Capítulo 4

Ingrid não podia mentir para si mesma, a verdade é que o professor Matthis lhe causou uma excelente primeira impressão, desde a primeira reunião onde se conheceram.

Apesar da arrogância e o instinto de superioridade, algo que ela notou fazer parte de quem ele era, Matthis também é um homem desinibido, extremamente inteligente, ótimo com as palavras e um perfeito cavalheiro, chegando a ser até divertido e engraçado, características que notou nas últimas reuniões que tiveram.

A verdade é que a jovem sempre preferiu relacionamento com homens mais velhos e já teve alguns em sua vida. Era muito namoradeira em um passado não tão distante e quando entra em um relacionamento entra de cabeça mesmo, dando tudo de si para fazer funcionar. Sempre buscou deixar às claras aos homens com quem se relacionou o que queria. Em algum momento de sua vida almejou um romance épico, em outro apenas sexo. Não importava o que queria, sempre deixava claro para o parceiro logo no início para ninguém sair ferido depois.

Durante a graduação era frequentadora assídua de festas, não é porque era excelente aluna que deixava de aproveitar a vida, e foi durante esse período que mais teve relacionamentos, entretanto ainda não conheceu aquele que acendeu aquela chama de uma paixão inesquecível ou seu romance épico, o que a levava de volta a Matthis. Ele é exatamente o tipo de homem que lhe chama a atenção e às vezes precisa fazer um enorme esforço para não demonstrar isso, afinal ele é seu professor e isso lhe poderia trazer grandes problemas se fosse descoberto.

Quando recebeu um e-mail dele sugerindo sobre a reunião ser em sua casa inicialmente relutou. Não achava certo isso e se descobrissem poderia ser ruim para ambos, contudo pensou melhor e decidiu aceitar, afinal não havia nada demais nisso.

Olhou novamente para seu relógio de cabeceira e percebeu que já estava na hora de sair. Chovia um pouco na capital gaúcha, mas não era nada demais. Como não tinha um carro pediria um uber até a residência do professor.

Manuela não se encontrava em casa então apenas escreveu um bilhete o deixando colado na porta da geladeira explicando que havia saído e voltaria mais tarde, pois apesar de não terem uma amizade sólida, ainda assim se preocupavam uma com a outra e não custava nada avisar.

Assim que ela deixou o apartamento e abriu o aplicativo do uber, ouviu aquela voz que ainda a intimidava.

ㅡ Ingrid. ㅡ Virou-se e encontrou Matthis vestido como sempre elegantemente, com uma blusa social vinho, calça preta e sapatos de mesma cor da calça.

ㅡ Senhor Andreassen? ㅡ questionou confusa e se aproximou cautelosamente enquanto segurava a alça de sua bolsa com firmeza.ㅡ O que faz aqui?

ㅡ Já disse que fora da universidade pode me chamar apenas de Matthis, Ingrid. Vim buscá-la, não me agradava em nada a ideia de você andando sozinha de uber à essa hora. ㅡ disse com postura rígida.

ㅡ Mas não iria demorar tanto, não precisava ter tido todo esse trabalho de vir me buscar.

ㅡ Não questione minhas decisões, Ingrid. Agora vamos antes que comece a chover mais forte. ㅡ disse caminhando para o lado exterior e após ela revirar os olhos por sua postura o seguiu.

ㅡ Como sabia onde moro? ㅡ Ela questionou já dentro do carro para quebrar o silêncio enquanto o observava dirigir calmamente e com concentração.

ㅡ Você me disse uma vez. ㅡ disse simples e ela franziu o cenho.

ㅡ Eu disse? ㅡ perguntou ㅡ não me recordo.

ㅡ É claro que disse, não tenho porquê mentir.

Ingrid tentou puxar no mais profundo de sua mente a ocasião em que deu essa informação para ele, porém falhou miseravelmente.

ㅡ Não pense muito, Ingrid. ㅡ ele continuou sua fala, encarando a estrada a sua frente. ㅡ Se eu falei que você me falou é porque falou, acredito que minha palavra basta.

Ingrid não disse nada e após isso um silêncio sepulcral se instalou no interior  do veículo, só sendo interrompido por uma freada brusca no carro dada por Matthis.

ㅡ Caralho, porra de imbecil que não sabe dirigir direito. ㅡ resmungou e deu um soco no volante, assustando Ingrid que não esperava aquela reação vinda dele.

Segundos se passaram até ele normalizar seu humor e logo colocar o carro novamente em movimento, fazendo com que chegassem em sua residência em questão de minutos.

