantra. O ideal seria falar com ele pessoalmente, olho no olho, mas não sou tão forte assim. De perto, seria impossível dizer todas essas coisas.
Nos primeiros meses, os meus apelos não funcionam. No entanto, na medida em que a barriga vai aparecendo e a existência do bebê vai se tornando mais concreta, Leonardo se aproxima. Eles passam a fazer quase tudo juntos: visitas mensais ao ginecologista, compras de enxoval, escolha de móveis para o bebê. A convivência se torna mais e mais estreita, até o dia em que ele me diz que decidiu seguir os meus conselhos: vai se casar com Eva. Apesar de ter conseguido o que eu tanto pedi, é devastador quando se torna real. Passo três dias chorando escondida, imersa em autopiedade. Não demonstro a minha fraqueza, fingindo uma convicção que eu não tenho. O que me consola é que tudo tem um fim, então, com a dor, não há de ser diferente. Em algum momento, isso vai passar.
Eva tenta disfarçar a felicidade que a inunda por inteiro, preocupada com a minha reação ao casamento.
— Clarinha, eu quero dizer que você é a pessoa mais importante do mundo para mim. E a última coisa que eu quero é construir a minha felicidade em cima do seu sofrimento — fala, com os olhos cheios de emoção. Eu pego a sua mão, com carinho, para reforçar o que tenho para dizer.
— Você está grávida, vai ter um bebê e merece construir uma família para essa criança. O que eu tive com o Leo foi legal, mas foi só um casinho. Não chegamos nem a namorar para valer — solto, forçando uma risada.
— Não é verdade. Você estava apaixonada. Não é justo eu ficar com ele, se isso vai machucar você de alguma forma — afirma, com convicção, mostrando toda a sua lealdade.
— Você disse bem, Eva. Eu “era”. Não sou mais. Eu não estou machucada nem sofrendo; eu prometo para você. Pelo contrário, eu estou feliz — tento convencê-la, usando a minha melhor expressão.
Eva se dá por vencida e, para piorar a minha situação, pede que eu seja madrinha do casamento. Ela explica que, apesar de entender que é constrangedor para mim, não consegue se imaginar subindo ao altar sem a minha presença ao seu lado. Eu entendo o seu ponto de vista e os seus argumentos, afinal eu também não conseguiria. O laço que nos une é muito forte: uma conexão que transcende qualquer explicação lógica. É claro que aceito o convite e cedo ao seu pedido. Mesmo que isso me dilacere por dentro.
***
Chega o grande dia de Eva e Leonardo. Minha irmã está belíssima em um vestido off-white, repleto de cristais. Ela parece uma daquelas noivas das revistas de moda: uma Cinderela moderna e ainda mais deslumbrante do que a original.
Quando vejo Leonardo pronto, sinto o meu coração falhar algumas batidas. Ele está ainda mais lindo, se é que isso é possível. O cabelo foi penteado com gel, e o fraque preto abraça o seu corpo másculo. Parece um príncipe de contos de fadas, mas, no caso, eu não sou a princesa.
Muito bem maquiada e com um vestido de cor salmão, escolhido por Eva, pareço uma madrinha feliz. Sorrio para todos de maneira automática e repito frases-feitas, minuciosamente ensaiadas. O teatro inclui os meus pais, que insistem em saber se estou bem. Como venho fazendo desde o dia do jantar de aniversário, digo que estou ótima e muito feliz por Eva, reforçando que eu e Leonardo tivemos apenas um namorico. Eles parecem acreditar ou, pelo menos, também fingem que o fazem. É melhor para todo mundo.
Minha mãe está reluzente e emotiva. Tem pensado muito em Ellen e se perguntado como seria se ela estivesse aqui para ver a filha se casando. Toda vez que ela se lembra da amiga com saudade, sinto uma onda de culpa. A mesma sensação esmagadora de tantos anos atrás, quando me dei conta de que fui eu quem causou aquele acidente.
A música começa a tocar, e chega a minha hora de caminhar até o altar improvisado. Seguro forte no braço do meu amigo Cristiano, que é padrinho ao meu lado, tentando me concentrar em executar a tarefa que me cabe. A cada passo que dou em direção a Leonardo, maior é a sensação de que sou eu quem está dizendo “sim” para ele hoje. É muito esquisito, até mesmo perturbador. Estou trêmula, e meu coração b**e completamente descompassado. Quando alcanço o altar, preciso fazer força para me posicionar no canto – e não nos seus braços.
