2005
Clara, 14 anos
Vamos a uma festa na casa do Paulo, um menino muito popular da escola. Estamos animadas e até compramos roupas novas. Eu vou com um vestido preto justinho, que tem pequenos detalhes em branco. É discreto, mas muito bonito. Eva, por sua vez, se apaixona por um conjunto de saia e blusa dourado: lindo, mas ousado e bastante chamativo. É a cara da minha irmã!
Eva cisma que precisamos levar bebidas alcóolicas para parecermos descoladas. Ela quer começar a beber de qualquer maneira. Eu faço de tudo para tirar essa ideia estapafúrdia da cabeça dela, enumerando todas as coisas erradas que mexer com álcool pode ocasionar. A gente só tem quatorze anos e não tem por que querer apressar as coisas. Cada coisa na sua idade, no seu tempo certo. Mas claro que meu esforço é totalmente em vão.
2018Clara, 27 anosHoje, vou almoçar com Eva. Ela vai estar perto do meu trabalho, pois precisa comprar alguns suprimentos para a sua clínica de estética. Embora tenha cursado jornalismo comigo, a minha irmã nunca exerceu a profissão. Primeiro, foi só dona de casa e dedicou o seu tempo a JP. E, há aproximadamente dois anos, montou esse negócio, tendo como foco procedimentos de rejuvenescimento e embelezamento: botox, lifting, preenchimento, harmonização facial e vários outros tratamentos modernos. Ela, claro, se submete a todos eles. Continua vaidosa, produzida, solar. Atrai todos os olhares e desperta múltiplas atenções.Chego ao restaurante primeiro, escolho uma mesa e peço um suco enquanto espero. O tempo passa, e nada de Eva aparecer. Estranho a sua demora porque ela costuma ser pontual. Tento liga
2006Clara, 15 anosEra o primeiro ano do Ensino Médio, e, pela primeira vez, eu e Eva estávamos em turmas separadas na escola. No começo, foi difícil não a ter na minha sala, mas, depois, a distância me ajudou a fazer novas amizades. Quando estamos juntas, sem querer, fechamo-nos um pouco para as outras pessoas. É como se a gente se bastasse e não precisasse de mais ninguém por perto. Não é algo consciente e proposital, mas acaba acontecendo.Nos últimos meses, estou bastante próxima de Carolina, uma menina muito divertida e engraçada. Ela é bem-humorada, brincalhona e sempre tem uma piada na ponta da língua. Eu me sinto leve perto dela.Embora eu tente, não consigo fazer com que Carol e Eva se entrosem. Elas não parecem ter nada em comum. Vejo que se esforçam para fic
2018Clara, 27 anosPasso semanas me martirizando pelo que aconteceu com Leonardo e tentando evitá-lo dentro do apartamento. No começo, ele respeita o meu espaço e não insiste em falar comigo qualquer coisa que não diga respeito a JP. Mas, conforme os dias se passam, fica evidente que quer conversar. Ele me cerca, observa-me, olha-me em silêncio. Às vezes, começa algumas frases que não tem coragem de terminar. E, sinceramente, não quero que ele as termine. Tenho pavor do que vai dizer e mais medo ainda do que vou sentir ao ouvir as suas palavras.Depois de uma semana intensa na revista, finalmente chega sexta-feira à noite. Ao abrir a porta, encontro Leo e JP assistindo a um filme infantil. Quando me vê, João pula do sofá e corre na minha direção, dependurando-se no meu pescoço. Eu o encho d
2008Clara, 17 anosEstá chegando a hora de decidirmos o curso que vamos fazer na faculdade. Eu quero estudar Letras e já sei até quais as línguas selecionar: Português e Inglês. Amo literatura e quero muito mergulhar nesse universo com um olhar acadêmico. Além disso, se eu optar pela Licenciatura, posso virar professora e ensinar pessoas que, assim como eu, amam esse assunto. Acho linda a profissão; é edificante formar profissionais e prepará-los para o futuro. É algo que realmente combina comigo e com o grande sonho que quero realizar: ser uma bem-sucedida escritora de romances.Já comecei a preencher os formulários das universidades com a minha escolha e sinto uma grande empolgação tomar conta de mim enquanto informo os meus dados. A única questão é Eva, que não aceita
2018Clara, 27 anos A editora me encomenda um novo romance, e preciso colocar a mão na massa. Nem acredito que vou começar o meu terceiro livro! Já tenho o enredo estruturado, mas preciso parar para realmente escrever. Falo com Leo, e decidimos que é melhor eu usar o escritório de Eva enquanto estou por aqui. É um espaço sossegado, com uma cadeira para lá de confortável e um computador de última geração. Ele não sabe a senha, mas, para mim, é fácil descobrir, já que eu e a minha irmã usamos a mesma chave para tudo.Então, aproveito a parte da noite, quando todos estão dormindo, para criar as primeiras páginas. Em poucos dias, o local já reúne uma série de papéis, blocos e anotações: escaletas, linhas do tempo, perfis dos perso
2010Clara, 19 anosAcabo de ler o e-mail que pode mudar a minha vida: fui aceita para fazer intercâmbio na Universidade de Syracuse, no condado de Nova Iorque. Mal posso acreditar que vou passar seis meses em uma instituição que é reconhecida pelos profissionais americanos por ter o melhor programa de Relações Públicas e Comunicação Organizacional dos Estados Unidos. É uma oportunidade única, que pode ser uma virada de chave para mim. Além de ser uma vivência incrível, vai me deixar preparada para novos desafios e abrir muitas portas profissionais no Brasil.Corro para contar para os meus pais, que ficam extasiados e orgulhosos com a novidade. Já começamos a fazer planos e a pensar na saudade que vamos sentir no período de distância. Minha mãe se anima para fazer compras, pois
2018Clara, 27 anos Estou chocada demais para fazer qualquer outra coisa e, de repente, tenho sede de mais informações. Preciso continuar lendo esse diário horroroso. Quantas vezes eu fui feita de palhaça? O que mais era mentira? Eu preciso descobrir![ 2008 ]Já faz um tempão que tento convencer Clara a desistir de cursar Letras. Quem faz isso hoje em dia? É uma escolha ultrapassada, que não traz nenhum futuro. Ela vai ser o quê? Professora? Será que ela não tem noção de como professores são desvalorizados no Brasil? Além de ganharem uma miséria, são obrigados a aguentar um bando de delinquentes. Ninguém merece! Jornalismo é muito mais glamouroso. A gente pode ser famosa. Ou melhor, eu posso entrar para a
2018Clara, 27 anosChego ao hospital com uma enorme pressão no peito e a respiração entrecortada. Minha boca está seca e vejo, no espelho do elevador, que as minhas pupilas estão dilatadas. O meu corpo inteiro treme, e os meus passos são pesados, como se qualquer movimento exigisse muito de mim. As pessoas ficam me encarando enquanto caminho pelos corredores, então, devo estar externando a angústia que me consome por dentro.Entro no quarto de Eva, mas, diferentemente de todas as outras visitas, eu não sinto compaixão por ela. Ardo em raiva e transbordo ressentimento. Tenho vontade de voar em seu pescoço e causar dor física. Tenho estímulos violentos e preciso me concentrar para que a ira não me domine. Eu me aproximo bem do seu corpo inerte e começo a dizer tudo o que me vem à cabeça, de