2013
Clara, 22 anos
Passo a noite praticamente em claro, tentando entender a minha nova realidade: Leo é a paixão obsessiva de Eva. Parece uma daquelas piadas de péssimo gosto, mas, infelizmente, não é.
Olho o meu celular, e tem dezenas de ligações perdidas de Leonardo e várias mensagens de texto e de voz. Começo a ler e a ouvir as palavras que ele deixou.
►“Clara, eu quero pedir desculpas. Para começar, por ter passado a noite com outra mulher. Eu estava muito bêbado e me arrependi amargamente. Nós não estamos namorando oficialmente, mas eu já sou completamente apaixonado por você. Não podia ter acontecido. E eu... eu nunca poderia imaginar que a Eva era a sua irmã. Parece um pesadelo.”
“Olha, eu sei que você está ferida e chateada, mas não se esquece de tudo o que a gente tem. Eu amo você, Clara. De todo o meu coração. Quero namorar você, construir uma vida inteira ao seu lado. Me liga, por favor.”
“Clara, não consigo falar com você. Não me deixa no escuro, meu amor. Preciso ouvir a sua voz. Estou ficando desesperado. Fala comigo ... eu imploro.” ◄
Continuo escutando as suas palavras, que vão ficando mais e mais aflitas. Sei que ele está sofrendo também e, de verdade, acredito em tudo o que me diz. Esse é o problema. É por isso que dói tanto.
Saio da cama, tomo um banho e tento me recompor. Vou ter de enfrentar Leonardo e, embora seja louca por ele, terei de tirá-lo da minha vida. Acho que essa será a tarefa mais difícil e deprimente que já precisei fazer.
Escolho uma roupa que reflete a minha tristeza, pego as minhas coisas e saio sem esbarrar em ninguém. É melhor assim.
***
Chego à casa de Leo com o coração acelerado e a boca seca. Vou romper a nossa relação e terminar, antes mesmo de começar, uma história que tinha potencial para ser linda. Toco a campainha, respiro fundo e me concentro no que vim fazer. Como perdeu os pais há quase dois anos, Leonardo tem um apartamento só para ele, o que nos dá a privacidade necessária para essa conversa derradeira.
O homem que abre a porta do apartamento não se parece com o meu Leonardo. Está com o cabelo desgrenhado e os olhos inchados. A roupa é uma mistura louca de estampas, como se tivessem sido escolhidas no escuro. Ele faz sinal para eu entrar, e, assim que dou o primeiro passo, vejo que a sala também reflete a confusão em que ele se encontra neste momento.
Ando em direção ao sofá, sento-me e puxo todo ar de que preciso para despedaçar os nossos corações.
— Leo, antes de mais nada, quero dizer que eu perdoo você. Não havia necessidade de dormir com outra pessoa, mas nós não estávamos namorando e, acredite, eu sei o quanto a Eva pode ser convincente quando deseja alguma coisa — explico, com cuidado, na intenção de que ele entenda que o problema não é esse. Vejo que o seu semblante se abre e que a sua boca quase esboça um sorriso. O meu discurso acaba de enchê-lo de esperança de que vai ficar tudo bem. Só que isso não pode — e não vai — acontecer.
— Clara, graças a Deus! Eu nem acredito no que está falando.
— Espera, Leo. Eu não terminei. Escuta tudo o que tenho a dizer antes de tirar qualquer conclusão, por favor — interrompo de maneira brusca, pois não quero iludi-lo.
— Tá. Tudo bem — ele concorda, um pouco menos animado.
— Se a questão fosse só essa, estaria tudo certo. Mas não é. Eva é a minha melhor amiga, a minha irmã de criação, a pessoa que eu mais amo no mundo. E ela está verdadeiramente apaixonada por você.
— Como, Clara? A gente nem se conhece. Além disso, até onde eu sei, VOCÊ também está apaixonada por mim, não tá? — ele questiona, sem conseguir disfarçar a insegurança.
— Claro que estou, Leonardo. Mas o que interessa, agora, não é como EU me sinto. Tenho que me preocupar com a Eva — revelo, sem entrar em detalhes. Antes que ele possa dizer qualquer coisa, eu continuo a minha triste missão. — Foi maravilhoso o que vivemos, mas a nossa relação termina aqui — sentencio, sem conseguir olhar nos olhos de Leo.
