ㅡ Quantos discos interessantes... ㅡ Ingrid comentou enquanto deslizava os dedos calmamente sobre os mesmoes e ingeria o café presente em sua caneca ㅡ The Beatles, Rolling Stones, Queen...
ㅡ São minhas relíquias ㅡ Théo, o rapaz com quem passou a noite disse, enquanto a abraçava por trás. ㅡ Sempre que viajo os carrego comigo, pois a música me faz relaxar.
A noite havia sido agradável e satisfatória para ambos, há tempos Ingrid não se sentia tão relaxada. Ela acabou passando a noite no hotel mesmo, pois já estava tarde para voltar para casa.
ㅡ Tem um ótimo gosto musical. ㅡ ela expôs se virando para ele e depositou sua caneca sobre a mesa de centro da sala, ficando na ponta dos pés e deixando um beijo em seus lábios.
ㅡ E você? Gosta de que tipo de música? ㅡ ele demonstrou curiosidade e interesse. Há tempos não se sentia tão entusiasmado sobre uma pessoa e a mulher à sua frente definitivamente era alguém que chamou sua atenção.
ㅡ Gosto do bom e velho MPB. Cresci ouvindo Tom Jobim, Chico Buarque, a incrível Elis Regina, Cazuza... enfim ㅡ deu de ombros ㅡ tive uma infância espetacular com ótimas influências artísticas.
ㅡ Consigo perceber isso. ㅡ ele sorriu de modo acolhedor.
Ingrid passou parte da manhã com Théo e não se arrependeu de nada, pelo contrário. No final ele fez questão de levá-la para casa e trocaram contatos para quem sabe saírem novamente.
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ㅡ Então, de 0 a 10 o quão boa foi sua noite? ㅡ Manuela perguntou com curiosidade enquanto observava a colega de apartamento pintando a parede do quarto. Ingrid sentia que o tom rosa pastel não combinava mais com sua personalidade, então investiu em um vermelho intenso.
ㅡ Oito. ㅡ sorriu de modo ladino enquanto ajeitava os jornais no chão para que não caísse tinta no mesmo.
ㅡ Uau, então esse Théo é bom mesmo no que faz. O último lembro que você deu um seis. ㅡ riu enquanto descascava uma laranja e a observava trabalhar nas paredes.
ㅡ Sim, além de apaixonante ele é muito intenso e é mente aberta o que o levou a topar quase tudo que sugeri na cama, o que me surpreendeu. Não é todo dia que encontramos alguém assim. ㅡ Disse misteriosa e ambas riram.
ㅡ Ele é tão interessante assim que te fez esquecer o Matthis? ㅡ Manuela não se controlou e perguntou.
ㅡ De novo esse assunto? Tudo que tinha para ser falado nós já conversamos, Manu. Além dele ser um homem digamos que estranho, ainda é meu orientador, o que vai totalmente contra a ética da instituição. Imagina se tivéssemos algum envolvimento e chegasse à reitoria? Não quero nem imaginar as consequências.
ㅡ Não vejo problema algum, ambos são adultos e sabem muito bem o que fazem.
ㅡ Só aceitaria me envolver com ele depois que esse vínculo professor / aluna fosse quebrado, fora isso não. ㅡ disse séria e Manuela deu de ombros.
ㅡ Tudo bem, não está mais aqui quem falou.
Terminando a pintura do quarto, Ingrid adentrou o banheiro e tomou um longo banho para remover os vestígios de tinta que se impregnaram em seu corpo. Tinha três horas antes da sua reunião de orientação com Matthis e pretendia ir antes ao supermercado do centro da cidade, pois precisava abastecer o apartamento com produtos alimentícios, já que tudo que ela e Manuela possuíam na geladeira era água, cerveja e restos de uma pizza portuguesa que compraram no dia anterior para o almoço.
Ao terminar de se arrumar, pegou sua carteira e as chaves do carro de Manuela e saiu de casa rumo ao centro. O carro era usado apenas para situações emergenciais, já que a gasolina não estava nada barata. Como Ingrid faria uma compra grande, precisava do veículo para transportar as compras até em casa.
Concentrando-se na estrada, ela dirigiu calmamente, até que chegou ao supermercado.
Enquanto caminhava pelos corredores empurrando um carrinho, ela encarava a lista que ela e Manuela fizeram para não se esquecer de nada e realizou a tarefa de forma organizada. Produtos de limpeza, higiene, absorventes, alguns enlatados, bastante frutas, verduras e legumes, enfim, tudo de que necessitam, ainda mais agora que Manuela resolveu levar uma vida mais saudável.
