2018
Clara, 27 anos
Estou chocada demais para fazer qualquer outra coisa e, de repente, tenho sede de mais informações. Preciso continuar lendo esse diário horroroso. Quantas vezes eu fui feita de palhaça? O que mais era mentira? Eu preciso descobrir!
[ 2008 ]
Já faz um tempão que tento convencer Clara a desistir de cursar Letras. Quem faz isso hoje em dia? É uma escolha ultrapassada, que não traz nenhum futuro. Ela vai ser o quê? Professora? Será que ela não tem noção de como professores são desvalorizados no Brasil? Além de ganharem uma miséria, são obrigados a aguentar um bando de delinquentes. Ninguém merece!
Jornalismo é muito mais glamouroso. A gente pode ser famosa. Ou melhor, eu posso entrar para a
2018Clara, 27 anosChego ao hospital com uma enorme pressão no peito e a respiração entrecortada. Minha boca está seca e vejo, no espelho do elevador, que as minhas pupilas estão dilatadas. O meu corpo inteiro treme, e os meus passos são pesados, como se qualquer movimento exigisse muito de mim. As pessoas ficam me encarando enquanto caminho pelos corredores, então, devo estar externando a angústia que me consome por dentro.Entro no quarto de Eva, mas, diferentemente de todas as outras visitas, eu não sinto compaixão por ela. Ardo em raiva e transbordo ressentimento. Tenho vontade de voar em seu pescoço e causar dor física. Tenho estímulos violentos e preciso me concentrar para que a ira não me domine. Eu me aproximo bem do seu corpo inerte e começo a dizer tudo o que me vem à cabeça, de
2018Clara, 27 anosOs dias passam, e começo, bem aos pouquinhos, a colocar a minha cabeça no lugar. Preciso aceitar que vivi uma história forjada, repleta de manipulações e inverdades. Mais do que isso, tenho de aprender a reconstruir a minha vida, seguir em frente, fazendo um futuro totalmente diferente para mim.Penso muito em Leonardo e em como fomos enganados por tanto tempo. Pela primeira vez em cinco anos, posso admitir para mim mesma, sem nenhum remorso, que eu o amo. Eu mereço ser feliz e fazer escolhas que coloquem o meu bem-estar em primeiro lugar. É hora de pensar em mim e de ser a minha própria prioridade. Não é fácil, pois passei vinte anos aprendendo a calar as minhas vontades e a retrair as minhas opiniões. Em duas décadas, eu nunca dei voz às minhas necessidades nem ouvi o meu coraç&ati
2018Clara, 27 anos Entro em casa, cansada da viagem, e vou direto tomar um banho. Amanhã mesmo volto à revista e envio o primeiro esboço do livro para a editora. Mas, hoje, preciso limpar a minha casa e a minha vida das sombras de Eva.Desfaço as malas, coloco a roupa para lavar e dou um jeito no apartamento. Procuro as caixas em que guardo recordações e tiro delas todas as lembranças que tenho da nossa convivência: cartinhas, bilhetes, fotos, colagens e uma série de bugigangas que, para mim, tinham muito valor. Não quero mais nada disso, pois é tudo ilusão, mentira, farsa. Chega de viver uma relação unilateral e de valorizar uma pessoa que, na verdade, me odeia. Arranco as nossas fotos juntas dos painéis e tiro da parede um quadro de quando tínhamos 15 anos. Estou, literalmente, exorcizando Eva
2018Clara, 27 anos Ainda estou com as chaves do apartamento de Eva e Leonardo, então entro sem tocar a campainha. Quero pegá-la desprevenida e não dar tempo para que se arme ainda mais.Abro a porta devagar, tentando não fazer barulho. A sala está vazia, mas escuto uma cantoria baixa, com alguns assobios, vindo do quarto de casal. Fico imediatamente irritada por flagrá-la feliz, enquanto eu estou inundada em ressentimento e decepção. Mas o que eu podia esperar?Respiro fundo e vou em direção à minha irmã. Quando chego à entrada do quarto, avisto Eva de pé, dançando sozinha pelo cômodo. A raiva me domina ao ver a sua alegria e tenho o ímpeto de voar em seu pescoço e resolver, de forma física, tudo aquilo que estou segurando em meu peito.Eva está tã
2018Clara, 27 anosJá faz um dia e meio que não tenho notícias de Leo. A única coisa que sei é que ele saiu de casa porque Eva foi cara de pau o suficiente para me enviar uma mensagem desaforada. Ela teve o desplante de dizer que eu estou destruindo a vida do João Pedro. Só que, dessa vez, não vou me deixar dominar pela culpa. Eu sei que apenas fiz o que era certo; não havia outra alternativa.Apesar de estar em paz com a minha decisão, sinto-me aflita pelo que vai acontecer daqui em diante. Tenho medo de como Leonardo vai agir, e o sumiço dele só tem contribuído para aumentar essa angústia.Tento me concentrar no trabalho para não enlouquecer. Aproveito para me inteirar de tudo o que aconteceu na minha ausência e para começar a produzir novas colunas para a revista. Envio o rascunh
2019Clara, 28 anosFaz oito meses que eu e Leonardo somos um casal; seis meses que conseguimos a guarda compartilhada de JP; quatro meses que o divórcio de Leo saiu; e três meses que temos uma casa para chamar de nossa. Nossa, sim, porque agora compramos um apartamento juntos. É maior e tem a nossa cara. Tudo foi escolhido em conjunto, e cada pequeno detalhe tem a marca do nosso amor. Além disso, realizei o sonho de morar em um lugar projetado pelo Leo, o melhor arquiteto que conheço. O espaço ficou clean e aconchegante, com conforto, praticidade e beleza. É uma cobertura linear, então temos um espaço fantástico ao ar livre, com churrasqueira, piscina e até uma pequena sauna. No nosso quarto, há uma banheira de ofurô, que é um dos meus locais favoritos do apartamento. É lá que relaxo depois de um dia exa
2021Eva, 30 anosVolto de um passeio magnífico na Grand Place, em Bruxelas. Já faz mais de dois anos que moro em Londres, e é muito bom poder circular pelos países da Europa com tanta facilidade. A única coisa chata é a epidemia do novo coronavírus, que tem feito com que todo mundo fique trancado em casa, com várias etapas de lockdown. Mas estamos vivendo um período mais tranquilo, com queda de contaminações e de mortes. Muita gente já foi vacinada por aqui, o que está garantindo mais flexibilidade. É maravilhoso poder ir e vir, mudar de lugar com frequência e abraçar o mundo.A melhor coisa que me aconteceu foi ter conhecido John. Ele é gato, gostoso e completamente alucinado por mim. Faz todas as minhas vontades, paga todas as minhas extravagâncias e me dá uma vida de rainha
1991BiancaEstou a caminho do hospital e, estranhamente, me sinto calma. Achei que fosse enlouquecer quando a bolsa estourasse, mas, de alguma maneira, estou inundada pela paz. Não posso dizer o mesmo do meu marido. Roberto está eufórico e absolutamente histérico. Não sabe o que faz, o que fala e, principalmente, onde põe as mãos. Chega a ser bonitinho vê-lo assim; parece um menino assustado. Nem acredito que o grande dia chegou e que, em pouco tempo, terei a minha menina nos braços. Sei que tudo vai mudar a partir de agora e fico grata por isso.Quando chego ao hospital, o meu obstetra me examina e constata que já estou com 10 cm de dilatação. As contrações estão cada vez mais próximas e doloridas. Já na sala de parto, sinto que a minha bebê está pronta para estrear no