— Para com isso, Clarinha. Como vamos acabar algo tão lindo, que está só começando? Fora que eu não sinto nada pela Eva e, mesmo que você me deixe, não existe a menor possibilidade de eu ficar com ela — esclarece, um pouco exaltado.
— Leo, eu não posso te obrigar a ficar com ela. Mas também não posso me dar ao luxo de permanecer com você. A nossa história acabou ... para sempre — digo, com a voz embargada. Eu fico em pé e começo a caminhar em direção à saída. Sei que não posso ficar muito tempo aqui.
Leonardo avança para perto de mim, segura os meus cabelos e, sem nenhuma delicadeza, arranca um beijo urgente. Não consigo resistir ao toque dos seus lábios e ao calor da sua respiração.
Estamos exaltados, nervosos, desesperados. É um beijo tão profundo, tão visceral, que chega a causar dor. Tenho a sensação de que vou parar de respirar e, por instantes, desejo desfalecer nos braços do homem por quem sou apaixonada.
Enquanto estou perdida em língua, saliva, suor e lágrimas, a sensatez me atinge com força. Preciso me desvencilhar de Leo e sair por aquela porta para nunca mais voltar. Tenho de seguir o meu destino e honrar a promessa que fiz há tantos anos. Minha missão é fazer Eva feliz e não roubar a felicidade dela.
Tomo coragem e empurro Leonardo. Repito que a nossa relação acabou e reforço que não vou voltar atrás. Com pressa, eu mesma abro a porta e quase corro até o elevador. Leo me segue, mas, dessa vez, eu não cedo. Aperto o botão do térreo, aos prantos, sem coragem de olhar na direção em que ele está. Mesmo sem ver, sinto o seu olhar queimando a minha pele enquanto eu desapareço.
Ando pela rua, sem rumo, tentando fugir da dor que me acompanha. A minha cabeça viaja para o dia em que conheci Leonardo, quando tudo parecia mágico e possível.
♦ Entro na academia já cansada. Prometi para mim mesma que viria hoje e faria a série que o professor passou. Preciso me concentrar. Começo bem, andando um pouco na esteira e aquecendo o corpo. Depois, me dirijo aos aparelhos de musculação para começar os exercícios programados. Primeiro, faço o tal do leg-press, depois o abdutor e o adutor, seguindo para o peso livre. Na hora de escolher, me atrapalho inteira, tropeço e solto o halter da mão, que voa no chão e acerta o pé de um rapaz.
Fico desesperada e corro para acudir. Eu me abaixo para me desculpar e, quando o olho diretamente, fico ainda mais aturdida. Ele é simplesmente lindo: cabelos loiros lisos, olhos castanhos esverdeados e uma boca que parece ter sido desenhada à mão. E o corpo? Os braços são fortes, e, mesmo de roupa, consigo ver que o abdômen é definido. Ele também me encara com curiosidade e parece ter esquecido a dor por um instante. As pessoas ao nosso redor começam a falar e quebram a espécie de transe em que nos encontramos. Então, eu me levanto e tento me recompor. Ele fica de pé em seguida e estende a mão.
— Oi, meu nome é Leonardo. Apesar da pancada, é um prazer te conhecer — diz, rindo abertamente.
— Mais uma vez me desculpa, Leonardo. Eu sou a Clara. O prazer é todo meu — respondo, também sorrindo. — Você quer que eu te leve para uma emergência ortopédica para tirar um raio-X e ver se quebrou alguma coisa? — ofereço.
— Não tem necessidade. Foi só um susto e vai virar, no máximo, uma mancha roxa — garante.
Eu tento insistir um pouco mais, mas Leonardo muda o assunto e acaba me distraindo com a sua conversa. Não percebemos o tempo passar enquanto papeamos, e, quando me dou conta, já transcorreram quase duas horas. Nenhum de nós se moveu e muito menos malhou. Ficamos perdidos em assuntos diversos, rindo à toa, impressionados um com o outro. Percebo que já estou atrasada para os meus compromissos e digo que preciso ir embora. Fico com medo de que ele simplesmente se despeça, sem pedir o meu contato. E se nunca mais nos esbarrarmos? Mas o meu receio, graças a Deus, mostra-se infundado. Leonardo me olha de forma sugestiva e, com ar brincalhão, diz:
— Eu não aceitei ir para o hospital nem fazer radiografia, mas você já tem duas dívidas comigo. Primeiro, quase me aleijou e, em seguida, não me deixou treinar. Acho que o mínimo que mereço, depois disso tudo, é que você tome um chopp comigo mais tarde — sugere, já pegando o celular para anotar o meu número. Eu fico um pouco tímida, mas estou muito interessada e, claro, aceito a proposta. Trocamos telefones e combinamos de nos encontrar em um barzinho bem movimentado e próximo à minha casa – que eu escolho, por segurança.
