Capítulo 7

Dois meses depois 

Ingrid ingeriu mais uma xícara de café e encarou a tela do seu notebook com desânimo. Agora que faltava tão pouco para ela finalmente defender sua dissertação parecia que ela teve um bloqueio criativo. Após diversas reuniões com seu orientador, muita leitura, escrita e pesquisa de campo chegou em uma das fases finais da pesquisa, a parte de coleta de dados e levantamento de informações que estava demandando muito de seu tempo. 

Checou a hora no seu celular e percebeu que ainda tinha tempo até se arrumar para o jantar com Matthis. Sim, seu orientador a convidou para jantar naquela noite e ela aceitou depois de muita insistência dele, o que não foi nenhum sacrifício para ela, afinal ele é bonito, charmoso, extremamente inteligente e engraçado e a tem conquistado cada dia mais.

Ela tentava afastar todos os sentimentos que surgiram nos últimos meses de convivência que teve com ele, entretanto estava sendo uma árdua tarefa,  pois Matthis não estava facilitando. Sempre que podia a presenteava com algo como flores e bombons, coisas que ela ama, a levava para passeios que segundo ele são para desestressar desse período de execução da dissertação e agora tinha o jantar. Na opinião dela estavam indo longe demais, afinal são professor e aluna, não pegaria bem se descobrissem e ela contou a ele sobre suas inseguranças mas ele não se importou, disse que não havia problema algum e ela não falou mais nada. 

Trabalhou um pouco mais na sua dissertação e quando deu a hora de se preparar para o jantar deixou tudo de lado. 

Seguiu para o banheiro onde se despiu,  logo entrando embaixo da água quente e de imediato sentiu seus músculos relaxarem após um dia demasiado estressante e cansativo.

Lembrou que deveria ligar para os pais antes de sair pois não havia falado com eles ainda naquele dia e era lei, precisava conversar com eles nem que fosse cinco minutos por telefone para saber como estavam. 

Matthis deixou claro que iriam jantar em um lugar muito luxuoso e sofisticado, então para a noite Ingrid escolheu um vestido envelope de seda vermelho com tiras nas costas. Possuía um lindo e discreto decote em forma de coração, alças finas, sendo justo na cintura e quadril e um pouco mais largo nos joelhos, tendo uma fenda frontal como destaque. Um vestido lindo e sexy e que não era curto, entretanto por ser bem alta as pernas longas de Ingrid ficaram em evidência. 

Optou por uma maquiagem discreta dando mais atenção aos olhos, os deixando bem marcados, o que acentuou a cor azul deles, um pouco de base para cobrir algumas imperfeições e para finalizar apenas um lip tint nos lábios, o que os deixou com uma tonalidade natural e nada muito exagerado. Nos pés um salto de tiras vermelho. 

Manuela não estava em casa, contudo Ingrid já a tinha alertado sobre sua saída com seu professor. A carioca ficou visivelmente surpresa e feliz pela amiga. 

Ingrid checou se colocou na bolsa tudo que iria precisar e logo pegou seu celular fazendo uma rápida ligação para seus pais. Quando constatou que estavam bem, ficou aliviada e aguardou pela chegada de Matthis. 

ㅡ Sim, é exatamente uma casa com essas especificações que eu quero, principalmente com um sótão e um porão, isso é indispensável. ㅡ a voz de Matthis soou de maneira autoritária ao se direcionar a sua assistente pessoal ao telefone enquanto observava a paisagem externa da janela de seu escritório. ㅡ Em Bergen, isso mesmo, porque em alguns dias voltarei para a Noruega e não ficarei mais em Oslo e quero encontrar tudo pronto quando eu chegar. Casa de alto luxo e não esqueça que eu irei entrevistar cada um dos empregados que irão me servir. Por enquanto é só, Inger.

Não esperou uma resposta e logo finalizou a chamada. Terminando sua ligação o norueguês retornou seu olhar ao seu visitante. 

ㅡ Foi no poema de Coleridge que o uso do albatroz como metáfora teve a sua origem. Diz-se, em língua inglesa, que alguém com um fardo que se apresenta como um obstáculo para o alcance de seus objetivos tem "um albatroz em torno do pescoço". ㅡ ele disse e sorriu de forma demoníaca enquanto explicava a origem do nome da sua organização criminosa para Pablo, o novo soldado aliado ㅡ Assim como meus inimigos. Quem se atreve a entrar em meu caminho me terá em torno de seu pescoço por um longo tempo, assim como um albatroz, até eu decidir ceifar sua vida ㅡ riu mais um pouco e movimentou mais uma peça no tabuleiro de xadrez ㅡ Mate! ㅡ sorriu de forma vitoriosa ao vencer mais uma partida contra o jovem. 

