2008
Clara, 17 anos
Está chegando a hora de decidirmos o curso que vamos fazer na faculdade. Eu quero estudar Letras e já sei até quais as línguas selecionar: Português e Inglês. Amo literatura e quero muito mergulhar nesse universo com um olhar acadêmico. Além disso, se eu optar pela Licenciatura, posso virar professora e ensinar pessoas que, assim como eu, amam esse assunto. Acho linda a profissão; é edificante formar profissionais e prepará-los para o futuro. É algo que realmente combina comigo e com o grande sonho que quero realizar: ser uma bem-sucedida escritora de romances.
Já comecei a preencher os formulários das universidades com a minha escolha e sinto uma grande empolgação tomar conta de mim enquanto informo os meus dados. A única questão é Eva, que não aceita
2018Clara, 27 anos A editora me encomenda um novo romance, e preciso colocar a mão na massa. Nem acredito que vou começar o meu terceiro livro! Já tenho o enredo estruturado, mas preciso parar para realmente escrever. Falo com Leo, e decidimos que é melhor eu usar o escritório de Eva enquanto estou por aqui. É um espaço sossegado, com uma cadeira para lá de confortável e um computador de última geração. Ele não sabe a senha, mas, para mim, é fácil descobrir, já que eu e a minha irmã usamos a mesma chave para tudo.Então, aproveito a parte da noite, quando todos estão dormindo, para criar as primeiras páginas. Em poucos dias, o local já reúne uma série de papéis, blocos e anotações: escaletas, linhas do tempo, perfis dos perso
2010Clara, 19 anosAcabo de ler o e-mail que pode mudar a minha vida: fui aceita para fazer intercâmbio na Universidade de Syracuse, no condado de Nova Iorque. Mal posso acreditar que vou passar seis meses em uma instituição que é reconhecida pelos profissionais americanos por ter o melhor programa de Relações Públicas e Comunicação Organizacional dos Estados Unidos. É uma oportunidade única, que pode ser uma virada de chave para mim. Além de ser uma vivência incrível, vai me deixar preparada para novos desafios e abrir muitas portas profissionais no Brasil.Corro para contar para os meus pais, que ficam extasiados e orgulhosos com a novidade. Já começamos a fazer planos e a pensar na saudade que vamos sentir no período de distância. Minha mãe se anima para fazer compras, pois
2018Clara, 27 anos Estou chocada demais para fazer qualquer outra coisa e, de repente, tenho sede de mais informações. Preciso continuar lendo esse diário horroroso. Quantas vezes eu fui feita de palhaça? O que mais era mentira? Eu preciso descobrir![ 2008 ]Já faz um tempão que tento convencer Clara a desistir de cursar Letras. Quem faz isso hoje em dia? É uma escolha ultrapassada, que não traz nenhum futuro. Ela vai ser o quê? Professora? Será que ela não tem noção de como professores são desvalorizados no Brasil? Além de ganharem uma miséria, são obrigados a aguentar um bando de delinquentes. Ninguém merece! Jornalismo é muito mais glamouroso. A gente pode ser famosa. Ou melhor, eu posso entrar para a
2018Clara, 27 anosChego ao hospital com uma enorme pressão no peito e a respiração entrecortada. Minha boca está seca e vejo, no espelho do elevador, que as minhas pupilas estão dilatadas. O meu corpo inteiro treme, e os meus passos são pesados, como se qualquer movimento exigisse muito de mim. As pessoas ficam me encarando enquanto caminho pelos corredores, então, devo estar externando a angústia que me consome por dentro.Entro no quarto de Eva, mas, diferentemente de todas as outras visitas, eu não sinto compaixão por ela. Ardo em raiva e transbordo ressentimento. Tenho vontade de voar em seu pescoço e causar dor física. Tenho estímulos violentos e preciso me concentrar para que a ira não me domine. Eu me aproximo bem do seu corpo inerte e começo a dizer tudo o que me vem à cabeça, de
2018Clara, 27 anosOs dias passam, e começo, bem aos pouquinhos, a colocar a minha cabeça no lugar. Preciso aceitar que vivi uma história forjada, repleta de manipulações e inverdades. Mais do que isso, tenho de aprender a reconstruir a minha vida, seguir em frente, fazendo um futuro totalmente diferente para mim.Penso muito em Leonardo e em como fomos enganados por tanto tempo. Pela primeira vez em cinco anos, posso admitir para mim mesma, sem nenhum remorso, que eu o amo. Eu mereço ser feliz e fazer escolhas que coloquem o meu bem-estar em primeiro lugar. É hora de pensar em mim e de ser a minha própria prioridade. Não é fácil, pois passei vinte anos aprendendo a calar as minhas vontades e a retrair as minhas opiniões. Em duas décadas, eu nunca dei voz às minhas necessidades nem ouvi o meu coraç&ati
2018Clara, 27 anos Entro em casa, cansada da viagem, e vou direto tomar um banho. Amanhã mesmo volto à revista e envio o primeiro esboço do livro para a editora. Mas, hoje, preciso limpar a minha casa e a minha vida das sombras de Eva.Desfaço as malas, coloco a roupa para lavar e dou um jeito no apartamento. Procuro as caixas em que guardo recordações e tiro delas todas as lembranças que tenho da nossa convivência: cartinhas, bilhetes, fotos, colagens e uma série de bugigangas que, para mim, tinham muito valor. Não quero mais nada disso, pois é tudo ilusão, mentira, farsa. Chega de viver uma relação unilateral e de valorizar uma pessoa que, na verdade, me odeia. Arranco as nossas fotos juntas dos painéis e tiro da parede um quadro de quando tínhamos 15 anos. Estou, literalmente, exorcizando Eva
2018Clara, 27 anos Ainda estou com as chaves do apartamento de Eva e Leonardo, então entro sem tocar a campainha. Quero pegá-la desprevenida e não dar tempo para que se arme ainda mais.Abro a porta devagar, tentando não fazer barulho. A sala está vazia, mas escuto uma cantoria baixa, com alguns assobios, vindo do quarto de casal. Fico imediatamente irritada por flagrá-la feliz, enquanto eu estou inundada em ressentimento e decepção. Mas o que eu podia esperar?Respiro fundo e vou em direção à minha irmã. Quando chego à entrada do quarto, avisto Eva de pé, dançando sozinha pelo cômodo. A raiva me domina ao ver a sua alegria e tenho o ímpeto de voar em seu pescoço e resolver, de forma física, tudo aquilo que estou segurando em meu peito.Eva está tã
2018Clara, 27 anosJá faz um dia e meio que não tenho notícias de Leo. A única coisa que sei é que ele saiu de casa porque Eva foi cara de pau o suficiente para me enviar uma mensagem desaforada. Ela teve o desplante de dizer que eu estou destruindo a vida do João Pedro. Só que, dessa vez, não vou me deixar dominar pela culpa. Eu sei que apenas fiz o que era certo; não havia outra alternativa.Apesar de estar em paz com a minha decisão, sinto-me aflita pelo que vai acontecer daqui em diante. Tenho medo de como Leonardo vai agir, e o sumiço dele só tem contribuído para aumentar essa angústia.Tento me concentrar no trabalho para não enlouquecer. Aproveito para me inteirar de tudo o que aconteceu na minha ausência e para começar a produzir novas colunas para a revista. Envio o rascunh