Capítulo 2

Olá, prezada Ingrid, muito bom dia!!!

Lhe escrevo esse e-mail para informar que anteontem me reuni com o professor Matthis e conversei sobre você e sua dificuldade em encontrar um orientador para sua pesquisa. Contei um pouco sobre a aluna que você é e ele concordou em se reunir com você hoje mesmo às 14:00 na sala de orientação do campus da Universidade.

Peço que não falte ao encontro ou se atrase porque ele é uma pessoa de certa forma volátil e demonstrou resistência em orientar algum aluno.

Espero que esteja contente e que aproveite essa oportunidade.

Qualquer questão, estou à disposição

Att,

Profa. Dra. Fernanda Martins

Após três dias de nervosismo e espera finalmente Ingrid acordou com este e-mail da professora da disciplina de projetos.

Animação era pouco para o que estava sentindo, tendo em vista que tinha quase certeza que receberia uma negativa do professor. Contudo não cantaria vitória ainda, tudo dependeria da reunião daquele dia com ele e tratou de ir preparada para não parecer alguém que caiu de paraquedas em um lugar desconhecido.

Estudou a pesquisa que tinha em mente de cima a baixo, pois tinha certeza que essa seria uma das perguntas do professor e dessa forma gostaria de mostrar que dominava o assunto o qual queria abordar em sua dissertação. Também estudou o currículo acadêmico dele que Fernanda lhe enviou e ficou estupefata. Ele já havia publicado diversos artigos em revistas apenas de qualis A1 e A2, ou seja, de excelência internacional, participou de diversos congressos, publicou livros, foi orientador de alunos notáveis, enfim... a cada linha que lia sobre sua vida acadêmica questionava-se se fez o certo em pedir para Fernanda contatá-lo, mas logo espantou essa dúvida para longe. Se queria um trabalho excepcional precisava dos melhores recursos ao seu lado e isso inclui um excelente orientador.

Parou de matutar sobre a vida e suas ações e após seu café da manhã ligou para os pais e arrumou o apartamento que dividia com outra menina que veio do Rio de Janeiro. A bolsa que recebia cobria alguns gastos, mas não todos, então recebia ajuda financeira da família e de seus padrinhos. Ingrid poderia exercer atividade remunerada para complementar a renda, o fato de receber a bolsa não excluía essa possibilidade, contudo como nem tudo são flores, ter uma atividade profissional fazendo um mestrado ou doutorado é difícil dado o tempo que é consumido nas pesquisas e a maioria dos pesquisadores têm a bolsa como única fonte de renda.

Dividir apartamento foi uma opção para reduzir os gastos. Ela e Manuela, sua colega de apartamento, dividiam todas as contas de forma igualitária e assim não ficava tão pesado para nenhuma das duas.

Acerca das tarefas elas também se entenderam bem. Sobre os ambientes privativos, ou seja os quartos, cada uma arrumava o seu, já os ambientes que ambas utilizavam, como banheiro, cozinha e sala, era de responsabilidade das duas. Dividiam os dias de cozinhar e lavar a louça, assim como as outras tarefas e já estavam nessa há pouco mais de um ano sem terem problema algum uma com a outra.

Homens eram proibidos no apartamento, assim como festas ou drogas ilícitas. Isso também não foi problema para nenhuma das duas tendo em vista que ambas estavam mais preocupadas em terminarem suas especializações logo, o que as levava a uma imersão nos estudos e nenhum pensamento sobre qualquer coisa que as desviassem do foco.

Após arrumar o que tinha que ser feito Ingrid tomou um banho e resolveu focar mais um pouco em sua pesquisa enquanto não dava a hora de sair para a reunião com o professor. Ainda estava insegura com o encontro mas precisava se manter firme, afinal o máximo que ele podia dizer é não.