Passou tudo pelo caixa eletrônico e efetuou o pagamento, adicionando uma caixinha de chicletes de menta, o qual logo mastigou um. Levou as compras para o carro com a ajuda de um carregador do supermercado e logo fez o retorno. Ainda precisava arrumar todas as compras e se preparar para ir até o campus da universidade para a orientação.
Durante seu retorno iniciou-se uma chuva, o que fez Ingrid questionar se apenas chovia naquela cidade. Sentia falta do clima de Minas, afinal.
Quando chegou em casa guardou as compras em seus devidos lugares e se preparou para sair para sua orientação da dissertação.
☆
ㅡ Madame Bovary? Não imaginava que se interessava por esse tipo de literatura. ㅡ Ingrid comentou ao visualizar o livro de autoria de Gustave Flaubert sobre a mesa de Matthis.
Ele a encarou misterioso.
ㅡ Eu disse que gostava dos livros polêmicos e esse sem dúvidas é um deles. Tem temas como: adultério, consumo exagerado, usura, descontrole financeiro, hipocrisia dos relacionamentos, enfim, temas que no século XIX causavam furor. ㅡ segurou o livro em mãos e a encarou enquanto citava um dos seus trechos preferidos: ㅡ “O amor, conforme acreditava, devia chegar de repente, com grandes tumultos e fulgurações – furacão dos céus que desaba sobre a vida, transtorna-a, arranca as vontades como folhas e arrasta o coração inteiro para o abismo.”
ㅡ É nisso que acredita? ㅡ ela perguntou com curiosidade dançando em seu olhar.
ㅡ Eu não acredito em amor, Ingrid. ㅡ sorriu com zombaria ㅡ mas algumas pessoas ao meu redor que dizem ter sentido esse sentimento narraram algo parecido. Amaram com loucura alguém para no final serem arrastados a um abismo, enfim, é algo que chega do nada e faz um grande estrago.
ㅡ Sabe no que acredito?
ㅡ Tenho curiosidade em saber.ㅡ fixou o olhar no dela enquanto aguardava ela apresentar seu ponto de vista.
ㅡ Eu acredito que o amor é sim real, mas precisa ser recíproco. No fim é um sentimento tão forte quanto qualquer outro, ódio, raiva, ou seja, é algo que consome o ser humano se vivido de verdade.
Ele a encarou surpreso.
ㅡ Interessante seu ponto de vista. A propósito, já leu esse livro?
ㅡ Já sim, um livro bastante criticado pela igreja católica e pelos conservadores da época, achavam que poderia influenciar no comportamento e costumes daqueles que o consumiam.
ㅡ Ainda mais do público feminino.ㅡ ele disse em tom de crítica enquanto caminhava pela sala e ela o encarou confusa.
ㅡ Por que o público feminino especificamente?
ㅡ Foi a partir do século XIX que as mulheres passaram a integrar cada vez mais o público de leitores e vocês são altamente influenciáveis, gostam de fantasiar as coisas e são vulneráveis.
ㅡ Bom não pode culpá-las. A vida das mulheres no século XIX não era fácil, passavam por humilhações, traições, violência doméstica... a leitura foi uma forma de fazê-las serem transportadas para novos mundos.
ㅡ E então o mundo real foi tomado pela ficção ㅡ a encarou com um sorriso sedutor ㅡ a senhorita tem toda razão, é a mulher mais linda e inteligente que já tive a sorte de conhecer.
Ingrid o olhou de maneira surpresa por sua súbita mudança. Era fato, ele a confundia com suas constantes mudanças de humor e seu jogo de palavras, mas ao mesmo tempo um sorriso involuntário surgiu em seus lábios pelos elogios destinados à ela.
ㅡ Agora deixemos a literatura de lado e voltemos aos números. ㅡ Ele continuou.
Enquanto Ingrid voltava a atenção para os artigos que ele lhe trouxe, ele a encarava com um brilho obscuro no olhar.
Cinco meses...
Matthis fazia a contagem regressiva do tempo que faltava para alcançar seu intento. Em cinco meses Ingrid defenderia sua dissertação, na melhor das hipóteses seria aprovada, mas na mente possessiva e controladora de Matthis o vínculo entre eles não se quebraria, ao contrário, se fortaleceria. O norueguês tinha grandes planos para a brasileira, grandes planos.
Ao final da reunião Ingrid se dirigiu à saída e saiu porta afora, percebendo que a chuva estava mais forte do que quando chegou à instituição.
ㅡ Carona? ㅡ escutou a voz de Matthis atrás de si e o encarou. Ele parecia inabalável com sua postura altiva.
ㅡ Ahh... não, não é o seu caminho. ㅡ disse recordando-se que ele morava bem distante do seu apartamento. Não o faria sair de sua rota só para levá-la em casa.
