1991
Bianca
Estou a caminho do hospital e, estranhamente, me sinto calma. Achei que fosse enlouquecer quando a bolsa estourasse, mas, de alguma maneira, estou inundada pela paz. Não posso dizer o mesmo do meu marido. Roberto está eufórico e absolutamente histérico. Não sabe o que faz, o que fala e, principalmente, onde põe as mãos. Chega a ser bonitinho vê-lo assim; parece um menino assustado. Nem acredito que o grande dia chegou e que, em pouco tempo, terei a minha menina nos braços. Sei que tudo vai mudar a partir de agora e fico grata por isso.
Quando chego ao hospital, o meu obstetra me examina e constata que já estou com 10 cm de dilatação. As contrações estão cada vez mais próximas e doloridas. Já na sala de parto, sinto que a minha bebê está pronta para estrear no mundo e, após forçar algumas vezes, percebo o seu corpo pequeno deslizando para fora de mim, avançando em direção à luz e mergulhando de cabeça em sua nova e empolgante jornada.
É a sensação mais mágica que já pude experimentar. A dor vai embora de maneira abrupta e dá lugar a um sentimento avassalador: o amor de mãe. Roberto está com o rosto coberto de lágrimas, extremamente emocionado e enternecido. Ficamos os três abraçados, em silêncio, reverenciando esse momento tão sublime.
Minha filha Clara é exatamente da maneira que a imaginei: linda, expressiva e, como o seu nome indica, luminosa. Já ostenta uma vasta cabeleira negra, com fios bem lisinhos, que contrasta com a sua pele branca. E o que falar dos olhos? São negros como a noite, mas repletos de um brilho muito próprio, uma luz que prende a atenção e encanta à primeira vista. Dizem que olhos de recém-nascidos mudam muito, mas eu duvido que os dela irão se modificar.
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Quando as coisas ficam mais calmas, peço para Roberto ligar para os meus pais e para Ellen, minha melhor amiga, que também está prestes a ter a sua bebê. Infelizmente, os meus sogros não são mais vivos, então a minha menininha só terá os avós maternos.
Meu marido desliga o telefone com um sorriso surpreso no rosto e me conta que a minha fiel escudeira acaba de entrar em trabalho de parto. Mal posso acreditar que a filhinha de Ellen nascerá no mesmo dia de Clara, como se fossem irmãs gêmeas de mães diferentes! Mas é assim mesmo que as imagino: juntas, ligadas, unidas para sempre. Quero que façam companhia uma para outra, dividam dores, compartilhem alegrias e, o principal, que se amem de forma incondicional. Já consigo visualizar as duas garotinhas correndo, sorridentes e elétricas, confidentes e parceiras.
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Meus pais chegam ao hospital extasiados. Minha mãe chora, e o meu pai tenta permanecer controlado enquanto se depara com a pequena Clara. É uma cena muito emocionante, que enche o meu coração de alegria. Eles também aproveitam para visitar Ellen e a sua bebê, já que estamos na mesma maternidade e só a alguns quartos de distância uma da outra.
Recebo flores, presentes e várias outras surpresas de amigos queridos. Todo mundo quer comemorar a chegada da nossa princesa, enchendo-a de mimos e agrados. No dia seguinte aos nascimentos, já estou caminhando pelos corredores e, volta e meia, indo ao quarto de Ellen para bajular a minha sobrinha do coração. Eva é uma graça: ruivinha, com pequenas sardas e os olhos levemente acinzentados. Ela já é uma espécie de segunda filha para mim, assim como a sua mãe é a irmã que eu não tive de maneira biológica; a família que escolhi para estar ao meu lado. É muito mágico que nós duas tenhamos dado à luz no mesmo dia; chega a ser um milagre.
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Os primeiros meses passam em um piscar de olhos. Ficamos perdidos em mamadas, fraldas e muitas noites sem dormir. Mas todo o cansaço é compensado pelos sorrisos da Clarinha, que são capazes de derreter até os corações mais frios. Aliás, o barulho das suas gargalhadas já é o meu som preferido em todo o mundo; ele me acalma, me acalenta e me alegra demais. Minha filha é o maior presente que já pude ganhar.