Passou boa parte do tempo estudando e quando deu a hora se arrumou vestindo uma blusa preta estilo segunda pele e com gola alta e manga comprida, um jeans cintura alta com cinto e sapatos Oxford preto, seu estilo usual. Comeu algo e pegou o que precisava, logo deixando o apartamento e seguindo rumo à  Universidade.

Quando chegou ao enorme campus da UFRGS, Ingrid checou o horário em seu relógio de pulso e percebeu estar dez minutos adiantada. Sorriu com isso e logo seguiu para a sala de orientação.

Ao chegar na porta notou que alguém já estava na sala e não estava preparada para o que viu. Sentado à uma das mesas da sala se encontrava o homem mais belo que já viu na vida. Uma beleza rústica e até agressiva, tipicamente escandinava. Loiro, barba rala, musculoso na medida certa e aparentemente alto, pelo que pôde perceber. Vestia-se muito bem com uma blusa social azul clara, um suéter azul marinho que deixava apenas a gola da camisa de baixo à mostra, jeans escuros e sapatos sociais pretos e lustrosos. Se a primeira impressão era a que ficava, a que esse homem deixou em Ingrid foi extremamente boa.

Ele não havia percebido sua presença, estava concentrado lendo algum livro que ela não pôde identificar qual era por estar longe demais. Diante disso deu dois toques na porta e logo recebeu um olhar dele.

ㅡ A senhorita é a...ㅡ olhou uma folha de papel à sua frente ㅡ Ingrid Pereira Garcia?

A jovem pôde notar o sotaque carregado dele, apesar de falar português perfeitamente.

ㅡ Isso, sou eu mesma. ㅡ Concordou.

ㅡ Entre, pode se sentar. ㅡ solicitou e assim ela o fez. ㅡ Sou Matthis Mikkel Andreassen, como já deve saber. ㅡ Expôs, a encarando e agora mais próxima ela conseguia identificar a cor dos olhos dele, parecia um belo tom  de cinza, algo nunca visto antes por ela.

ㅡ Sei sim e obrigada por tirar um tempo do seu dia para me receber, senhor Andreassen. ㅡ Fez questão de agradecer.

ㅡ Não há o que agradecer, apenas faça valer a pena. ㅡ Manifestou  em um tom que Ingrid julgou arrogante demais. Depois disso ela encolheu um pouco os ombros e se sentiu afetada pela presença dele. ㅡ Podemos começar? ㅡ ele questionou, percebendo a mudança de comportamento dela.

ㅡ Claro. ㅡ concordou e logo pegou de sua bolsa seu notebook, logo o ligando e acessando o Word onde estava sua proposta de pesquisa e tudo que tinha até o momento, tudo isso sob os olhares intensos e atenciosos do professor.

ㅡ Seu nome tem origem a partir do nórdico antigo, a língua germânica que deu origem às línguas escandinavas. É um nome tipicamente norueguês. ㅡ ele comentou para "quebrar o gelo".

ㅡ Ingrid é um nome um tanto popular aqui no Brasil. ㅡ Ela respondeu de maneira um tanto na defensiva e ele sorriu discretamente de lado percebendo a súbita mudança de humor dela.

ㅡ Entendo. ㅡ disse fechando o livro que lia anteriormente e Ingrid pôde descobrir qual era, Ada ou Ardor, de Vladimir Nabokov.

Matthis notou o olhar curioso dela sobre o livro e logo tratou de falar algo sobre o mesmo:

ㅡ O genial autor de São Petersburgo, Nabokov, um autor que escrevia tão bem que redigiu seu livro mais famoso, Lolita, em inglês, mesmo que essa não fosse sua língua materna. O germe de Ada ou Ardor veio depois de ter se tornado mundialmente famoso com a história do professor viúvo obcecado por uma adolescente. ㅡ a encarou, tendo ela com um olhar admirado sobre ele ㅡ logo depois de Lolita, Nabokov se propôs a criar sua obra-prima e Ada ou Ardor nasceu de dois projetos diferentes, duas crônicas de vida que acabaram sendo traçadas de tal maneira que ele decidiu que mereciam se tornar um único romance. Ele sempre disse que queria ser lembrado por essa obra, embora essa narrativa não seja para um leitor de inteligência mediana. Resultado: escreveu uma obra de arte aplaudida pela crítica e incompreendida pelo público e não obteve o sucesso que merecia. ㅡ Explicou cheio de si ㅡ Já leu alguma obra de Nabokov, senhorita Ingrid?