O coral começa a cantar “She”, de Charles Aznavour, uma das minhas canções prediletas e a música com a qual sempre sonhei em me casar. Eva entra, de braços dados com papai, parecendo flutuar. Ela irradia luz e atrai todos os olhares admirados. Lágrimas rolam pelo meu rosto, misturando tristeza e alegria, bagunçando sentimentos e sobrepondo sensações. É intenso, bonito e muito, muito doloroso.
***
Mais alguns meses se passam, e a barriga de Eva já está enorme. Falta muito pouco para o bebê nascer. As coisas ficaram um pouco mais fáceis depois do casamento, já que não moramos mais na mesma casa e não preciso vê-los juntos com tanta frequência.
Fui efetivada no trabalho e, agora, sou oficialmente contratada da revista Em Nome da Ciência. Ganhei até uma pequena coluna para chamar de minha e tenho me destacado com algumas reportagens especiais. Em breve, vou alugar o meu próprio apartamento e aprender a viver sozinha, administrando uma casa e assumindo, de uma vez por todas, as rédeas da minha vida.
Hoje, é a primeira vez que vou ter um encontro depois da minha relação com Leonardo. Jurei para mim mesma que vou estar inteira esta noite e dar uma chance para Gabriel. A gente se conhece há uns três meses, mas só agora vai sair junto. Trabalhamos no mesmo prédio, embora sejamos de empresas diferentes. Ele é um cara simpático, bonito, divertido, com quem tem sido bastante agradável conversar. É atencioso, gentil, cortês, sem ser exagerado nem pegajoso.
Escolho uma saia preta e uma blusa vinho, combinando com sapatos pretos e uma maquiagem básica. O meu cabelo está solto, e, para dar uma melhorada no visual, faço uma escova caseira. Marcamos de ir ao cinema e, depois, vamos jantar em um restaurante que eu adoro. Tem tudo para ser uma noite boa e, se Deus quiser, eu não vou pensar em Leo hoje.
Tudo corre muito bem: assistimos a um ótimo filme, bebemos um vinho delicioso e saboreamos um jantar de comer rezando. O papo corre natural e estamos, nitidamente, gostando da companhia um do outro. Quando chega a hora de ir embora, ele me convida para o seu apartamento e, embora eu não sinta uma real vontade de aceitar, digo que sim.
Chegando lá, bebemos mais uma taça de vinho e Gabriel se aproxima para me beijar pela primeira vez. O seu beijo é bom, carinhoso, correto. Mas não me causa nenhuma reação estimulante. Deixo as carícias seguirem um pouco mais, esperando que o meu corpo entre em ebulição. Mas, na verdade, a chama que me queima é muito contida e não causa nenhum estrago. Percebo que não vou conseguir ir até o fim; não agora. Então, despeço-me de maneira delicada e saio em direção à minha casa.
Desde o instante em que bato a porta, a minha primeira noite com Leo se repete mentalmente, recusando-se a ir embora da minha cabeça.
♦ Saímos juntos umas dez vezes desde o primeiro beijo. E, a cada encontro, tem sido mais difícil dizer adeus para Leonardo. Mas, hoje, não vou ter que me despedir; vou finalmente me entregar a esse sentimento avassalador. Estamos indo passar o fim de semana na serra: a primeira vez que viajamos juntos. Apesar de não sermos propriamente um casal e de a minha família ainda não o conhecer, conversei com os meus pais sobre como me sinto e eles, generosos como são, me deram esse voto de confiança.
Quando chegamos a Petrópolis, fico encantada com o hotel. É um lugar charmoso, aconchegante, acolhedor. Fazemos o check-in e seguimos para o nosso quarto. É amplo, com uma cama gigante e uma enorme varanda. No meio do lençol, há pétalas de rosas vermelhas. Em cima de uma das mesas de cabeceira, vejo uma garrafa de champagne e uma travessa de chocolates. Velas estão acesas em várias partes do recinto, deixando o ambiente ainda mais romântico. Fico abismada com o cuidado de Leonardo em cada detalhe; ele realmente pensou em tudo e não mediu esforços para fazer com que a nossa primeira vez juntos fosse especial.
Mal deposito a mala no chão e corro para beijá-lo. O beijo começa devagar, mas rapidamente se aprofunda. Começamos a explorar os nossos corpos com as mãos, ofegantes.
Abro a camisa que Leonardo veste e a arranco do seu corpo, deixando à mostra aquele peitoral definido. Começo a beijar a sua pele, descendo até a barriga e arrancando arrepios evidentes dos seus pelos. Ele me vira de costas, me abraça por trás e, enquanto beija o meu pescoço, se livra lentamente do meu vestido. Tiramos os sapatos e nos jogamos na cama, entrelaçados e sedentos.