Já de noite, eu me arrumo toda e sigo para o local, ansiosa. Chegando lá, avisto Leonardo sentado em uma mesa, compenetrado no cardápio. Eu me aproximo, dou um beijo no seu rosto e me sento ao seu lado. A noite passa em um piscar de olhos. Falamos sobre tudo e percebemos milhares de pequenas afinidades. Rimos muito, comemos, bebemos e, claro, nos olhamos. O clima entre nós é tão real que poderia ser cortado por uma faca. É latente e muito natural.
No fim da noite, tento rachar a conta, mas Leonardo faz questão de pagar sozinho, dizendo que a despesa será minha no próximo encontro. Eu digo que sim só para ter certeza de que sairemos outra vez. Depois, ele me acompanha até a portaria do meu prédio e, na hora da despedida, me dá um beijo no canto da boca, como se quisesse testar o terreno. Eu assinto com um sorriso e Leo segue em frente com o carinho, grudando os seus lábios nos meus. Quando as nossas bocas se encontram, elas se entendem de imediato. É como se tivessem sido feitas uma para a outra, fazendo um encaixe absolutamente perfeito. Eu me sinto como se estivesse flutuando, sem conseguir sentir os meus pés no chão. Nunca um primeiro beijo foi tão intenso e despertou em mim sentimentos tão fortes. Vou embora sorrindo, sonhando acordada, parecendo uma menina de 15 anos de idade. ♦
A lembrança do dia em que nos conhecemos me faz chorar ainda mais. Sei que pareço uma louca no meio da rua, completamente descontrolada e descompensada. Percebo as pessoas me olhando, mas estou tão arrasada que não consigo me importar. Continuo andando sem direção, tentando aplacar a angústia do meu peito. Preciso me recuperar antes de voltar para casa. Tenho que parecer inteira para Eva.
2002Clara, 11 anos Mamãe e papai decidiram que vão nos levar para um acampamento de férias. Estou bem animada, até porque é a primeira vez que a gente vai viajar em dois anos. Além de ficar em um local lindo, cheio de natureza, tem várias atrações legais: canoagem, trilhas e escorregador na lama. Tenho esperança de que Eva se esqueça um pouco da saudade dos pais e se divirta ao meu lado. E, claro, que eu consiga não pensar, pelo menos um pouquinho, na tristeza que causei.Em todo o tempo que passou desde o acidente, não tem um dia em que não me sinta mal pelo que fiz. O pior é ver Eva chorando, com dificuldade at&eacut
2013Clara, 22 anosJá faz quase um mês que terminei com Leo, e a sensação que tenho é que fica cada dia mais difícil. Estar longe dele é doloroso demais. Ele tem me procurado de maneira insistente, mas simplesmente ignoro todas as mensagens e ligações. Até no meu estágio ele apareceu, mas pedi que o mandassem embora. É muito triste dizer adeus a quem se ama e ver a pessoa sofrendo, sem poder fazer nada. Mas eu realmente não posso.Depois de uma tarde agitada no trabalho, entro em casa desejando um banho demorado e a cama. Logo de cara, encontro Eva cabisbaixa no sofá, pálida e com aparência de quem passou o dia chorando. Meu coração fica imediatamente apertado. Deixo as minhas coisas em cima da mesa e me sento ao seu lado com cuidado.— Por que essa carinha triste, Eva?
