Dois anos atrás, eu facilmente poderia dizer que minha vida estava perfeita. Tinha um marido carinhoso, morava num apartamento espaçoso e confortável, juntos lideramos uma empresa mediana e estávamos planejando nosso primeiro filho. Até que, do nada, a minha vida virou uma completa bagunça.
Numa noite, meu marido chegou completamente bêbado e encharcado de chuva em casa, passou direto por mim, que assistia na sala, e entrou no escritório, fechando as portas às suas costas. Não entendi nada na hora, e fiquei ainda mais confusa quando ouvi o barulho de coisas se quebrando, era como se ele estivesse destruindo tudo lá dentro.
— Wolfgang... o que está acontecendo?
Questionei confusa enquanto me aproximava da porta, a abri com cautela, temendo que algo fosse jogado em minha direção e caminhei pelo escritório olhando o estrago que seu pequeno surto de raiva havia causado. Havia papéis espalhados pelo chão, e vidro quebrado por toda parte, era como se ele tivesse extravasado sua frustração tentando destruir o escritório.
Ele não respondeu, nem olhou para mim, ao invés disso, continuou dando socos na parede de gesso que, aos poucos, começava a se tingir de vermelho.
— Como caralh*s isso aconteceu? Wolfgang pareceu perguntar a si mesmo.
Fez uma pequena pausa, respirando fundo e espaçou as mãos na parede, mostrando o quanto estavam machucadas. Seus cabelos loiros tão bonitos estavam bagunçados e o penteado comumente puxado para trás, estava desfeito, e os fios escorriam por seu rosto em uma franja lisa que cobria parte de seus olhos azuis, mantendo uma sombra obscura sobre eles.
— Do que você está falando? Tornei a perguntar, dessa vez, tomando coragem para me aproximar e tocar seu ombro. – Você está me assustando...
— Nós falimos, Christine! Ele finalmente respondeu com a voz rouca.
E então, deu um último soco na parede, mas desta vez um forte estalo ecoou pelo cômodo, mostrando que ele havia quebrado algo. Tapei minha boca para não gritar ao ouvir aquilo, a situação havia saído completamente do controle, em seguida, retirei minha blusa apressada e a usei para cobrir sua mão que sangrava tanto que estava pingando no carpete.
Praticamente o arrastei para dentro do banheiro, procurando pelo kit de primeiros socorros. Eu sabia que precisávamos ir a um hospital, mas por enquanto, fiz o meu melhor para limpar os machucados e cobrir com uma atadura.
– Espera um pouco... – Pedi, tendo a impressão de poder ouvir meus batimentos cardíacos acelerados, corri para o quarto, vesti a primeira blusa que encontrei e peguei minha bolsa.
Quando voltei, ele parecia bem pálido o que me deixou mais preocupada ainda, passei um de seus braços por sobre meu ombro e o ajudei a se levantar, carregando-o meio aos trancos para o carro. Wolfgang ficou mudo durante todo o caminho, nem mesmo reclamava de dor, e isso era o que mais me preocupava: vê-lo guardado tudo para si daquele jeito.
No hospital, ele foi atendido rapidamente na ala de emergência, e assim como previsto, uma cirurgia era necessária. Fui obrigada a aguardar na sala de espera, agonizando a cada minuto que passava, olhei para minhas próprias mãos que ainda estavam sujas de sangue e fiquei ainda mais angustiada. Quando não aguentei mais fui até o banheiro para lavá-las, e enquanto andava pelo corredor, tive a impressão de passar por um homem muito parecido com Wolfgang, olhei para trás surpresa, mas não tive coragem de chamar sua atenção pois, ele estava ao telefone.
Dentro do banheiro, esfreguei minhas mãos várias vezes, observando com a visão embaçada pelas lágrimas a água misturada ao sangue descendo pelo ralo, suspirei erguendo a cabeça e fitei meu reflexo, percebendo que estava uma bagunça. Tentei sorrir, dizendo a mim mesma que ele ficaria bem e lavei o rosto, aproveitando para prender corretamente meus cabelos longos.
Quando voltei à sala de espera, o homem já havia sumido, mas notei uma enfermeira remexendo em alguns prontuários na receção. Me aproximei e perguntei sobre o estado de Wolfgang, ela pareceu confusa ao ouvir o nome dele, mas foi gentil e procurou no sistema de pacientes.
– O paciente foi transferido... - Ela respondeu depois de alguns minutos.
