Capítulo 3

ㅡ Achei que fosse mais persistente e dedicada, senhorita Ingrid, pelo visto me enganei. ㅡ A jovem mineira escutou a voz daquele que há uma semana cogitou ser seu orientador. Se virou e encontrou o olhar dominante e arrogante dele sobre ela, olhar esse que a deixava desconfortável e irritada. ㅡ Está me evitando?

Ela arqueou a sobrancelha visivelmente confusa.

ㅡ Não tenho motivos para tal. ㅡ Rebateu de maneira séria.

ㅡ Não sei, talvez o fato de ter faltado a última reunião que combinamos? Ou talvez o fato de você ter falado para a Fernanda que não queria mais ser orientada por mim? ㅡ Se aproximou ainda mais dela ㅡ  Ou melhor ainda, o fato de ter pedido orientação à outro professor?

ㅡ O que o senhor esperava? Que eu quisesse continuar depois do jeito que me tratou na primeira reunião?

Matthis riu em escárnio.

ㅡ Então a aluninha não sabe lidar com críticas...ㅡ debochou. ㅡ se pretende ser pesquisadora devo lhe informar que as críticas sempre estarão lá.

ㅡ Não querendo ser desrespeitosa, senhor Andreassen, mas aceito críticas construtivas com o objetivo de me ajudar, agora as negativas que tem o intuito apenas de depreciar meu trabalho e esforço não quero, obrigada. ㅡ se virou para sair dali, porém em um impulso ele segurou o braço dela com um pouco de força. Ela o encarou assustada e logo ele a soltou.

ㅡ Você não vai encontrar um orientador melhor do que eu, não mesmo. Não deixe que umas palavras mal compreendidas destruam sua oportunidade de fazer uma pesquisa de qualidade com um docente qualificado.

ㅡ O senhor está sendo muito arrogante agora, os outros professores desta instituição são tão qualificados quanto o senhor.

ㅡ Não importa, já conversei com o professor Bernardo com quem você pensou em fazer sua pesquisa e informei que você não vai fazer nada com ele, eu serei seu orientador. ㅡ Informou de maneira séria enquanto colocava as mãos nos bolsos frontais da calça social.

Ela o encarou incrédula.

ㅡ Como o senhor fez uma coisa dessas? Isso diz respeito à mim somente.

ㅡ Não pense demais, senhorita Ingrid. Como um professor qualificado sei o que é o melhor para a carreira acadêmica da senhorita. ㅡ disse com uma intensidade no olhar que assustou Ingrid de certa forma. ㅡ  Amanhã leve o que você já tem da sua pesquisa, vamos ter uma reunião grande para recuperar o tempo perdido, vamos adiantar bastante coisa. Lhe espero na sala de orientação às 13:00, espero que não me decepcione novamente.

Dizendo isso caminhou para longe em sua pose superior. Todas as mulheres se viravam para encará-lo e Ingrid pensou que não era para menos, apesar da postura arrogante definitivamente Matthis Andreassen é um homem muito bonito.

Ter como orientador um professor qualificado que diminui o meu trabalho alegando que o jeito dele de fazer é melhor ou um professor  descompromissado que nem ao menos lê o trabalho do aluno e ainda por cima falta às reuniões de orientação?

Essa era a dúvida que martelava a mente de Ingrid enquanto esperava a sanduicheira apitar que seu misto-quente estava pronto. Não estava com fome o suficiente para jantar e um misto com um achocolatado já estava de bom tamanho.

Ouviu o barulho da chave na maçaneta e logo visualizou sua colega de apartamento ultrapassar a porta com algumas sacolas em mãos.

ㅡ Oi, Manuela. ㅡ a cumprimentou e logo recebeu um sorriso de volta.

ㅡ Oi, Ingrid. Nossa, o quão louco é o fato de dividirmos o mesmo apartamento e nem ao menos nos vermos direito? ㅡ a loira comentou e riu em seguida, sendo acompanhada pela mineira que concordava com aquilo.

ㅡ Verdade.

Utilizaram esse encontro aleatório para conversarem amenidades do dia a dia e Ingrid contou sobre o problema que estava rondando sua pesquisa e aproveitou para pedir conselho sobre o que fazer acerca da escolha do orientador.

ㅡ Que situação! ㅡ a carioca comentou, sem saber exatamente o que dizer.

ㅡ Nem me fala, estou me sentindo no meio de um fogo cruzado.

