Ingrid despertou de um sono agitado!
Levantou-se e sentiu o chão gelado entrar em contato com a pele quente dos seus pés recém saídos dos cobertores causando-lhe um arrepio momentâneo. Calçou seus chinelos e deixou o quarto após fazer sua higiene matinal, logo se dirigindo à pequena, porém prática cozinha do apartamento. Encheu um copo com água e saciou sua sede enquanto observava seu reflexo através do vidro da janela, uma aparência cansada resultado das noites mal dormidas em consequência do tempo que tem dedicado a sua pesquisa.
Colocou o copo dentro da pia e massageou as têmporas inspirando profundamente, prendendo o cabelo com o auxílio de um elástico, visualizando o sol dar os primeiros sinais de seu surgimento.
Não vale a pena voltar para cama, pensou consigo.
ㅡ Algum problema, Ingrid? ㅡ escutou a voz de Manuela, que ultrapassava a porta de entrada naquele momento vestindo uma roupa esportiva.
ㅡ Não, problema algum. ㅡ sorriu de forma contida ㅡ Foi correr?
A carioca assentiu enquanto bebia um pouco de água.
ㅡ Sim, tenho me entupido de comida processada nos últimos tempos e isso tem me prejudicado muito, então estou tentando correr atrás do prejuízo. ㅡ respondeu.
ㅡ Faz muito bem!
ㅡ Bom, vou tomar um banho agora e depois comer algo, pois tenho orientação às 9 horas. Eu tinha uma coisa para te falar mas esqueci completamente o que era. ㅡ Bateu na própria testa.
ㅡ Boa sorte! ㅡ Ingrid disse, pois em algum momento Manuela também confessou que tem uma orientadora carrasca. ㅡ Depois se lembrar me fala.
ㅡ Vou precisar. ㅡ riu. ㅡ Ahhh... lembrei o que queria te dizer, eu estava pensando em sair hoje para comer algo e me distrair um pouco de todo esse estresse da pesquisa, quer vir comigo?
Ingrid pensou e sorriu, por que não?
ㅡ Claro, super topo.
ㅡ Ótimo, saímos às oito, tudo bem para você?
ㅡ Aham ㅡ murmurou animada. ㅡ Agora vou fazer meu cafezim ㅡ cantarolou.
Logo que Manuela deixou o cômodo Ingrid tratou de pegar tudo que precisava para fazer seu café da manhã, afinal o dia estava apenas começando.
☆
ㅡ Como você está hoje? ㅡ a voz de Lars Andreassen soou do outro lado da tela do computador e Matthis revirou os olhos. Não acreditava que o irmão mais velho estivesse realmente interessado em seu bem-estar.
ㅡ Não finja que se importa, Lars, afinal você nunca gostou de mim de verdade. Está tentando fazer o bom papel de irmão mais velho agora por quê? ㅡ sua voz soou em tom de crítica e ataque.
ㅡ Apesar de tudo você ainda é meu irmão e eu me preocupo com você.
Matthis riu com escárnio.
ㅡ Espera que eu acredite? Nenhum de vocês nunca gostou de mim realmente.
ㅡ Não nos culpe por isso, suas atitudes sempre foram bastante questionáveis. Você nunca foi uma pessoa normal, Matthis ㅡ atacou com irritação ㅡ e não faça esse drama que comigo suas manipulações não funcionam mais, não tente culpar outras pessoas por consequências geradas por atitudes exclusivamente cometidas por você.
ㅡ Ora, não enche minha paciência! ㅡ sua voz soou ácida.
O mais velho bufou em insatisfação, era claramente impossível manter um diálogo civilizado com o irmão.
ㅡ Enfim, vou te mandar por e-mail os balancetes de todas as empresas da família referentes a esse mês. Apesar de querer se manter distante dos negócios, ainda é um dos donos e precisa ficar a par de tudo.
ㅡ Ótimo, gosto de saber que não estão me passando para trás.
Conversaram por mais um tempo, discutiram e se atacaram mais do que trocaram palavras civilizadas, contudo nenhum dos dois se importava de fato. Matthis deixou o computador de lado após o fim da videochamada e visualizou sobre a mesa de seu escritório um dos primeiros textos que Ingrid lhe apresentou na primeira reunião e o qual ele desprezou completamente na frente dela.
ㅡ Mal sabe ela que estava perfeito desde o início...ㅡ sussurrou com um sorriso ladino enquanto deslizava seu dedo anelar por seus lábios.