Leonardo abre o meu sutiã, admira os meus seios e suga o meu mamilo, quase me levando à loucura. Depois, ele passa a língua devagar pelo meu corpo, descendo aos poucos até o cós da minha calcinha. Com as duas mãos firmes, ele arranca a minha peça íntima, deixando-me totalmente nua diante dos seus olhos. Estou exposta e entregue. Sem perder tempo, tiro a sua cueca e acaricio o seu membro, sem soltar a sua boca quente. Quero mergulhar no seu corpo e me desfazer no seu prazer.
Depois de colocar a camisinha, Leo me beija com profundidade e invade o meu corpo devagar, me preenchendo inteira. É forte, intenso e irresistível. Nós nos movimentamos em sincronia, perdendo-nos em sensações. Minha pele queima, e cada centímetro do meu ser clama por Leonardo. Sugo o seu sabor, aproveito cada toque, desmancho-me em seu deleite.
Quando o êxtase chega, sinto cada terminação nervosa do meu corpo explodindo em desejo e transformando-me em júbilo. É visceral e supera qualquer expectativa que eu possa ter tido. Fazer amor com alguém nunca foi parecido com isso. De certa forma, Leonardo acaba de levar essa experiência a um patamar inalcançável. O seu gozo acontece logo em seguida do meu e é selado por um beijo doce e apaixonado. Ficamos os dois abraçados, incapazes de falar e sem coragem de nos mexer. Apenas atados, misturados, integrados como se fôssemos feitos da mesma matéria. ♦
Lembrar essa noite ainda é muito duro. Principalmente porque sei que não posso revivê-la. Como conseguir transar com outro cara, de forma satisfatória, depois de Leonardo? É algo que, embora eu não saiba como fazer, vou ter de aprender. Na marra.
***
Estou na casa de Eva e Leonardo quando acontece: a bolsa dela estoura, e saímos correndo para o hospital. A internação e o parto ocorrem rápido e, quando dou por mim, ela dá à luz a um menino cheio de vida. João Pedro, meu sobrinho e afilhado, chega ao mundo com um grito potente e os cabelos ruivos da mãe. É um bebê forte, com olhos atentos e cheio de luz própria. Estou emocionada e, de certa forma, também me sinto um pouco mãe.
Nunca vou conseguir esquecer o rosto de Leo ao ver o filho pela primeira vez: uma mistura de contentamento com reverência. Sei que ele será um pai fantástico e atencioso, que ensinará valores corretos e estará sempre presente. Esse jeito protetor, que ele mostra pela primeira vez, faz com que o admire ainda mais. Em silêncio, claro.
2003Clara, 12 anos Na hora do jantar, papai diz que tem uma surpresa para nós. Ficamos ansiosas, querendo logo saber do que se trata. Ele faz suspense até a sobremesa, mas, enfim, revela o mistério: vamos passar as férias nos Estados Unidos. Damos gritinhos de comemoração e fazemos a nossa dancinha da vitória; estamos muito empolgadas. Mamãe conta que cabe a nós duas, eu e Eva, decidirmos a cidade que iremos visitar.Eu grito, na hora, que quero ir à Disney. É o meu sonho desde sempre e sou completamente apaixonada pelo universo de magia do lugar. Imagino as cores, os personagens, os brinquedos. Começo a sonhar acordada com a possibilidade de, enfim, pegar um avião para Orlando. Eva faz uma cara feia para a minha sugestão.— Disney, Clarinha? Isso é coisa de criança! A gente j&aacu
2014Clara, 23 anosEstou completamente apaixonada por João Pedro. Ele é um bebê sorridente e calmo, que encanta todos à sua volta. Quando o seguro nos braços, sinto uma imensidão invadir o meu peito, um sentimento imensurável tomar conta de mim. É puro, verdadeiro, transparente. Tiro um mês de férias e vou à casa de Eva quase todos os dias, depois que Leo sai para o trabalho. Passo a tarde com eles e ajudo em tudo o que posso: dou banho, coloco para arrotar, levo para pegar sol e seguro na hora das cólicas. Ela aproveita a minha presença para cochilar e se recompor. Não é fácil cuidar de um recém-nascido.Aos poucos, as coisas estão se encaixando e a vida vai voltando para o seu rumo. Embora ainda ame Leonardo, o meu sentimento está cada vez mais adormecido, domado, represado
2018Clara, 27 anos Eu e Eva estamos com 27 anos. É impressionante como os últimos anos voaram. Ao mesmo tempo que foi difícil administrar a minha paixão por Leonardo, recomeçar a vida e ajudar na criação do João Pedro, tenho a sensação de que passou rápido demais. Meu afilhado já tem quatro anos e esbanja esperteza. Ele é apaixonante, carinhoso, sagaz. Adoro levá-lo para passear e vê-lo sorrir enquanto nos divertimos juntos.Hoje, posso dizer, de boca cheia, que sou uma escritora, como sempre quis. Acabo de colocar o ponto final no meu segundo romance de ficção. Nem acredito que consegui terminar mais uma história e que, em breve, ela será lançada para o mundo. Tenho conciliado o meu trabalho na revista com a carreira na literatura. Estar na Em Nome da Ciência t
2005Clara, 14 anos Vamos a uma festa na casa do Paulo, um menino muito popular da escola. Estamos animadas e até compramos roupas novas. Eu vou com um vestido preto justinho, que tem pequenos detalhes em branco. É discreto, mas muito bonito. Eva, por sua vez, se apaixona por um conjunto de saia e blusa dourado: lindo, mas ousado e bastante chamativo. É a cara da minha irmã!Eva cisma que precisamos levar bebidas alcóolicas para parecermos descoladas. Ela quer começar a beber de qualquer maneira. Eu faço de tudo para tirar essa ideia estapafúrdia da cabeça dela, enumerando todas as coisas erradas que mexer com álcool pode ocasionar. A gente só tem quatorze anos e não tem por que querer apressar as coisas. Cada coisa na sua idade, no seu tempo certo. Mas claro que meu esforço é totalmente em vão.
