2002
Clara, 11 anos
Mamãe e papai decidiram que vão nos levar para um acampamento de férias. Estou bem animada, até porque é a primeira vez que a gente vai viajar em dois anos. Além de ficar em um local lindo, cheio de natureza, tem várias atrações legais: canoagem, trilhas e escorregador na lama. Tenho esperança de que Eva se esqueça um pouco da saudade dos pais e se divirta ao meu lado. E, claro, que eu consiga não pensar, pelo menos um pouquinho, na tristeza que causei.
Em todo o tempo que passou desde o acidente, não tem um dia em que não me sinta mal pelo que fiz. O pior é ver Eva chorando, com dificuldade até de dormir. Quase toda noite, ela aparece no meu quarto e se enfia debaixo das minhas cobertas. Ficamos abraçadas até pegarmos no sono de novo. Eu faço carinho em seus cabelos e penso baixinho que vou fazer tudo para que ela volte a ficar bem.
Chega o dia da viagem, e meus pais nos deixam no acampamento. Só que nada acontece como eu imaginei. Eva não consegue se entrosar com as outras crianças e fica circulando sozinha pelos espaços. Eu me dou bem com todo mundo, mas fico preocupada em dar atenção para a minha irmã, então, tento me dividir o máximo que posso.
Enquanto faço todas as atividades e me esbaldo nas diferentes brincadeiras, Eva não tem interesse em participar de nada. As poucas coisas que ela faz é porque eu praticamente a obrigo. Ela reclama da comida, incomoda-se com os insetos e estranha a cama. Tudo piora de vez quando acontece uma briga: minha irmã e Priscila, uma menina que está no nosso quarto, se atracam como dois moleques de rua. Não sei como isso começou, mas me esforço para tentar separá-las. Acabo levando socos, pontapés e unhadas, sem conseguir fazer com que parem de se bater. A confusão é enorme, assim como a gritaria. De repente, a diretora do acampamento aparece, junto com alguns instrutores, e elas são separadas na marra.
O clima fica horrível, e todo mundo passa a olhar torto para a gente. Eva está toda arrebentada e chora sem parar porque o rosto está marcado. Priscila não se mostra muito melhor: tem arranhões e marcas roxas por todos os lados.
Ligo para a minha mãe e conto o que está acontecendo. Peço que ela e papai venham buscar a gente o mais rápido possível, pois não tem mais como ficarmos aqui. É uma pena porque eu estava realmente adorando. Mas, agora, foi tudo por água abaixo ou, como meu pai sempre fala, “acabou-se o que era doce”. Preciso tirar a minha irmã desse lugar e acabar com a sua agonia. E é isso o que faço.
2013Clara, 22 anosJá faz quase um mês que terminei com Leo, e a sensação que tenho é que fica cada dia mais difícil. Estar longe dele é doloroso demais. Ele tem me procurado de maneira insistente, mas simplesmente ignoro todas as mensagens e ligações. Até no meu estágio ele apareceu, mas pedi que o mandassem embora. É muito triste dizer adeus a quem se ama e ver a pessoa sofrendo, sem poder fazer nada. Mas eu realmente não posso.Depois de uma tarde agitada no trabalho, entro em casa desejando um banho demorado e a cama. Logo de cara, encontro Eva cabisbaixa no sofá, pálida e com aparência de quem passou o dia chorando. Meu coração fica imediatamente apertado. Deixo as minhas coisas em cima da mesa e me sento ao seu lado com cuidado.— Por que essa carinha triste, Eva?