ㅡ Vamos lá, vou tentar te ajudar. Pensa comigo: de um lado você tem, pelo que me disse, um professor arrogante, que tenta menosprezar seu trabalho, mas que ao mesmo tempo é qualificado, conhece boas fontes para sua pesquisa, lê seu trabalho e diz no que pode melhorar e participa das reuniões. Do outro lado você tem um professor que parece ser bonzinho, mas que não é tão profissional. Você ouviu dos alunos que ele falta às reuniões, não lê o trabalho do aluno, então na verdade eu acredito que você deva escolher ser orientada pelo tal Matthis, dos males o menor. ㅡ riu ㅡ Você pode lidar com a arrogância dele e se começar a te incomodar você pode reportar à reitoria, porque no final você terá um ótimo trabalho. Se escolher o Bernardo você pode ter grandes problemas no final. ㅡ aconselhou.

Ingrid pensou um pouco.

ㅡ Acho que você está certa.

ㅡ E precisa ver isso rápido porque tempo é o que menos temos quando estamos envolvidos com uma pesquisa grande dessas.

ㅡ Obrigada, Manu, você me ajudou muito. ㅡ disse sincera.

ㅡ Não há de quê, pode contar comigo para o que precisar.

Ingrid suspirou pesadamente. Apesar de não ter 100% de certeza, a decisão já estava tomada.

No dia seguinte ela chegou no prédio onde ficava a sala de orientação ofegando de cansaço. Perdeu a noção do tempo e resultado: cinco minutos de atraso.

Chegou no corredor que dava para a sala e visualizou o professor Matthis na porta da sala com feição de descontentamento. Ele a encarou e logo olhou para seu relógio de pulso.

ㅡ Sete minutos atrasada, senhorita Ingrid. O que tem a dizer sobre isso?

ㅡ Desculpe, professor, tive um contratempo. ㅡ disse de modo automático.

ㅡ Tem muita sorte, senhorita Ingrid. Se fosse qualquer outra pessoa chegaria aqui e daria com a cara na porta, meu tempo é precioso, não faça isso novamente! ㅡ declarou em um tom repreendedor que Ingrid pensou por um momento estar ouvindo seu pai brigando com ela, o que era totalmente estranho tendo em vista que ela tinha vinte e cinco anos e ele não aparentava ter mais do que trinta e cinco. ㅡ Pode entrar e se sentar, vou encher minha garrafa d'água e já volto. ㅡ dizendo isso deixou a sala.

A mineira caminhou pelo local, logo se sentando. Pegou tudo que precisava e aguardou seu retorno que não foi demorado.

ㅡ Fico muito contente por ter feito a escolha certa. ㅡ ele disse ao se sentar de frente para ela.

ㅡ Digamos que não tive muitas opções. ㅡ ela rebateu na defensiva.

ㅡ Tem razão, mas não se preocupe, daqui um tempo você irá descobrir que gosto das coisas do meu jeito e gosto de controlar tudo ao meu redor. ㅡ comentou com um olhar intenso e um sorriso intimidador que não chegou aos olhos. ㅡ Vamos começar!

ㅡ Terminamos por hoje, senhorita Ingrid. ㅡ a voz de Matthis soou de repente na sala silenciosa, tirando a jovem de sua concentração. ㅡ Acredito que estamos no caminho certo.

Ingrid estava satisfeita e entusiasmada com aquela reunião. Passou do estágio de uma pessoa que não tinha praticamente nada sobre a pesquisa para uma que estava adiantada com seu tema.  O professor lhe indicou ótimos autores para embasarem sua ideia inicial e ela terminou a reunião com diversos capítulos de livros para ler, além de artigos científicos e outras teses e dissertações.

ㅡ Eu também acredito, senhor Andreassen. Não vou mentir, estava com um pouco de medo de não iniciar a pesquisa a tempo mas com a reunião de hoje o senhor sanou muitas das minhas dúvidas e já me deu um norte. Estou muito agradecida ㅡ disse enquanto guardava seus pertences em sua bolsa.

ㅡ Não me agradeça, fiz apenas a minha parte como o seu orientador. ㅡ dobrou as mangas de sua blusa social e ela conseguiu enxergar o inicio de uma tatuagem em seu braço esquerdo ㅡ Ah, esqueci de te dizer, tenho uns artigos publicados que podem lhe ajudar, posso compartilhar com a senhorita através do G****e Drive, mas estão em inglês e norueguês.

Ingrid ficou pensativa.

ㅡ Tenho fluência na língua inglesa, porém norueguês não sei falar nenhuma palavra. ㅡ explicou em tom divertido e riu logo em seguida.

