Sussurros da Floresta
Sussurros da Floresta
Por: clara formatti
Prólogo

    O sol raiava quando Alice Collins entrou no templo e se ajoelhou diante da estátua de Eluin. O rosto esculpido em ouro fazia parecer que o deus da cura a encarava. Ela contemplou os cabelos curtos moldados no metal dourado e a túnica que lhe caia pelos ombros como se ele realmente estivesse ali. Depois acendeu as velas azuis diante da estátua, a longa trança rubra deslizou em seu ombro direito tocando o vestido azul-marinho e se acentuou sobre os joelhos dobrados. O cheiro de Aloe Vera no local a acalmava.

   

  A mulher orou a Eluin, pedindo que o deus a auxiliasse em seu papel como curandeira da vila, para sanar os doentes do dia, ou ao menos, caso não fosse possível, que ele a guiasse em suas palavras de conforto para os corações dos que ficavam. 

 Alice piscou algumas vezes incomodada com algum suposto barulho, sentiu o vento mover o tecido que a cobria, mas não ouvira mais nada. Fitou novamente a imagem áurea e se lembrou de uma história antiga, que sua mãe lhe contava quando a inocência ainda cobria seus olhos infantis, sobre o surgimento dos sacerdotes no mundo e sobre como eles foram extintos. Fechou os olhos e pôde ouvir a voz da mãe embalando seu sono.

 “Sete Deuses, Diax, sua esposa Lunits, e seus filhos: Eluin, Tunian, Páris, Auritem e Temenis. Todos responsáveis pela origem das criaturas.

Algumas pessoas nasceram com o dom de sentir a energia da Floresta de Pérolas, o lar sagrado dos deuses, e usá-la para o bem. Elas foram chamadas de sacerdotes.

 No entanto, Eluin não se agradou com esta criação, ele acreditava que se existia um deus para cura e outro para natureza, seres tão comuns não deviam servir a este propósito. Lunits em sua sabedoria, sorria para o filho a cada maldizer, afirmando que nada ocorria por acaso.

 Outro Deus compartilhava os mesmos ideais de Eluin sobre os sacerdotes. Temenis, o mais jovem, cansado de viver sob a sombra dos irmãos e odiado pelos mortais, costumava caminhar disfarçado entre eles aproveitando suas companhias, no entanto, o jovem não se conformava com o medo que todos, exceto os elfos e fadas tinham da morte. Enquanto os irmãos eram adorados, ele recebia dos mortais apenas terror.

Desse modo, consumido pela raiva, tomado de inveja e ódio, Temenis voltou-se contra os outros deuses, usando a energia na Floresta Sagrada a seu favor. Ele aprisionou a todos, exceto Eluin, que por ser seu oposto, não podia ser preso pelo poder da morte.

 Ambos lutaram por dias e noites, até o mais velho vencer e conseguir aprisionar o irmão também. Porém ele chegara tarde demais; a floresta estava morrendo e com os deuses presos, nada podia ser feito. Era necessário um sacerdote, mas o mais jovem era cruel e vil, e assassinou cada um que havia no mundo.

 Sem esperanças, o deus da cura esperou pelo fim. Com a morte daquilo que originou tudo, toda a vida do mundo desapareceria. E no fim, só os deuses restariam.

 Eluin nunca se sentira tão impotente em toda sua longa vida, porém séculos depois, um fio de esperança surgiu. O deus pôde sentir uma vida nascendo e não era qualquer uma, teve certeza que sentira nascer uma nova sacerdotisa. Era irônico como a última esperança estava em uma espécie que ele tanto odiara.”

Alice saiu de seu transe. A mulher ainda tinha esperança que os deuses poderiam um dia andar novamente sobre a terra e que o mundo seria salvo. Talvez o último sacerdote estivesse mais perto do que ela imaginava. Pensou na filha e no mesmo instante cerrou os punhos, temendo a possibilidade da menina ser a última sacerdotisa existente. E os perigos que isso trariam a ela.

 — Você é Alice Collins? — perguntou uma voz profunda e grossa.

Atrás dela havia um grupo de homens de armadura negra, ao lado de criaturas enormes parecidas com lobos de olhos brancos. A pelagem preta que oscilava para a cinza chamou sua atenção, as garras e dentes prateados eram tão imponentes quanto as patas conectadas com luzes azuis.

  — O que vocês querem? — Questionou a mulher com o maxilar tensionado.

 — Por ordem do Imperador, você será levada.

 — Levada? Sob qual acusação? — indagou séria. Não podia demonstrar medo. Mesmo que seu coração batesse acelerado ao ver tais criaturas estranhas.

 Os guardas não responderam. Ela tentou lutar, mas foi em vão. Eles eram fortes. A levaram até uma carruagem negra puxada por cavalos da mesma cor. Lá dentro havia um homem esguio, cabelos prateados, tais como as presas das feras. As roupas finas e negras com detalhes dourados e a máscara da mesma cor destacavam os profundos olhos flavecentes do desconhecido.

— Bom dia Senhorita Collins, é um prazer conhecê-la. — disse ele fazendo uma leve reverência com a cabeça. — Eu sou o Imperador e não pretendo lhe fazer nenhum mal.

 — O que quer comigo? — Alice respondeu com o queixo erguido, encarando o Imperador com petulância.

 — Não se preocupe. Você é apenas uma isca para a sua filha.

 — Mira? Por que? — Tentou avançar, mas os guardas a impediram — Não ouse...

 — Fique tranquila. Eu não irei encostar um único dedo nela. Ela virá até mim por livre e espontânea vontade. Afinal, a família sempre deve ficar unida. — O homem sorriu e movimentou os dedos, uma ordem silenciosa para que seguissem viagem.

Alice pensou sobre a filha adotiva. Seu amigo Liam contara coisas sobre o passado dela. Sobre o fato de Mira ser especial, sobre alguém a estar procurando.

Ele também lhe contou sobre alguém estar as observando, o Imperador prestando atenção nas ações do homem. Esse alguém poderia vir em auxílio à garota no momento de necessidade.

 A mulher encarou a vila que estava sendo deixada para trás, esperando que essa tal pessoa pudesse ajudar sua criança.

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