☆
ㅡ A verdade é que ele me confunde. Uma hora ele está com um humor incrível, é espontâneo, desinibido e chega até a ser engraçado e divertido. ㅡ Ingrid disse recordando-se dos momentos que esteve na companhia de Matthis ㅡ mas então do nada tudo muda. Ele detesta ser contrariado e muitas vezes carrega uma arrogância no olhar e parece ter um complexo de superioridade como se ninguém se igualasse a ele.
ㅡ E você não se importa em trabalhar com alguém assim? Eu já teria pulado fora. ㅡ Manuela disse despejando mais cerveja em sua caneca.
ㅡ Uai... ele é somente meu orientador, acho que posso lidar com isso. Mais alguns meses e passaremos para o status de meros desconhecidos. ㅡ rebateu meio sem saber se aquela era uma boa opção enquanto, ao contrário de Manuela, ingeria um coquetel de frutas.
ㅡ Por que eu sinto que não é realmente o que você quer? ㅡ a carioca demonstrou desconfiança em sua voz enquanto mergulhou mais um nacho no queijo derretido e o levou até a boca.
ㅡ Está enganada, Manuela.
ㅡ Talvez, mas eu não te julgaria, afinal ele é lindo, inteligente, culto e rico. Quando você encontrará um combo completo como esse novamente? ㅡ riu sendo acompanhada pela mineira. ㅡ Deveria investir nele.
ㅡ Para quê? Para me chamarem de interesseira? Não, obrigada. ㅡ Sorriu.
ㅡ Isso não é ser interesseira é ser visionária. ㅡ Disse e ambas riram.
ㅡ Antiético...ㅡ Ingrid cantarolou. ㅡ Além do mais eu não sei, ele é tudo isso sim, mas é óbvio que eu não teria chances com ele e mesmo se tivesse não me envolveria.
ㅡ Posso saber o porquê?
ㅡ Ele é bem estranho e volátil, além do mais parece que sempre consegue tudo que quer e não tenho vontade de me envolver com alguém assim, prefiro ficar com os caras de sempre porque sei o que esperar deles.
ㅡ É, você está certa e falando nos caras de sempre tem um rapaz do outro lado do bar sozinho que não para de olhar para você e olha não é tão bonito quanto seu orientador mas é gato também. Aproveita.
Discretamente Ingrid olhou na direção do rapaz, que realmente era muito bonito. De longe percebeu que era alto, possuia um físico legal, um rosto bonito, apesar de não poder enxergar as características da distância onde estava e se vestia muito bem.
A verdade é que Ingrid estava andando estressada nas últimas semanas com a pesquisa e precisava muito relaxar e sexo era sem dúvida uma das melhores opções. Não tinha tabu com relação ao sexo casual, ao contrário, gostava muito e não achava que as pessoas precisavam estar envolvidas romanticamente para transarem, se a química e atração sexual surgissem ela não dispensava. Seus dedos e alguns brinquedos eróticos que têm guardados têm feito um ótimo trabalho a desestressando nas noites solitárias todavia nada se igualava ao contato humano em sua opinião.
ㅡ E ele está vindo para cá e esta é minha deixa, não se preocupe comigo porque também visualizei um cara que me interessou. Boa sorte. ㅡ Manuela sussurrou e Ingrid não teve tempo para processar o que ela havia dito, quando visualizou um copo ser posto em sua mesa e ele parar ao seu lado.
ㅡ Boa noite, posso acompanhá-la em um drink? ㅡ escutou sua voz grossa soar e teve certeza que sentiu todo seu corpo se arrepiar em resposta.
Ela notou quando o dono da voz se materializou à sua frente e percebeu o quão bonito ele era, uma beleza feroz e rígida. Agora de perto conseguia ver as características de seu rosto. Sobrancelhas grossas, olhos negros, lábios grossos e barba cheia, com o cabelo estilo undercut que harmonizava perfeitamente com seu formato de rosto.
Percebeu que ele a encarava à espera de uma resposta e ela assentiu com a cabeça.
ㅡ Claro, fica à vontade. ㅡ indicou a cadeira à sua frente anteriormente ocupada por Manuela.
ㅡ Eu estava te observando desde que entrou no bar com sua amiga ㅡ comentou, fazendo com que ela ficasse com feição confusa ㅡ calma, não sou um maníaco obcecado, apenas fiquei realmente encantado com sua beleza. Gostaria de conhecê-la melhor, se me permitir.
Ingrid não sabia o que responder, pois ainda se encontrava desconcertada com a presença súbita daquele homem. O objetivo de sua noite era apenas se distrair um pouco com Manuela, não tinha a pretensão de conhecer ninguém, mas já que ele estava ali não seria mal educada, até porque que mal teria?