2003Clara, 12 anos Na hora do jantar, papai diz que tem uma surpresa para nós. Ficamos ansiosas, querendo logo saber do que se trata. Ele faz suspense até a sobremesa, mas, enfim, revela o mistério: vamos passar as férias nos Estados Unidos. Damos gritinhos de comemoração e fazemos a nossa dancinha da vitória; estamos muito empolgadas. Mamãe conta que cabe a nós duas, eu e Eva, decidirmos a cidade que iremos visitar.Eu grito, na hora, que quero ir à Disney. É o meu sonho desde sempre e sou completamente apaixonada pelo universo de magia do lugar. Imagino as cores, os personagens, os brinquedos. Começo a sonhar acordada com a possibilidade de, enfim, pegar um avião para Orlando. Eva faz uma cara feia para a minha sugestão.— Disney, Clarinha? Isso é coisa de criança! A gente j&aacu
2014Clara, 23 anosEstou completamente apaixonada por João Pedro. Ele é um bebê sorridente e calmo, que encanta todos à sua volta. Quando o seguro nos braços, sinto uma imensidão invadir o meu peito, um sentimento imensurável tomar conta de mim. É puro, verdadeiro, transparente. Tiro um mês de férias e vou à casa de Eva quase todos os dias, depois que Leo sai para o trabalho. Passo a tarde com eles e ajudo em tudo o que posso: dou banho, coloco para arrotar, levo para pegar sol e seguro na hora das cólicas. Ela aproveita a minha presença para cochilar e se recompor. Não é fácil cuidar de um recém-nascido.Aos poucos, as coisas estão se encaixando e a vida vai voltando para o seu rumo. Embora ainda ame Leonardo, o meu sentimento está cada vez mais adormecido, domado, represado
2018Clara, 27 anos Eu e Eva estamos com 27 anos. É impressionante como os últimos anos voaram. Ao mesmo tempo que foi difícil administrar a minha paixão por Leonardo, recomeçar a vida e ajudar na criação do João Pedro, tenho a sensação de que passou rápido demais. Meu afilhado já tem quatro anos e esbanja esperteza. Ele é apaixonante, carinhoso, sagaz. Adoro levá-lo para passear e vê-lo sorrir enquanto nos divertimos juntos.Hoje, posso dizer, de boca cheia, que sou uma escritora, como sempre quis. Acabo de colocar o ponto final no meu segundo romance de ficção. Nem acredito que consegui terminar mais uma história e que, em breve, ela será lançada para o mundo. Tenho conciliado o meu trabalho na revista com a carreira na literatura. Estar na Em Nome da Ciência t
2005Clara, 14 anos Vamos a uma festa na casa do Paulo, um menino muito popular da escola. Estamos animadas e até compramos roupas novas. Eu vou com um vestido preto justinho, que tem pequenos detalhes em branco. É discreto, mas muito bonito. Eva, por sua vez, se apaixona por um conjunto de saia e blusa dourado: lindo, mas ousado e bastante chamativo. É a cara da minha irmã!Eva cisma que precisamos levar bebidas alcóolicas para parecermos descoladas. Ela quer começar a beber de qualquer maneira. Eu faço de tudo para tirar essa ideia estapafúrdia da cabeça dela, enumerando todas as coisas erradas que mexer com álcool pode ocasionar. A gente só tem quatorze anos e não tem por que querer apressar as coisas. Cada coisa na sua idade, no seu tempo certo. Mas claro que meu esforço é totalmente em vão.
2018Clara, 27 anosHoje, vou almoçar com Eva. Ela vai estar perto do meu trabalho, pois precisa comprar alguns suprimentos para a sua clínica de estética. Embora tenha cursado jornalismo comigo, a minha irmã nunca exerceu a profissão. Primeiro, foi só dona de casa e dedicou o seu tempo a JP. E, há aproximadamente dois anos, montou esse negócio, tendo como foco procedimentos de rejuvenescimento e embelezamento: botox, lifting, preenchimento, harmonização facial e vários outros tratamentos modernos. Ela, claro, se submete a todos eles. Continua vaidosa, produzida, solar. Atrai todos os olhares e desperta múltiplas atenções.Chego ao restaurante primeiro, escolho uma mesa e peço um suco enquanto espero. O tempo passa, e nada de Eva aparecer. Estranho a sua demora porque ela costuma ser pontual. Tento liga
2006Clara, 15 anosEra o primeiro ano do Ensino Médio, e, pela primeira vez, eu e Eva estávamos em turmas separadas na escola. No começo, foi difícil não a ter na minha sala, mas, depois, a distância me ajudou a fazer novas amizades. Quando estamos juntas, sem querer, fechamo-nos um pouco para as outras pessoas. É como se a gente se bastasse e não precisasse de mais ninguém por perto. Não é algo consciente e proposital, mas acaba acontecendo.Nos últimos meses, estou bastante próxima de Carolina, uma menina muito divertida e engraçada. Ela é bem-humorada, brincalhona e sempre tem uma piada na ponta da língua. Eu me sinto leve perto dela.Embora eu tente, não consigo fazer com que Carol e Eva se entrosem. Elas não parecem ter nada em comum. Vejo que se esforçam para fic