É maravilhoso viver este momento ao lado da minha melhor amiga e dividir com ela as conquistas diárias das bebês. Fazemos tudo para que elas fiquem sempre juntas: damos banhos comunitários, levamos ao parquinho no mesmo horário e até deixamos que dividam o bercinho. Estimulamos essa irmandade que, mesmo sem origem genética, é visceral.
Não sinto a necessidade de ter um segundo filho porque sei, no fundo da minha alma, que a minha menina nunca será sozinha. Ela e Eva sempre estarão juntas e de mãos dadas para atravessar a jornada da vida. E isso me enche de paz.
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Hoje, é o aniversário de dois anos da duplinha, e, como no ano passado, vamos fazer uma festinha conjunta. Eu e Ellen decidimos que sempre comemoraremos a data das meninas em comunhão, afinal, elas são tão agarradas que até parecem uma só. O mais curioso é que, apesar de todo o grude que as une, elas são muito diferentes, tanto do ponto de vista físico quanto no que diz respeito à personalidade.
Mesmo sendo tão pequeninas, já fica claro como possuem temperamentos divergentes. Enquanto a minha Clara é tímida e muito meiga, Eva é aquela criança que gosta de plateia e vibra com os aplausos. Ela sempre está prestando atenção nos outros e nos efeitos que as suas gracinhas causam. Para Clara, qualquer roupinha está boa e toda comida é gostosa. Já Eva escolhe cada peça e alimento com convicção e, quando cisma com algo, ninguém consegue convencê-la do contrário.
Visualmente, as meninas também são puro contraste. Clara tem uma beleza que marca: cabelos pretos e brilhantes, muito lisos e com uma linda franja; olhos negros repletos de luz; e uma risada que ilumina todo o ambiente. Eva, por sua vez, é dona de cabelos ruivos, levemente ondulados; olhos lindos, meio cinzentos; e um sorriso que nunca mostra os dentes. É como se ela apenas sugerisse que está sorrindo, sem realmente fazê-lo.
De certa forma, as duas meninas se completam. É lindo de ver como se ajudam e o quanto se amam. Vai muito além de qualquer laço sanguíneo, e tenho certeza de que será por toda a vida.
2013Clara, 22 anos É o meu aniversário de 22 anos. E, como acontece desde que nasci, vou comemorar junto com Eva: minha melhor amiga e minha irmã do coração. Nossas mães eram muito amigas e tiveram a gente no exato mesmo dia. Desde então, somos uma dupla inseparável: um time no qual ninguém ousa mexer.Fazemos quase tudo juntas, desde caminhadas para nos exercitar, passando por idas ao shopping para comprar roupas até, claro, saídas noturnas para nos divertir. Em casa, também fazemos companhia uma para a outra, dividindo tarefas domésticas e assistindo aos mesmos programas na TV. Eu sou melhor na cozinha, mas ninguém supera Eva na limpeza. Então, usamos os nossos talentos particulares para ajudar meus pais a cuidar do apartamento e damos muitas risadas no processo. Estar com a minha irmã &eacut
2000Clara, 9 anos Estou muito empolgada com o programa que vamos fazer hoje. É muito bom sair com os pais da Eva: eles são engraçados e muito divertidos. Sempre quis ir a Grumari. Minhas amigas da escola comentam que a praia é linda e deserta, igual às dos filmes que passam à tarde na televisão. Eu me sinto em uma aventura e estou louca para brincar muito naquelas areias branquinhas.Passamos o tempo mergulhando, correndo e fazendo castelos. Comemos uma comida muito gostosa, e a tia Ellen compra sorvetes de chocolate como sobremesa. Já são cinco horas da tarde, e estou cansada, mas não quero que o dia acabe.Recolhemos as nossas coisas, entramos no carro e seguimos em direção à minha casa. No caminho, eu me lembro do Mirante que todo mundo fala, que fica no Leblon. Nunca fui lá antes. O Sol já
2013Clara, 22 anos Passo a noite praticamente em claro, tentando entender a minha nova realidade: Leo é a paixão obsessiva de Eva. Parece uma daquelas piadas de péssimo gosto, mas, infelizmente, não é.Olho o meu celular, e tem dezenas de ligações perdidas de Leonardo e várias mensagens de texto e de voz. Começo a ler e a ouvir as palavras que ele deixou.►“Clara, eu quero pedir desculpas. Para começar, por ter passado a noite com outra mulher. Eu estava muito bêbado e me arrependi amargamente. Nós não estamos namorando oficialmente, mas eu já sou completamente apaixonado por você. Não podia ter acontecido. E eu... eu nunca poderia imaginar que a Eva era a sua irmã. Parece um pesadelo.” “Olha, eu sei que você está fer