ㅡ Claro, por que não? Sou Ingrid. ㅡ se apresentou esticando a mão em um cumprimento e o visualizou sussurrar seu nome, como se testasse o som, que em sua opinião ficou lindo.
ㅡ Ingrid...ㅡ a encarou ㅡ gosto do som do seu nome saindo dos meus lábios. Muito prazer, Ingrid, me chamo Théo.
ㅡ Digo o mesmo, Théo. Pelo seu sotaque percebo que não é daqui do Rio Grande do Sul, de onde é? ㅡ demonstrou curiosidade.
ㅡ Sou de São Paulo, mas também percebi que você não é daqui...
ㅡ Tem razão, eu sou de Minas.
ㅡ Sério? Eu adoro Minas, já estive lá tantas vezes que já perdi as contas, em minhas últimas férias estive em Capitólio.
ㅡ Nossa, sério? Eu amo Capitólio, já fui duas vezes. ㅡ sorriu animada. Se havia algo que Ingrid gostava de conversar, com certeza era sua terra natal.
ㅡ Mas então, está aqui no Rio Grande do Sul por diversão? ㅡ perguntou curioso enquanto fez um sinal para chamar o garçom.
ㅡ Não, na verdade estou fazendo um mestrado aqui.
A partir disso engataram em diversos assuntos. Ingrid descobriu que Théo tinha vinte e nove anos e era personal trainer e nutricionista. Ela ficou encantada e surpresa pelo fato do papo ter fluído tão bem com ele e quando foi convidada ao fim da noite para ir até o hotel onde ele estava hospedado não se fez de rogada, estava interessada e não via nada de errado com isso, é solteira, livre e independente, e não sabia quando encontraria outro homem como ele, então apenas deu de ombros e deixou o estabelecimento na companhia dele após avisar Manuela.
ㅡ Quantos discos interessantes... ㅡ Ingrid comentou enquanto deslizava os dedos calmamente sobre os mesmoes e ingeria o café presente em sua caneca ㅡ The Beatles, Rolling Stones, Queen...ㅡ São minhas relíquias ㅡ Théo, o rapaz com quem passou a noite disse, enquanto a abraçava por trás. ㅡ Sempre que viajo os carrego comigo, pois a música me faz relaxar.A noite havia sido agradável e satisfatória para ambos, há tempos Ingrid não se sentia tão relaxada. Ela acabou passando a noite no hotel mesmo, pois já estava tarde para voltar para casa.ㅡ Tem um ótimo gosto musical. ㅡ ela expôs se virando para ele e depositou sua caneca sobre a mesa de centro da sala, ficando na ponta dos pés e deixando um bei
Dois meses depoisIngrid ingeriu mais uma xícara de café e encarou a tela do seu notebook com desânimo. Agora que faltava tão pouco para ela finalmente defender sua dissertação parecia que ela teve um bloqueio criativo. Após diversas reuniões com seu orientador, muita leitura, escrita e pesquisa de campo chegou em uma das fases finais da pesquisa, a parte de coleta de dados e levantamento de informações que estava demandando muito de seu tempo.Checou a hora no seu celular e percebeu que ainda tinha tempo até se arrumar para o jantar com Matthis. Sim, seu orientador a convidou para jantar naquela noite e ela aceitou depois de muita insistência dele, o que não foi nenhum sacrifício para ela, afinal ele é bonito, charmoso, extremamente inteligente e engraç
Matthis deixou Ingrid sozinha e desapareceu sem dizer para onde iria. A jovem, no primeiro momento, caminhou de um lado a outro sem saber para onde ir ou o que fazer, então decidiu que não ficaria entediada sem fazer nada, dessa forma começou a tentar jogar nos caca-níqueis, mas não conseguia já que nunca havia jogado na vida.Riu de si mesma e fez menção de deixar a máquina, porém se surpreendeu com a aproximação repentina de um homem desconhecido.ㅡ Precisa de ajuda? Sou um exímio jogador e posso ajudá-la. ㅡ se ofereceu enquanto subia as mangas de sua blusa social. ㅡ Eu estava te observando há algum tempo e percebi que esse não é muito seu forte.A mineira riu novamente.