ㅡ Eu não tenho dúvidas de que a melhor escolha que fiz em minha vida foi me aliar à sua organização, senhor Andreassen. Quero e vou ser um dos seus melhores soldados, tem minha palavra e minha lealdade ㅡ o jovem disse confiante, o que agradou Matthis, tendo em vista que lealdade era uma das coisas que mais prezava nas pessoas. 

Pablo é um ladrão de primeira linha e um ex-soldado franco atirador que foi indicado pelo conselheiro de Matthis para integrar a organização. O conselheiro teceu tantos elogios às habilidades do rapaz que Matthis decidiu checar por conta própria. Entrou em contato com ele quando chegou ao Brasil e cá estavam eles.

ㅡ Bom, muito bom, contudo não sou convencido por palavras, mas sim por ações ㅡ se levantou de sua cadeira e caminhou pelo escritório enquanto dobrava com elegância as mangas de sua blusa social. ㅡ O que quer dizer que sua palavra não me vale de nada, até que você a cumpra ㅡ demonstrou seriedade e Pablo engoliu seco. Sabia muito bem, por ouvir do seu pai que também era integrante da organização, que Matthis Andreassen era o próprio demônio na terra e que ficar contra ele era a pior escolha que alguém poderia fazer. 

ㅡ Tenha certeza, senhor que sei o meu destino aqui. Será servir a máfia albatroz até minha morte ㅡ assegurou, o encarando nos olhos e o norueguês sentiu confiança em sua fala. 

ㅡ Ótimo, rapaz. É melhor, muito melhor ficar do meu lado do que contra mim ㅡ deu uns tapas nas suas costas ㅡ precisarei ir a um dos meus cassinos agora mesmo, vou levar uma bela moça para jantar, gostaria de me acompanhar e conhecer tudo? ㅡ perguntou, já estava pronto para sair e Pablo ficou surpreso. 

ㅡ Claro que sim ㅡ demonstrou ansiedade em sua fala, pois dificilmente um novo soldado conquistava a confiança do chefe tão rápido. 

O que ele não sabia é que, obviamente, Matthis não confiava nele. Estava apenas testando sua lealdade como faz com qualquer novo soldado. 

ㅡ Tudo bem então, irei buscar minha acompanhante e nos encontramos lá.

Ingrid deu uma última olhada no espelho ao ouvir a campainha do apartamento soar e pegou sua bolsa carteira logo caminhando até a porta. Engoliu um suspiro admirado ao ver seu professor parado no batente da porta vestido de forma muito elegante. Parecia uma pessoa inalcançável.

Ele a olhou de cima a baixo com dois olhares que ela não conseguiu decifrar, mas que ele poderia explicar muito bem, um olhar de um predador que estava diante de sua presa e outro questionador acerca de suas vestes.

ㅡ Está pronta? ㅡ indagou com dúvidas enquanto não parava de olhar seu vestido de cima a baixo.

ㅡ Sim, vamos? ㅡ fez menção de deixar o apartamento, porém ele segurou em seu braço impedindo mais algum movimento. ㅡ O que foi?

— Não quer colocar um casaco? 

Ela o encarou confusa. É óbvio que ela não queria colocar um casaco, a peça tiraria todo o deslumbre do vestido.

— Eu estou bem assim . ㅡ disse dando de ombros e ele se enrijeceu.

— Tem certeza? Estou dizendo isso porque está frio e não quero que fique doente. ㅡ expôs e ela o encarou com um sorriso, era bom saber que ele tinha esse zelo por ela e se preocupava.

ㅡ Tudo bem, então, me dê um minuto.ㅡ pediu e ele assentiu com a cabeça enquanto um sorriso vitorioso dançava por seus lábios. Logo ela voltou ao interior do apartamento onde vestiu um casaco, retornando minutos depois.

ㅡ Assim está bem melhor, você está perfeita. ㅡ Matthis afirmou e segurou em sua mão a guiando para fora do apartamento. No estacionamento entraram no carro de luxo dele e seguiram rumo ao Ginza.

Fazia mais de setenta anos que os cassinos foram fechados e proibidos no Brasil, pois de acordo com o presidente da época iam contra a moral e os bons costumes, todavia não seria um decreto que impediria Matthis, que já vivia fora da lei, de abrir um. Ele só precisava molhar a mão das pessoas certas e voilá, tinha tudo que queria. 

O cassino Ginza, um dos diversos dos quais o mafioso é dono, está localizado em um bairro requintado onde se encontrava de tudo, tudo mesmo, desde malas Louis Vuitton, armas, pornografia, falsos certificados de licenciatura, toneladas de maconha, obviamente muita pirataria e um local cujo lema é: Tudo pode ser barato, roubado, falsificado, porém nada proibido. Era literalmente um submundo do crime que por estar localizado em um bairro nobre não atraia a desconfiança de ninguém e se desconfiassem Matthis fazia questão de molhar a mão da pessoa que descobriu tudo ou calar a pessoa para sempre, a escolha era unicamente dela. 