ㅡ Essa chuva não vai passar tão cedo e não me custa nada, vamos lá. ㅡ insistiu.
Ingrid pensou um pouco.
ㅡ Tudo bem, eu aceito.
Caminharam até o carro de luxo dele e em instantes se encontravam em movimento pelas ruas, que se mantinham pouco movimentadas.
Um raio riscou o céu durante o temporal, porém Matthis prosseguiu dirigindo rumo ao apartamento dela sem se abalar.
ㅡ Não deveria andar sozinha por aí à noite, Ingrid, mas principalmente deveria tomar cuidado com suas companhias, sobretudo as masculinas. ㅡ a voz de Matthis quebrou o silêncio desconfortável que se instalou e ela o encarou confusa.
ㅡ O que quer dizer com isso?
Ele deu de ombros sem tirar os olhos da estrada.
ㅡ Nada, são apenas conselhos. ㅡ disse como quem não queria nada e ela permaneceu o encarando sem entender aquela fala.
ㅡ Pode me explicar?
ㅡ Se você for esperta vai entender o que estou falando e vai seguir meu conselho. ㅡ a olhou rapidamente e desviou o olhar voltando para a direção. Ingrid pensou um pouco, mas nada lhe veio à cabeça, deu de ombros e esperou até ele chegar ao seu apartamento, o que não demorou muito.
ㅡ Obrigada pela carona. ㅡ ela agradeceu, recolhendo suas coisas e se preparando para deixar o carro.
ㅡ Não tem de quê. Ahh última coisa ㅡ expôs e o olhar dela se fixou no dele. Ele se aproximou lentamente sem desviar o olhar do dela, que sentiu-se corar pela primeira vez na vida. Ele se inclinou e ela não soube o que fazer, de repente escutou um click e percebeu que ele fez toda aquela ação apenas para destravar a porta do carro.
ㅡ Boa noite, Ingrid e não se esqueça do que te falei. ㅡ sussurrou em seu ouvido e aspirou seu cheiro.
Ela se afastou rapidamente e ele sorriu.
Deixou o carro e logo o visualizou sumir do seu campo de visão, a deixando confusa sobre o que aconteceu ali.
Dois meses depoisIngrid ingeriu mais uma xícara de café e encarou a tela do seu notebook com desânimo. Agora que faltava tão pouco para ela finalmente defender sua dissertação parecia que ela teve um bloqueio criativo. Após diversas reuniões com seu orientador, muita leitura, escrita e pesquisa de campo chegou em uma das fases finais da pesquisa, a parte de coleta de dados e levantamento de informações que estava demandando muito de seu tempo.Checou a hora no seu celular e percebeu que ainda tinha tempo até se arrumar para o jantar com Matthis. Sim, seu orientador a convidou para jantar naquela noite e ela aceitou depois de muita insistência dele, o que não foi nenhum sacrifício para ela, afinal ele é bonito, charmoso, extremamente inteligente e engraç
Matthis deixou Ingrid sozinha e desapareceu sem dizer para onde iria. A jovem, no primeiro momento, caminhou de um lado a outro sem saber para onde ir ou o que fazer, então decidiu que não ficaria entediada sem fazer nada, dessa forma começou a tentar jogar nos caca-níqueis, mas não conseguia já que nunca havia jogado na vida.Riu de si mesma e fez menção de deixar a máquina, porém se surpreendeu com a aproximação repentina de um homem desconhecido.ㅡ Precisa de ajuda? Sou um exímio jogador e posso ajudá-la. ㅡ se ofereceu enquanto subia as mangas de sua blusa social. ㅡ Eu estava te observando há algum tempo e percebi que esse não é muito seu forte.A mineira riu novamente.