2018Clara, 27 anosHoje, vou almoçar com Eva. Ela vai estar perto do meu trabalho, pois precisa comprar alguns suprimentos para a sua clínica de estética. Embora tenha cursado jornalismo comigo, a minha irmã nunca exerceu a profissão. Primeiro, foi só dona de casa e dedicou o seu tempo a JP. E, há aproximadamente dois anos, montou esse negócio, tendo como foco procedimentos de rejuvenescimento e embelezamento: botox, lifting, preenchimento, harmonização facial e vários outros tratamentos modernos. Ela, claro, se submete a todos eles. Continua vaidosa, produzida, solar. Atrai todos os olhares e desperta múltiplas atenções.Chego ao restaurante primeiro, escolho uma mesa e peço um suco enquanto espero. O tempo passa, e nada de Eva aparecer. Estranho a sua demora porque ela costuma ser pontual. Tento liga
2006Clara, 15 anosEra o primeiro ano do Ensino Médio, e, pela primeira vez, eu e Eva estávamos em turmas separadas na escola. No começo, foi difícil não a ter na minha sala, mas, depois, a distância me ajudou a fazer novas amizades. Quando estamos juntas, sem querer, fechamo-nos um pouco para as outras pessoas. É como se a gente se bastasse e não precisasse de mais ninguém por perto. Não é algo consciente e proposital, mas acaba acontecendo.Nos últimos meses, estou bastante próxima de Carolina, uma menina muito divertida e engraçada. Ela é bem-humorada, brincalhona e sempre tem uma piada na ponta da língua. Eu me sinto leve perto dela.Embora eu tente, não consigo fazer com que Carol e Eva se entrosem. Elas não parecem ter nada em comum. Vejo que se esforçam para fic
2018Clara, 27 anosPasso semanas me martirizando pelo que aconteceu com Leonardo e tentando evitá-lo dentro do apartamento. No começo, ele respeita o meu espaço e não insiste em falar comigo qualquer coisa que não diga respeito a JP. Mas, conforme os dias se passam, fica evidente que quer conversar. Ele me cerca, observa-me, olha-me em silêncio. Às vezes, começa algumas frases que não tem coragem de terminar. E, sinceramente, não quero que ele as termine. Tenho pavor do que vai dizer e mais medo ainda do que vou sentir ao ouvir as suas palavras.Depois de uma semana intensa na revista, finalmente chega sexta-feira à noite. Ao abrir a porta, encontro Leo e JP assistindo a um filme infantil. Quando me vê, João pula do sofá e corre na minha direção, dependurando-se no meu pescoço. Eu o encho d
2008Clara, 17 anosEstá chegando a hora de decidirmos o curso que vamos fazer na faculdade. Eu quero estudar Letras e já sei até quais as línguas selecionar: Português e Inglês. Amo literatura e quero muito mergulhar nesse universo com um olhar acadêmico. Além disso, se eu optar pela Licenciatura, posso virar professora e ensinar pessoas que, assim como eu, amam esse assunto. Acho linda a profissão; é edificante formar profissionais e prepará-los para o futuro. É algo que realmente combina comigo e com o grande sonho que quero realizar: ser uma bem-sucedida escritora de romances.Já comecei a preencher os formulários das universidades com a minha escolha e sinto uma grande empolgação tomar conta de mim enquanto informo os meus dados. A única questão é Eva, que não aceita