2003Clara, 12 anos Na hora do jantar, papai diz que tem uma surpresa para nós. Ficamos ansiosas, querendo logo saber do que se trata. Ele faz suspense até a sobremesa, mas, enfim, revela o mistério: vamos passar as férias nos Estados Unidos. Damos gritinhos de comemoração e fazemos a nossa dancinha da vitória; estamos muito empolgadas. Mamãe conta que cabe a nós duas, eu e Eva, decidirmos a cidade que iremos visitar.Eu grito, na hora, que quero ir à Disney. É o meu sonho desde sempre e sou completamente apaixonada pelo universo de magia do lugar. Imagino as cores, os personagens, os brinquedos. Começo a sonhar acordada com a possibilidade de, enfim, pegar um avião para Orlando. Eva faz uma cara feia para a minha sugestão.— Disney, Clarinha? Isso é coisa de criança! A gente j&aacu
2014Clara, 23 anosEstou completamente apaixonada por João Pedro. Ele é um bebê sorridente e calmo, que encanta todos à sua volta. Quando o seguro nos braços, sinto uma imensidão invadir o meu peito, um sentimento imensurável tomar conta de mim. É puro, verdadeiro, transparente. Tiro um mês de férias e vou à casa de Eva quase todos os dias, depois que Leo sai para o trabalho. Passo a tarde com eles e ajudo em tudo o que posso: dou banho, coloco para arrotar, levo para pegar sol e seguro na hora das cólicas. Ela aproveita a minha presença para cochilar e se recompor. Não é fácil cuidar de um recém-nascido.Aos poucos, as coisas estão se encaixando e a vida vai voltando para o seu rumo. Embora ainda ame Leonardo, o meu sentimento está cada vez mais adormecido, domado, represado
2018Clara, 27 anos Eu e Eva estamos com 27 anos. É impressionante como os últimos anos voaram. Ao mesmo tempo que foi difícil administrar a minha paixão por Leonardo, recomeçar a vida e ajudar na criação do João Pedro, tenho a sensação de que passou rápido demais. Meu afilhado já tem quatro anos e esbanja esperteza. Ele é apaixonante, carinhoso, sagaz. Adoro levá-lo para passear e vê-lo sorrir enquanto nos divertimos juntos.Hoje, posso dizer, de boca cheia, que sou uma escritora, como sempre quis. Acabo de colocar o ponto final no meu segundo romance de ficção. Nem acredito que consegui terminar mais uma história e que, em breve, ela será lançada para o mundo. Tenho conciliado o meu trabalho na revista com a carreira na literatura. Estar na Em Nome da Ciência t
2005Clara, 14 anos Vamos a uma festa na casa do Paulo, um menino muito popular da escola. Estamos animadas e até compramos roupas novas. Eu vou com um vestido preto justinho, que tem pequenos detalhes em branco. É discreto, mas muito bonito. Eva, por sua vez, se apaixona por um conjunto de saia e blusa dourado: lindo, mas ousado e bastante chamativo. É a cara da minha irmã!Eva cisma que precisamos levar bebidas alcóolicas para parecermos descoladas. Ela quer começar a beber de qualquer maneira. Eu faço de tudo para tirar essa ideia estapafúrdia da cabeça dela, enumerando todas as coisas erradas que mexer com álcool pode ocasionar. A gente só tem quatorze anos e não tem por que querer apressar as coisas. Cada coisa na sua idade, no seu tempo certo. Mas claro que meu esforço é totalmente em vão.
2018Clara, 27 anosHoje, vou almoçar com Eva. Ela vai estar perto do meu trabalho, pois precisa comprar alguns suprimentos para a sua clínica de estética. Embora tenha cursado jornalismo comigo, a minha irmã nunca exerceu a profissão. Primeiro, foi só dona de casa e dedicou o seu tempo a JP. E, há aproximadamente dois anos, montou esse negócio, tendo como foco procedimentos de rejuvenescimento e embelezamento: botox, lifting, preenchimento, harmonização facial e vários outros tratamentos modernos. Ela, claro, se submete a todos eles. Continua vaidosa, produzida, solar. Atrai todos os olhares e desperta múltiplas atenções.Chego ao restaurante primeiro, escolho uma mesa e peço um suco enquanto espero. O tempo passa, e nada de Eva aparecer. Estranho a sua demora porque ela costuma ser pontual. Tento liga
2006Clara, 15 anosEra o primeiro ano do Ensino Médio, e, pela primeira vez, eu e Eva estávamos em turmas separadas na escola. No começo, foi difícil não a ter na minha sala, mas, depois, a distância me ajudou a fazer novas amizades. Quando estamos juntas, sem querer, fechamo-nos um pouco para as outras pessoas. É como se a gente se bastasse e não precisasse de mais ninguém por perto. Não é algo consciente e proposital, mas acaba acontecendo.Nos últimos meses, estou bastante próxima de Carolina, uma menina muito divertida e engraçada. Ela é bem-humorada, brincalhona e sempre tem uma piada na ponta da língua. Eu me sinto leve perto dela.Embora eu tente, não consigo fazer com que Carol e Eva se entrosem. Elas não parecem ter nada em comum. Vejo que se esforçam para fic
2018Clara, 27 anosPasso semanas me martirizando pelo que aconteceu com Leonardo e tentando evitá-lo dentro do apartamento. No começo, ele respeita o meu espaço e não insiste em falar comigo qualquer coisa que não diga respeito a JP. Mas, conforme os dias se passam, fica evidente que quer conversar. Ele me cerca, observa-me, olha-me em silêncio. Às vezes, começa algumas frases que não tem coragem de terminar. E, sinceramente, não quero que ele as termine. Tenho pavor do que vai dizer e mais medo ainda do que vou sentir ao ouvir as suas palavras.Depois de uma semana intensa na revista, finalmente chega sexta-feira à noite. Ao abrir a porta, encontro Leo e JP assistindo a um filme infantil. Quando me vê, João pula do sofá e corre na minha direção, dependurando-se no meu pescoço. Eu o encho d