Matthis percebeu que Ingrid estava estranha na reunião daquele dia.Percebeu isso pois enquanto ele explicava pontos importantes sobre como ela deveria defender sua dissertação, ela parecia distante, poucas vezes comentava algo, o que o estava irritando.— Está tudo bem, Ingrid? — Indagou ao se aproximar cautelosamente dela.Novamente ela estava distante.— Desculpe, senhor Andreassen, não ouvi o que você disse.— É claro que não, está avoada, não está prestando atenção em nada do que estou falando hoje e isso não é bom. Estou lhe dando dicas de como fazer uma defesa memor&a
— Posso ligar o sistema de som do carro? — Ingrid pergunta a Matthis. Já estavam há trinta minutos naquele veículo e o silêncio cortante já estava lhe incomodando. Nenhum dos dois falava nada.Sem tirar os olhos da estrada o norueguês responde de forma direta e curta:— Não! — A garota inicialmente franze o cenho, tentando entender o porquê daquela reação dele, entretanto prefere não dizer nada, o que dá abertura para ele continuar: — Não gosto de nada que me desconcentre enquanto estou dirigindo e música com toda certeza é uma dessas coisas.Ingrid dá de ombros e olha através da janela, proferindo:— Tudo bem!A chuva estava mais forte agora e também fazia um pouco de frio, o que faz a jovem se inclinar e pegar sua mochila no banco de trás do carro, tirando um casaco mais quente de lá. Ao perceber seus movimentos Matthis liga o aquecedor e logo voltam cada um para sua bolha de silêncio.Matthis tinha todo o percurso esquematizado em sua cabeça. Deixaram Porto Alegre às 20:30 da noit
Ingrid despeja café em sua garrafa térmica e encara o relógio de parede localizado na cozinha do apartamento. Duas e meia da manhã. Suspira pesadamente já exausta, entretanto ainda tinha algumas coisas para fazer e não podia ir para a cama ainda. Haviam se passado alguns dias desde a mini viagem que ela fez com Matthis até a vinícola dele e eles se aproximaram muito após isso, entretanto, apesar da tensão sexual e atração ser muito forte da parte de ambos, ainda se mantinham afastados a pedido de Ingrid por causa da ética. Sim, os dois são adultos, solteiros e bem resolvidos, contudo um caso entre professor e aluna sempre será visto com maus olhos e poderia lhes trazer problemas dentro do ambiente universitário caso chegasse ao conhecimento de alguém, mas esse afastamento é apenas até ela terminar o mestrado. Matthis lhe garantiu que quando isso acontecer ele não irá perder mais tempo e a terá para si. Ingrid não entendeu o peso das suas palavras naquele momento, apenas concordou que
— Eu estou muito nervosa. — a voz de Ingrid soa em tom ansioso depois que ela ingere mais um pouco de água da sua garrafinha. O grande dia havia chegado, o dia que defenderia sua dissertação de mestrado.— Não fique, minha filha, você se dedicou tanto para isso, tenho certeza que se sairá muito bem. — sua mãe diz com a mais pura certeza do mundo. A filha havia lhe contado sobre as noites em que passava em claro escrevendo e estudando para a dissertação, ela não tinha dúvidas que ela conseguiria passar com louvor.— Concordo com sua mãe, minha filha. Você está mais do que pronta. — José, seu pai completa.Os pais dela haviam chegado de Minas dias antes a pedido da filha. Para ela era imprescindível a presença deles ali e assim como sempre fizeram ali estavam para apoiá-la.— Obrigada, mãe, obrigada, pai por todo o apoio, eu amo muito vocês.— E nós amamos você, bonequinha. — seu pai a chama pelo apelido de infância apertando a ponta do seu nariz e logo ela lhes indica o auditório onde
— Ainda não consigo acreditar que você vai para outro país, você tem noção do quão bom isso será para sua carreira, Ingrid? — a voz de Manuela soa de forma ansiosa enquanto observa aquela que por dois anos foi sua colega de apartamento arrumar suas coisas.ㅡ Eu sei, mal posso acreditar que eu realmente passei para um doutorado na Noruega. ㅡ Ingrid responde animada, ao passo que termina de dobrar suas roupas e colocar nas malas.Na primeira fase que constituiu na prova de admissão que era de cárater eliminatório, Ingrid foi uma das alunas que obteve uma das melhores notas, o que a fez passar para a segunda fase que foi de seleção por meio de análise de informações acadêmicas e de documentos. Por ter sempre se envolvido nos programas extracurriculares da faculdade durante a graduação, Ingrid possuía um currículo acadêmico impecável para alguém na sua idade e foi uma dentre as três pessoas selecionadas para a vaga no doutorado pleno na Universidade de Bergen, tendo ganhado o primeiro lug
Ingrid terminava de ler avidamente mais uma página de um dos muitos livros que Matthis lhe dera, o alquimista de Paulo Coelho. Ele possuía milhares e milhares de livros na enorme biblioteca de sua casa e lhe deu total acesso à mesma, isso porque ele passa muito tempo fora e como as aulas dela ainda não começaram era uma forma de não fazê-la se sentir entediada enquanto ficava ‘’presa’’ na residência.Ela já estava a alguns dias na Noruega e como era de se esperar ainda não se acostumou com o país. Os costumes, o clima, a gastronomia eram muito diferentes das do seu amado Brasil, mas ela não reclama, pois sabe que em algum momento irá se acostumar. Matthis tem sido incrível em sua vida. Quando está em casa os dois ficam conversando por horas a fio sobre as coisas que já aconteceram na vida de cada. Ele a trata muito bem e a tem levado para conhecer vários pontos turísticos da cidade, sobre isso não há o que reclamar, por outro lado, uma coisa que a incomoda é o fato de que os emprega