ㅡ Ótimo! Não tem problema que não fale norueguês, posso lhe ajudar com os textos no idioma, são fontes primordiais que a senhorita não pode deixar de usar.

ㅡ Tudo bem, obrigada mais uma vez.

ㅡ Vamos marcar nossa próxima reunião para daqui duas semanas, com tudo que falamos e com as fontes que lhe passei acredito que já consiga desenvolver o primeiro capítulo de sua dissertação. ㅡ o professor disse enquanto  guardava seu computador pessoal em sua case ㅡ é isso que espero e imagino que não seja tão pesado. ㅡ a encarou ㅡ E não se esqueça do que lhe falei, que se não conseguir fazer isso não apareça aqui.

Ingrid ainda ficava surpresa com tamanha arrogância dele, contudo já estava sabendo lidar melhor. Sem jeito o encarou:

ㅡ Eu me lembro perfeitamente do que disse, professor.

ㅡ Ótimo, está dispensada.

ㅡ Com licença. ㅡ dizendo isso deixou o local.

 As semanas se passavam e enquanto Ingrid estava envolvida com sua pesquisa, o professor Matthis estava completamente envolvido por ela.

Enquanto ela estudava com bastante afinco sua dissertação ele a estudava, suas ações, expressões, seus diferentes comportamentos quando posta nas mais diferentes situações e com um mês ele já tinha uma conclusão, ainda que abstrata dela.

Ingrid é uma jovem bondosa, ingênua, frágil, com uma imensa alegria de viver. Parecia estar sempre disposta a perdoar aqueles que a feriram, esquecer e recomeçar.

Possuía a imagem da perfeita submissa, isso ele notou logo na primeira reunião de orientação. Quando falava com ela ou lhe dirigia a palavra ela não conseguia manter contato visual, o que ele achou perfeito.

Em seu diário, Andreassen a caracterizou como: discreta, sensível e volátil. Desde a vez que ela decidiu mudar de orientador por conta própria ele percebeu também que ela é uma mulher impulsiva, que primeiro age com o coração e deixa a razão em segundo plano. Outro ponto da personalidade submissa que Matthis encontrou na mineira foi a falta de assertividade. Ela não parecia ser segura de si ou de suas opiniões. Nas reuniões ela pouco opinava, se concentrava mais em saber sobre o que Matthis queria ou esperava dela, tentando nunca decepcioná-lo, parecia que estava sempre tentando agradá-lo. O norueguês ficava confuso sobre o fato de uma pessoa tão independente ser ao mesmo tempo tão dependente de certas coisas. Sim, ele também a achava independente, pois uma pessoa que deixa sua casa, estado, família, enfim absolutamente tudo para trás para se jogar no desconhecido apenas para realizar seus sonhos na opinião dele é sim uma pessoa independente e de fibra.

ㅡ Ingrid, Ingrid... você é uma incógnita para mim. ㅡ O norueguês dizia para si mesmo enquanto ingeria uma pequena dose de cappuccino e apreciava a vista oferecida pela janela naquela manhã nublada e chuvosa.

Afastou-se quando escutou o som no seu computador notificar sobre uma nova mensagem na sua caixa de e-mail, mensagem essa de Ingrid. Sorriu com a rapidez da resposta.

Sentou-se na sua cadeira de couro acolchoada e tratou de ler o que ela havia mandado.

Bom dia, senhor Andreassen,

Apesar de não achar essa alternativa apropriada, até porque somos professor e aluna, eu concordo com a solução que o senhor encontrou para não perdermos nosso encontro, já que tenho muitas coisas para discutir sobre a pesquisa.

Fico grata pela atenção que o senhor tem dado a mim e meu trabalho e fico no aguardo do endereço para que eu possa ir ao seu encontro.

Grata pela atenção,

Att,

Ingrid Pereira Garcia.

O docente sorriu largamente com o e-mail, sabia que ela não iria desapontá-lo, esperava isso vindo dela.

A resposta veio em referência ao pedido feito por ele de fazerem a reunião dessa vez em sua casa. De acordo com ele teria o dia muito ocupado e para não perderem a reunião ofereceu-se para fazer a orientação naquele início de noite em sua residência. Claro que tudo não passava de uma grande mentira e o norueguês só queria uma forma de estar sozinho com a discente para descobrir mais detalhes de sua vida. Sentia que o que sabia não era suficiente e isso não o agradava, mas naquela noite tudo mudaria ao seu favor, esperava que sim.

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