O cassino fica dentro de um hotel do mais alto luxo, que obviamente também pertence a Matthis, estando aberto para visitantes frequentarem seus restaurantes, piscinas e atrações temáticas. 

Várias câmeras com sistemas de zoom e reconhecimento facial gravam tudo o tempo todo. Se um trapaceiro é pego, é levado para ver as gravações e, então, entregue nas mãos da máfia tendo apenas um destino: a morte. No Ginza há até especialistas em leitura labial para checar se alguém está trapaceando. Matthis não aceita esse tipo de coisa. Aqueles que tentaram não vagam mais pela terra para contar a história.

O local é todo projetado para estimular as apostas. Só há cadeiras nas mesas de jogo ou junto das máquinas. As paredes não têm janelas nem relógios, para que o jogador perca a noção de tempo. E as cores predominantes, o vermelho e o preto, tornam o local aconchegante e desafiador. 

Além do cassino há também o espaço reservado para a prostituição e estas mulheres que fazem os programas estão ali por livre e espontânea vontade. As jovens que ali trabalham buscam o local em última instância, mas algumas acabam ficando a vida toda, principalmente as acompanhantes de luxo que recebem muito bem por seus serviços.

Carros de luxo encontravam-se estacionados em frente ao lugar e pessoas vestidas impecavelmente circulavam pelo recinto. Garçons serviam bebidas por todo lado e uma orquestra tocava uma música ao violino. 

— Bem-vindos ao lado sombrio do Ginza. Um parque obscuro onde os indefesos se perdem facilmente e os predadores ficam e brincam — as pessoas no recinto ouviam a voz de um homem vestido impecavelmente em um smoky em um microfone, o que era de praxe no local. 

Matthis mostrou todas as dependências do cassino para Ingrid, desde o salão de jogos até o bar do estabelecimento e outros espaços até que finalmente foram jantar.

— Estou impressionada — ela comentou olhando ao redor — É tudo tão luxuoso… 

— Obviamente, não aceito menos que isso. É por isso que a maioria dos frequentadores pertencem à elite. Temos policiais, juízes, promotores, políticos… gente do mais alto escalão ㅡ disse com um brilho de ganância no olhar. 

Ingrid ficou inicialmente assustada ao perceber que ele a levou a um cassino, mas jogou as preocupações fora ao perceber a elegância do local. Ela sabia que era ilegal e pediu que ele a levasse embora, mas ele garantiu que nada de ruim aconteceria e ela decidiu ceder.

Como o norueguês previu, o lugar estava bastante movimentado. A clientela não variava muito em termos de posição social, econômica, estilo e temperamento. Havia uma hierarquia, no entanto o lugar não discriminava ninguém. Qualquer um poderia frequentar o espaço, desde que pagassem pelo uso de algo, por isso era muito comum encontrar mafiosos acompanhados de prostitutas e companhias de luxo. 

Um pouco mais tarde, o cassino já estava lotado. Todos bebiam e se divertiam como se não houvesse amanhã. 

ㅡ Estou adorando tudo por aqui. ㅡ Ingrid comentou com um brilho no olhar e Matthis a analisou. Em sua mente não imaginava que alguém poderia se impressionar por tão pouca coisa, isso era algo que teria que mudar nela. Se seus planos se concretizassem, ele não queria ter uma plebeia ao seu lado, teria um árduo trabalho em lapidá-la ao seu modo.

Mais tarde ele a deixou jogando nos caça-níqueis e foi dar uma olhada na contabilidade. Não é porque não estava sempre presente que não tinha seus olhos e ouvidos bem abertos.

Ele estava concentrado em encontrar os devedores do lugar, pois não deixaria ninguém lhe passar a perna. Um devedor em particular despertou sua atenção. Um importante juiz de Porto Alegre, que já acumulou diversas promissórias, que o mafioso encontrou assinadas, porém vencidas. Como seu gerente não viu isso? Esse foi seu primeiro pensamento. Iria resolver a questão naquele mesmo instante, porém algo o parou. 

ㅡ Senhor Andreassen ㅡ Miranda, uma mulher que foi contratada para supervisionar as garotas de programa se aproximou ㅡ A garota está dando à luz. 

Isso fez Matthis se recordar da jovem garota que, por estupidez, ficou grávida de um dos clientes. Sem escolhas deixou o problema do devedor para depois e seguiu Miranda. Era hora de acabar com aquele assunto.

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