2002Clara, 11 anos Mamãe e papai decidiram que vão nos levar para um acampamento de férias. Estou bem animada, até porque é a primeira vez que a gente vai viajar em dois anos. Além de ficar em um local lindo, cheio de natureza, tem várias atrações legais: canoagem, trilhas e escorregador na lama. Tenho esperança de que Eva se esqueça um pouco da saudade dos pais e se divirta ao meu lado. E, claro, que eu consiga não pensar, pelo menos um pouquinho, na tristeza que causei.Em todo o tempo que passou desde o acidente, não tem um dia em que não me sinta mal pelo que fiz. O pior é ver Eva chorando, com dificuldade at&eacut
2013Clara, 22 anosJá faz quase um mês que terminei com Leo, e a sensação que tenho é que fica cada dia mais difícil. Estar longe dele é doloroso demais. Ele tem me procurado de maneira insistente, mas simplesmente ignoro todas as mensagens e ligações. Até no meu estágio ele apareceu, mas pedi que o mandassem embora. É muito triste dizer adeus a quem se ama e ver a pessoa sofrendo, sem poder fazer nada. Mas eu realmente não posso.Depois de uma tarde agitada no trabalho, entro em casa desejando um banho demorado e a cama. Logo de cara, encontro Eva cabisbaixa no sofá, pálida e com aparência de quem passou o dia chorando. Meu coração fica imediatamente apertado. Deixo as minhas coisas em cima da mesa e me sento ao seu lado com cuidado.— Por que essa carinha triste, Eva?
2003Clara, 12 anos Na hora do jantar, papai diz que tem uma surpresa para nós. Ficamos ansiosas, querendo logo saber do que se trata. Ele faz suspense até a sobremesa, mas, enfim, revela o mistério: vamos passar as férias nos Estados Unidos. Damos gritinhos de comemoração e fazemos a nossa dancinha da vitória; estamos muito empolgadas. Mamãe conta que cabe a nós duas, eu e Eva, decidirmos a cidade que iremos visitar.Eu grito, na hora, que quero ir à Disney. É o meu sonho desde sempre e sou completamente apaixonada pelo universo de magia do lugar. Imagino as cores, os personagens, os brinquedos. Começo a sonhar acordada com a possibilidade de, enfim, pegar um avião para Orlando. Eva faz uma cara feia para a minha sugestão.— Disney, Clarinha? Isso é coisa de criança! A gente j&aacu
2014Clara, 23 anosEstou completamente apaixonada por João Pedro. Ele é um bebê sorridente e calmo, que encanta todos à sua volta. Quando o seguro nos braços, sinto uma imensidão invadir o meu peito, um sentimento imensurável tomar conta de mim. É puro, verdadeiro, transparente. Tiro um mês de férias e vou à casa de Eva quase todos os dias, depois que Leo sai para o trabalho. Passo a tarde com eles e ajudo em tudo o que posso: dou banho, coloco para arrotar, levo para pegar sol e seguro na hora das cólicas. Ela aproveita a minha presença para cochilar e se recompor. Não é fácil cuidar de um recém-nascido.Aos poucos, as coisas estão se encaixando e a vida vai voltando para o seu rumo. Embora ainda ame Leonardo, o meu sentimento está cada vez mais adormecido, domado, represado
2018Clara, 27 anos Eu e Eva estamos com 27 anos. É impressionante como os últimos anos voaram. Ao mesmo tempo que foi difícil administrar a minha paixão por Leonardo, recomeçar a vida e ajudar na criação do João Pedro, tenho a sensação de que passou rápido demais. Meu afilhado já tem quatro anos e esbanja esperteza. Ele é apaixonante, carinhoso, sagaz. Adoro levá-lo para passear e vê-lo sorrir enquanto nos divertimos juntos.Hoje, posso dizer, de boca cheia, que sou uma escritora, como sempre quis. Acabo de colocar o ponto final no meu segundo romance de ficção. Nem acredito que consegui terminar mais uma história e que, em breve, ela será lançada para o mundo. Tenho conciliado o meu trabalho na revista com a carreira na literatura. Estar na Em Nome da Ciência t