Surpresa era pouco para como Ingrid estava, na verdade ela estava estupefata.

A casa era enorme, linda e que remetia ao estilo vitoriano. Enquanto Matthis colocava o carro na garagem ela observava tudo ao redor, logo notando algo que não tinha percebido antes, a falta de vizinhos. Era literalmente um lugar isolado de tudo, aquela casa era a única ali. De imediato tratou de questionar isso.

ㅡ Por que uma casa tão isolada de tudo? Onde estão os vizinhos? ㅡ demonstrou curiosidade ao vê-lo retornar e indicá-la o caminho para onde deveria seguir.

ㅡ Eu odeio ter vizinhos, são inconvenientes e não preciso deles. ㅡ disse sério ㅡ agora esquece isso e vamos entrar.

Ela deu de ombros e assim o fez.

Por dentro a casa era ainda mais bonita, requintada e bastante luxuosa, com móveis de madeira, muito bem mobiliada e arrumada. Questionou-se se o salário de um professor universitário cobria todas aquelas despesas.

Como a casa tinha aquecedor ele se pôs atrás dela e a ajudou a retirar seu casaco, o pendurando em um dos portas casacos atrás da porta.

ㅡ Obrigada.

ㅡ Quer beber algo? Um chá? Um café? Um cappuccino? ... ㅡ fez sugestões e ela se encantou cada vez mais por sua amabilidade.

ㅡ Um cappuccino seria perfeito. ㅡ sorriu e ele assentiu.

ㅡ Você pode me acompanhar até a cozinha se quiser ou esperar aqui na sala.

ㅡ Vou com você.

Logo se encontraram no cômodo que como todos os outros esbanjava riqueza. Apesar da casa remeter à um estilo vitoriano antigo a cozinha era bem moderna, toda de inox e com os melhores utensílios. Ingrid de imediato pensou que se sua mãe estivesse em uma cozinha assim não sairia nunca mais. A progenitora amava cozinhar e passava grande parte de seu tempo nesse cômodo em específico da residência.

ㅡ A sua casa é realmente muito bonita. ㅡ comentou enquanto o visualizava caminhar pela cozinha pegando utensílios que precisaria, preparando a bebida, tudo com um charme e elegância impressionantes. Parecia ser algo natural dele, nada forçado.

ㅡ Fico contente que tenha gostado, significa que assim como eu você tem bom gosto. ㅡ lhe serviu uma xícara com a bebida fumegante e logo a convidou para ir até a biblioteca da casa, lugar que mais a surpreendeu por ter uma infinidade de livros.

ㅡ Nossa, quantos livros. Se eu tivesse uma biblioteca dessa em casa não sairia jamais. ㅡ comentou enquanto olhava tudo ao seu redor.

ㅡ Fique à vontade para escolher o livro que quiser para ler se tiver vontade.

ㅡ Quantos desses livros você já leu? ㅡ Demonstrou curiosidade.

ㅡ Digamos que 60% deles. ㅡ disse e ela o encarou rapidamente com admiração. ㅡ Passo grande parte do meu tempo aqui. Não tenho amigos por aqui e muito menos vontade de sair, aqui é meu refúgio.

ㅡ Eu entendo perfeitamente. ㅡ disse enquanto deslizava os dedos pelos livros, admirada. ㅡ Posso fazer uma pergunta indiscreta?

O norueguês franziu o cenho, mas respondeu:

ㅡ Fique à vontade, é livre para fazer as perguntas que quiser, entretanto da mesma forma posso decidir se quero ou não responder.

Ela assentiu e logo perguntou:

ㅡ Quantos anos você tem? Porque às vezes você me parece jovem, mas de repente mostra uma imagem de alguém que já viveu muito. ㅡ riu.

ㅡ A minha aparência geralmente engana as pessoas, Ingrid. Apesar de ter essa fisionomia de alguém com não mais que trinta anos, tenho trinta e seis. ㅡ disse a deixando surpresa, realmente a aparência dele enganava muito bem. ㅡ e não acho que tenha sido uma pergunta indiscreta, é uma curiosidade normal. ㅡ a encarou ㅡ Podemos começar?

ㅡ Sim, claro.

ㅡ O que tem para me mostrar hoje?

A estudante começou então a expor o texto que já havia escrito, tirando algumas dúvidas ao longo da conversa. Ingrid se sentia aliviada porque Matthis era um homem volátil e que mudava de humor em questão de segundos, porém naquele dia estava com ânimo.

ㅡ O que pensa em fazer depois de terminar o mestrado, Ingrid? ㅡ Ela foi pega de surpresa com sua pergunta.