A brasileira negou.

ㅡ Não, não é o meu tipo ideal de leitura. ㅡ Confessou. Não tinha porquê mentir somente para agradá-lo.

Ele a encarou por alguns segundos e por fim comentou:

ㅡ É claro que não.

De alguma forma Ingrid sentiu-se ofendida pela forma superior com a qual ele falou, achou até que ele fosse se retratar por seu modo de falar, no entanto ao encará-lo não viu nada em seu olhar, nenhum resquício de arrependimento. A partir daí começou a pensar que talvez essa parceria não funcionasse, mesmo assim já estava ali então decidiu apresentar o que tinha. Falou sobre seu projeto de pesquisa, o tema, os procedimentos metodológicos que pretendia utilizar, seus objetivos, enfim tudo que tinha até então. Ele prestava atenção em tudo que ela dizia.

ㅡ Por que quis que eu te orientasse? ㅡ Ele questionou após ouvi-la. Seu olhar curioso queimava sobre ela, um olhar intenso o qual a jovem não conseguia desvendar o que significava.

Ela pensou por alguns instantes.

ㅡ Bom, quero fazer uma pesquisa de qualidade e para isso sei que preciso ter os melhores recursos à minha disposição e o orientador é fundamental no processo. Depois que a senhora Fernanda falou sobre o senhor não tive dúvidas de que era a pessoa perfeita para me ajudar. ㅡ Respondeu e ele assentiu em concordância, gostando de sua resposta.

ㅡ Se a Fernanda falou sobre mim então não preciso dizer o quão exigente sou, não é mesmo? Não coloco meu nome em qualquer trabalhinho meia boca por aí, senhorita Ingrid.ㅡ dise de maneira séria ㅡ Trabalho com prazos, se eu pedir para você me trazer x páginas escritas na próxima semana eu espero que você me traga essas x páginas ou então é melhor nem aparecer. Sou um orientador presente e compromissado por isso espero o mesmo do meu orientando.

Ela assentiu, já esperava por isso.

ㅡ A propósito li seu currículo Lattes. ㅡ Ingrid foi pega de surpresa com essa fala súbita do professor. O encarou surpresa e ele tirou os olhos de seu trabalho por alguns segundos para encará-la.

ㅡ Leu? ㅡ Perguntou ainda cética.

ㅡ Claro. A professora Fernanda teceu tantos elogios à senhorita que tive que comprovar com meus próprios olhos, até porque não acredito em nada do que me dizem até que provem, e devo dizer, é realmente impressionante.

Ingrid ficou sem saber o que dizer então apenas agradeceu:

ㅡ Obrigada!

ㅡ Não há o que agradecer, é mérito seu. ㅡ A encarou de uma forma intensa que ela não entendeu ㅡ Gostei do tema de sua pesquisa, senhorita Ingrid, algo muito bem feito até agora, mas não gostei desses autores que você está usando, há melhores na área, esses objetivos estão fracos também, vamos ter que rever isso. Precisa melhorar essa metodologia, precisamos de algo que nos dê mais precisão nos resultados, sinceramente o texto é até bom, mas sinto como se estivesse lendo o trabalho de um aluno do ensino médio...ㅡ  tudo que ele falava ia marcando no texto com o marcador do word e Ingrid imediatamente ficou desanimada. Ele não falou nada de construtivo sobre seu texto, apenas criticou. Aquilo apenas lhe deu certeza que aquela parceria não iria funcionar.

Após essa reunião ela viu toda oportunidade fugir por entre os dedos.

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