— O que? Questionei surpresa e exasperada ao mesmo tempo. – Eu sou a esposa dele, porque não fui consultada sobre isso? Para onde ele foi transferido?
– Desculpe, não tenho acesso a informações confidenciais como essas... - A enfermeira explicou parecendo desconcertada.
Ao ouvir isso, senti uma forte pontada de enxaqueca que quase me fez cair no chão ali mesmo, me segurei no balcão, com uma das mãos e cobri o rosto com a outra. Eu havia estudado um pouco de enfermagem na escola, então sabia que estava entrando em choque, então, tentei me acalmar, mas não consegui. E logo, cai em prantos.
- Porque isso está acontecendo comigo? Perguntei a mim mesma, soluçando enquanto era amparada pela enfermeira.
Devo ter desmaiado em algum momento, pois, quando acordei, estava deitada num leito hospitalar, e antes mesmo que pudesse processar toda aquela situação ouvi meu celular vibrando ao meu lado, o peguei e percebi que era uma chamada do número de Wolfgang.
Infelizmente, era um homem desconhecido do outro lado da linha, sua voz áspera possuía um sotaque alemão carregado, e ele nem sequer se apresentou antes de começar a falar com grosseria:
– Christine, preste atenção, porque não falarei mais de uma vez... – Afirmou categórico, e com certo tom de agastamento. – A família está encerrando o compromisso, logo os documentos do divórcio serão enviados.
Pisquei algumas vezes, tentando entender o que estava acontecendo.
– Escuta, talvez seja um engano... – Murmurei fazendo um grande esforço para não acabar gaguejando. – Onde Wolfgang está?
– Apenas esqueça-o, o apartamento é seu, veja-o como um presente de despedida! O homem respondeu, sua voz tinha um tom malícia, como se estivesse debochando da minha situação. - Não precisa fingir, sei o que mulheres como você querem.
– Isso já está passando dos limites! Exclamei, minha voz aumentando alguns tons, nervosa de raiva. - Porque você está com o celular de Wolfgang?
Não houve resposta, ele havia encerrado a ligação. Disquei o número, tentei ligar novamente para meu marido, mas dessa vez não houve resposta, ao que parecia, ele havia desligado o celular.
– Por favor espere um pouco... - A enfermeira pedia exasperada, parada em frente à porta do quarto. – A senhora não pode sair assim, não nesse estado. Tudo o que ela falava apenas entrava num ouvido e saia pelo outro, estava mais interessada em enfiar minhas coisas dentro da minha bolsa, incluindo os exames que nem foram abertos. Depois, me virei para a encarar com seriedade, uma expressão que dizia: "ou você sai, ou te tiro daí a força", vi seus joelhos tremerem e então, ela se afastou, me deixando ir embora do hospital. Estava furiosa e indignada, não podia acreditar em como todo mundo estava lidando com aquela situação. Não bastava aquele bastard* esnobe ter me tratado como uma vagabund* ao telefone, mas também, percebi que o hospital continuava resistente em me dar informações sobre meu próprio marido. Segui a passos firmes pelos corredores até chegar ao estacionamento, mas quando entrei no carro, e me vi sozinha novamente, irrompi em outra crise de choro, batendo no volante e g
Depois da conversa, trocamos mais algumas palavras e então, ambos seguimos nossos rumos. Quando finalmente me vi dentro do meu carro, sentei no banco do motorista e fechei os olhos enquanto jogava a cabeça para trás. Eu não conseguia parar de pensar nas palavras daquele homem grosseiro, tentava encontrar algum sentindo a mais nelas, mas somente chegava à conclusão de que vivi uma mentira todo aquele tempo.De repente, lembrei do monopólio que havia saldado a nossa dívida, e resolvi pesquisar sobre eles na internet. Era óbvio que toda a informação contida naqueles artigos passava por uma espécie de censura, que escolhia o que era ou não útil para eles na mídia, como de praxe para famílias tão ricas. Depois de ler um pouco, encontrei uma entrevista recente com o dir
Acordei sentindo uma mão calorosa segurando a minha, e me deparei com Carlota dormindo na cadeira ao lado do meu leito numa posição que parecia muito desconfortável enquanto se reclinava sobre o meu leito. Nos conhecemos na faculdade, e como tínhamos muito em comum, nos tornamos grandes amigas.Depois de um tempo, seus olhos se abriram e quando me encarou, lágrimas começaram a escorrer enquanto me olhava com surpresa, e então, me abraçou.– Espera... tá me sufocando! Reclamei com minha voz rouca.– Como está se sentindo? Ela perguntou quando se afastou um pouco.– Desorientada, eu acho... - Murmurei olhando para as minhas