ㅡ Sinceramente ainda não sei, não parei para pensar muito nisso, ultimamente tenho estado apenas focada em terminar minha dissertação.

ㅡ Já pensou na possibilidade de fazer um doutorado pleno no exterior? Melhor ainda, na Noruega? ㅡ Questionou curioso, enquanto sentava-se mais próximo dela.

ㅡ Eu? ㅡ riu em tom divertido. ㅡ Não acho que seja qualificada para tanto...

ㅡ Menosprezar suas habilidades e capacidades é o primeiro sinal de fraqueza. ㅡ ele disse frio e ela logo se bateu mentalmente. Não gostava de desapontá-lo com ações ou palavras porque suas reações nunca eram boas.

ㅡ Apenas disse a verdade.

ㅡ Talvez esteja certa, talvez não seja mesmo capaz. ㅡ ele disse em um tom tão depreciativo que ela teve vontade de correr.

ㅡ Nossa...ㅡ ela comentou em tom afetado, não sabia o que dizer.

ㅡ Algum problema? ㅡ ele questionou como se nada tivesse acontecido e isso a intrigou. Todas as vezes que ele dizia algo rude que sabia que iria machucar, ela esperava que ele se arrependesse e pedisse desculpas, contudo ele nunca fez isso, ao contrário, em sua face ela viu a feição de alguém que estava tranquilo consigo mesmo e que não fez nada de errado.

ㅡ Problema nenhum.ㅡ murmurou. Se ele não era capaz de reconhecer e se redimir por seus próprios erros não seria ela que faria isso.

ㅡ Está em algum relacionamento, Ingrid? ㅡ Perguntou e ela o encarou rapidamente. O que aquilo tinha a ver com a reunião?

ㅡ Não, não tenho muito tempo para isso no momento.

ㅡ E faz muito bem, mantenha-se longe de relacionamentos. ㅡ ela entendeu aquilo como um alerta, mas não entendeu o porquê. A cada dia que passa o norueguês ficava mais estranho.

ㅡ O que quer dizer com isso? ㅡ demonstrou confusão e Matthis a encarou, fazendo com que ela conseguisse enxergar uma frieza em seus olhos cinza.

ㅡ O óbvio, estamos trabalhando duro nessa pesquisa e não quero que você estrague tudo com romancezinho sem importância.

O jeito como ele falou a deixou estressada, parecia que ele sempre estava tentando comandar a vida dela e dizer o que ela podia fazer ou não.

ㅡ Posso muito bem ter meus relacionamentos e ao mesmo tempo entregar um trabalho de qualidade. ㅡ rebateu.

ㅡ Olha vamos esquecer isso, não há mais o que discutir.

Ingrid suspirou, parecia que era sempre assim, ele dando a última palavra. A verdade é que ela só insistia naquela parceria porque ele tem a ajudado muito, se não fosse por isso ela abandonaria tudo.

ㅡ De onde você é, Ingrid? ㅡ Matthis perguntou enquanto lhe serviu mais cappuccino.  Já haviam finalizado a reunião há algum tempo, entretanto com a desculpa de esperar a chuva passar para levá-la Matthis a fez ficar e se aproveitou disso para conhecê-la melhor.

ㅡ Minas Gerais. ㅡ respondeu e logo ingeriu um pouco da bebida presente na xícara ㅡ E você? É da capital da Noruega mesmo?

Com uma elegância jamais vista por Ingrid ele cruzou as pernas e apoiou o queixo sobre a mão desocupada enquanto a olhava com curiosidade.

ㅡ Na verdade nasci e cresci em Bergen, contudo como as melhores oportunidades estavam em Oslo me mudei na primeira chance que tive.

ㅡ Como sua família reagiu quando você disse que ficaria um ano em outro país de um outro continente? ㅡ denotou grande curiosidade, porém logo a feição dele se tornou dura e impassível, fazendo com que ela se arrependesse ㅡ disse algo errado?

ㅡ Há certas coisas sobre as quais não gosto de falar, Ingrid e minha família com certeza é uma delas. ㅡ disse com seriedade.

ㅡ Eu não imaginava, desculpa.

ㅡ Desculpas aceitas,  só não volte a tocar nesse assunto novamente.

Ingrid assentiu e logo percebeu, ao olhar através da grande janela da sala, que a chuva havia cessado e de imediato começou a recolher suas coisas.

ㅡ A chuva já parou, pode me levar agora? ㅡ questionou e ele anuiu.

ㅡ É claro, vou pegar as chaves do carro.

Dizendo isso desapareceu de seu campo de visão.

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