Matthis percebeu que Ingrid estava estranha na reunião daquele dia.Percebeu isso pois enquanto ele explicava pontos importantes sobre como ela deveria defender sua dissertação, ela parecia distante, poucas vezes comentava algo, o que o estava irritando.— Está tudo bem, Ingrid? — Indagou ao se aproximar cautelosamente dela.Novamente ela estava distante.— Desculpe, senhor Andreassen, não ouvi o que você disse.— É claro que não, está avoada, não está prestando atenção em nada do que estou falando hoje e isso não é bom. Estou lhe dando dicas de como fazer uma defesa memor&a
— Posso ligar o sistema de som do carro? — Ingrid pergunta a Matthis. Já estavam há trinta minutos naquele veículo e o silêncio cortante já estava lhe incomodando. Nenhum dos dois falava nada.Sem tirar os olhos da estrada o norueguês responde de forma direta e curta:— Não! — A garota inicialmente franze o cenho, tentando entender o porquê daquela reação dele, entretanto prefere não dizer nada, o que dá abertura para ele continuar: — Não gosto de nada que me desconcentre enquanto estou dirigindo e música com toda certeza é uma dessas coisas.Ingrid dá de ombros e olha através da janela, proferindo:— Tudo bem!A chuva estava mais forte agora e também fazia um pouco de frio, o que faz a jovem se inclinar e pegar sua mochila no banco de trás do carro, tirando um casaco mais quente de lá. Ao perceber seus movimentos Matthis liga o aquecedor e logo voltam cada um para sua bolha de silêncio.Matthis tinha todo o percurso esquematizado em sua cabeça. Deixaram Porto Alegre às 20:30 da noit
Ingrid despeja café em sua garrafa térmica e encara o relógio de parede localizado na cozinha do apartamento. Duas e meia da manhã. Suspira pesadamente já exausta, entretanto ainda tinha algumas coisas para fazer e não podia ir para a cama ainda. Haviam se passado alguns dias desde a mini viagem que ela fez com Matthis até a vinícola dele e eles se aproximaram muito após isso, entretanto, apesar da tensão sexual e atração ser muito forte da parte de ambos, ainda se mantinham afastados a pedido de Ingrid por causa da ética. Sim, os dois são adultos, solteiros e bem resolvidos, contudo um caso entre professor e aluna sempre será visto com maus olhos e poderia lhes trazer problemas dentro do ambiente universitário caso chegasse ao conhecimento de alguém, mas esse afastamento é apenas até ela terminar o mestrado. Matthis lhe garantiu que quando isso acontecer ele não irá perder mais tempo e a terá para si. Ingrid não entendeu o peso das suas palavras naquele momento, apenas concordou que
— Eu estou muito nervosa. — a voz de Ingrid soa em tom ansioso depois que ela ingere mais um pouco de água da sua garrafinha. O grande dia havia chegado, o dia que defenderia sua dissertação de mestrado.— Não fique, minha filha, você se dedicou tanto para isso, tenho certeza que se sairá muito bem. — sua mãe diz com a mais pura certeza do mundo. A filha havia lhe contado sobre as noites em que passava em claro escrevendo e estudando para a dissertação, ela não tinha dúvidas que ela conseguiria passar com louvor.— Concordo com sua mãe, minha filha. Você está mais do que pronta. — José, seu pai completa.Os pais dela haviam chegado de Minas dias antes a pedido da filha. Para ela era imprescindível a presença deles ali e assim como sempre fizeram ali estavam para apoiá-la.— Obrigada, mãe, obrigada, pai por todo o apoio, eu amo muito vocês.— E nós amamos você, bonequinha. — seu pai a chama pelo apelido de infância apertando a ponta do seu nariz e logo ela lhes indica o auditório onde
— Ainda não consigo acreditar que você vai para outro país, você tem noção do quão bom isso será para sua carreira, Ingrid? — a voz de Manuela soa de forma ansiosa enquanto observa aquela que por dois anos foi sua colega de apartamento arrumar suas coisas.ㅡ Eu sei, mal posso acreditar que eu realmente passei para um doutorado na Noruega. ㅡ Ingrid responde animada, ao passo que termina de dobrar suas roupas e colocar nas malas.Na primeira fase que constituiu na prova de admissão que era de cárater eliminatório, Ingrid foi uma das alunas que obteve uma das melhores notas, o que a fez passar para a segunda fase que foi de seleção por meio de análise de informações acadêmicas e de documentos. Por ter sempre se envolvido nos programas extracurriculares da faculdade durante a graduação, Ingrid possuía um currículo acadêmico impecável para alguém na sua idade e foi uma dentre as três pessoas selecionadas para a vaga no doutorado pleno na Universidade de Bergen, tendo ganhado o primeiro lug