Os papéis do divorcio chegaram na manhã seguinte. Eu não assinei nenhum deles de imediato, na verdade, passava o tempo sentada apenas olhando para eles. Li e reli aquelas malditas folhas algumas dezenas de vezes, as cláusulas eram claras e não havia espaço para nenhuma reivindicação, muito menos a possibilidade de conciliação, o tipo de documento redigido pela mente fria e calculista de uma advogado. Em resumo, eu ficaria com o apartamento, que inclusive já havia sido transferido para o meu nome, alguma quantia considerável de dinheiro, e mais nada, não poderia recorrer aos danos morais do abandono, muito menos, entrar em contato com ele ou sua família. Basicamente, eu era um problema do qual eles queriam se livrar o mais rápido possível. Isso eu já havia entendido, porém, havia algo de estranho nessa situação pois, Wolfgang continuava sem se pronunciar, e mesmo que eles tivessem total poder sobre a mídia, ela estava muito quieta. Não era como se eu fosse uma pessoa difícil de encon
O lugar estava exatamente como eu me lembrava. Pelo campo a fora, podia ver algumas poucas macieiras que resistiram ao tempo, carregadas de maçãs vermelhas que despontando por entre as folhas esverdeadas, caminhei naquela direção e peguei uma delas, mordendo-a depois de lavar, relembrando com nostalgia seu sabor doce."É bom estar em casa novamente..." Pensei comigo mesma, suspirando.De repente, me lembrei de uma única amiga que tive naquela época, seu nome era Júlia e éramos praticamente unha e carne, mas havíamos perdido o contato de alguma forma. Fiquei me perguntando como ela estaria, imaginando que provavelmente pela idade, já estaria casada e talvez até com filhos.Sorri, pensando
Wolfgang Encarei os documentos à minha frente, que precisavam ser assinados, mas não conseguia me concentrar, ainda mais depois que uma comoção começou do lado de fora do escritório. Troquei um rápido olhar com minha irmã, que parecia alheia a isso, e senti meu maxilar se contraindo por causa do estresse. Quando eu estava prestes a me levantar e descobrir o que estava acontecendo, Gisela irrompeu pelas portas de vidro de maneira ruidosa, seguida da minha secretária que tentava a acalmar. – Não se atreva a me segurar! Ela exclamou séria, beirando a grosseria. – Tudo bem, Rosely, vamos deixá-los a sós...– Marjorie, minha irmã, respondeu por mim, saindo da sala e levando a secretária consigo, mas não antes de destilar um pouco de seu veneno. – Cuidado que ela morde! – O que disse? Lívia questionou, seu rosto fervendo de raiva, e virou-se para encarar a "cunhada". Diferente dela, Marjorie continuava com seu rosto inexpressivo, e aproximou alguns passos, fitando a outra mulher de cima
ChristineQuando cheguei à casa de Júlia, fui apresentada ao marido dela. Era um homem gentil e parecia ter a nossa idade, além disso, estava embalando a menininha que parecia sonolenta. Sorri para ela enquanto me aproximava e ergui a mão, tocando suas bochechas macias.Nesse momento, sua mãozinha agarrou meu dedo indicador e eu caí de amores na hora, ela era linda e sorria bastante, mostrando seus únicos dois dentinhos. Então meus olhos começaram a marejar quando lembrei que um anjinho como aquele estava se formando dentro do meu útero, e por todo aquele tempo, eu estava apenas ignorando sua existência. Nem eu podia acreditar em como estava sendo desumana, e pensar nisso fez eu me sentir um lixo.
Por algum motivo, depois de me mudar para a casa da minha infância, tenho tido pesadelos todas as noites. Na maioria das vezes não lembro dos detalhes, somente de pequenos recortes em flashbacks, e, de alguma forma, eu sentia que não eram apenas sonhos, mas sim, lembranças que esqueci com o passar do tempo. Tive certeza disso quando relembrei de algumas coisas que aconteceram durante o acidente de carro, mais especificamente, os sapatos de couro masculinos da pessoa que pareceu vir verificar se eu ainda estava viva.Tudo ainda parecia muito obscuro e, além disso, as outras lembranças pareciam mais antigas, da minha adolescência talvez.Naquela noite, eu tive mais um daqueles sonhos. Nele, eu estava deitada na grama junto a mais duas garotas adolescentes, uma delas era Júli