O lugar estava exatamente como eu me lembrava. Pelo campo a fora, podia ver algumas poucas macieiras que resistiram ao tempo, carregadas de maçãs vermelhas que despontando por entre as folhas esverdeadas, caminhei naquela direção e peguei uma delas, mordendo-a depois de lavar, relembrando com nostalgia seu sabor doce.
"É bom estar em casa novamente..." Pensei comigo mesma, suspirando.
De repente, me lembrei de uma única amiga que tive naquela época, seu nome era Júlia e éramos praticamente unha e carne, mas havíamos perdido o contato de alguma forma. Fiquei me perguntando como ela estaria, imaginando que provavelmente pela idade, já estaria casada e talvez até com filhos.
Sorri, pensando comigo mesma que deveria procurá-la, e então, resolvi entrar no antigo casarão. Subi a curta escadaria de madeira, tendo dificuldade por causa das dores que ainda persistiam, e empurrei as portas, adentrando na sala de entrada em seguida. Tudo ainda permanecia no mesmo lugar, coberto por lençóis brancos, dando um ar fantasmagórico ao ambiente empoeirado, e além disso, somente o silêncio.
Imediatamente, comecei a limpeza, sabendo que seria uma excelente forma de manter minha cabeça ocupada por enquanto. Eu estava no meio do nada, há quilômetros de distância de qualquer outro ser humano, tinha todo o suprimento de que precisava e teria todo tempo do mundo para decidir o que fazer a partir daquele momento.
Durante minha limpeza, entrei no quarto da minha avó depois de quase cinco anos de sua morte, e as memórias inundaram a minha cabeça imediatamente. Sorri com nostalgia enquanto observava sua cama de madeira maciça, e de repente, lembrei do baú onde ficavam suas roupas, e que nunca tive permissão para xeretar.
Curiosa, resolvi abrir as antigas trancas, e ao olhar para dentro, me deparei com uma caixa feita de madeira, com detalhes trabalhados de forma delicada, era linda, e para a minha surpresa, estava cheia de jóias, que não pareciam réplicas. Além disso, havia duas pinturas em tela, enroladas sem a moldura, mas quando as desenrolei, percebi que eram de tirar o fôlego, pareciam ser do mesmo autor, e pela dedicatória, entendi que realmente foram feitas para ela. Ainda sem poder acreditar no que via, continuei olhando os objetos escondidos dentro do baú, encontrando mais alguns itens interessantes como diários e roupas que, só de tocar, já podia imaginar que fossem de corte fino, pareciam muito caras.
Eram todas em tamanhos pequenos, inclusive os sapatos que encontrei no fundo, provavelmente a minha avó havia usado-os quando muito jovem, o que era muito estranho pois, até onde eu sabia, meu avô era um pequeno agricultor, e a família da minha avó não era rica.
Então, de onde havia vindo tudo aquilo?
Pensando que poderia achar uma resposta, abri os diários e li suas anotações, percebendo que eram todas em italiano, seu idioma natal. Ela havia me ensinado sobre sua terra natal, incluindo a língua, então,eu conseguia reconhecer algumas frases:
"Ele era perfeito, com aqueles olhos negros e afiados..." Ela descrevia em letras delicadas e muito bonitas. De início, pensei que estivesse se referindo ao meu avô, mas logo percebi que não ao ler o trecho seguinte que dizia: "Sua esposa não parece saber de nada."
Quase ri ao perceber que provavelmente minha avó amou um homem casado. No fim das contas, a maçã realmente não caia muito longe do pé, pois, ao que parecia, todas as mulheres da minha família se apaixonavam pelo homem errado. Passei mais algumas páginas e notei cartas de amor, todas devolvidas. Fiquei em dúvida se tinha o direito de abri-las, parecia muito íntimo e eu não tinha certeza se queria ler aquilo.
De repente, as dores de cabeça recomeçaram, apertei as têmporas, chiando de dor e senti meu estômago se revirar. Por causa disso, decidi apenas guardar tudo por hora. Eu ainda tinha meus próprios problemas para resolver, e o que menos precisava naquele momento, era tentar desvendar as aventuras amorosas da minha avó.
Levei comigo apenas as pinturas, planejando colocar molduras nela e as expor na sala de estar. Peguei os medicamentos prescritos pelo médico, e tomei dois deles, foi quando enfim, me lembrei do bebê, me questionando se aquele remédio poderia prejudicá-lo. Não havia sintomas, exceto pelos leves mal-estares, mas isso facilmente poderia ser explicado como sequelas da concussão.
As memórias, ainda nebulosas, retornavam à minha mente, lembrava da chuva, do medo e da dor, porém, isso era tudo, não lembrava de mais nada, por mais esforço que eu fizesse.
De repente, ouvi passos e alguém bateu gentilmente na porta de entrada, olhei naquela direção e para a minha surpresa, me deparei justamente com a antiga amiga que pensei mais cedo, sorri com a coincidência e me levantei, pronta para cumprimentá-la.
– Vi movimentação na casa... - Ela comentou parecendo desconcertada.
– Ah, sim... estou me mudando! Respondi me sentindo acanhada também.
Estranhamente, uma distância incômoda havia se formado entre nós e eu não conseguia lembrar o motivo. Na verdade, de alguma forma, eu havia esquecido muito sobre os momentos que passamos juntas, e me perguntei se aquele ar estranho entre nós se devia a isso, talvez a alguma mágoa que deixei nela.
– Entre, por favor... - Pedi, depois de alguns segundos de silêncio constrangedor.
Ela concordou, mas quando se aproximou, me observando com mais clareza, seus olhos se arregalaram, provavelmente ao me ver toda machucada.
– Meu Deus! Exclamou e, enfim, quebrou a distância entre nós, tocando meu rosto com as duas mãos. – O que aconteceu com você?
– Foi um acidente de carro... - Expliquei soltando um suspiro e tentei lhe sorrir. – Estou bem agora, só com as memórias bagunçadas.
– Suas memórias estão bagunçadas? Júlia repetiu, rindo também.
Ela parecia realmente feliz com nosso reencontro, porém, havia algo de estranho em seu sorriso, algo oculto, que não consegui identificar o que era. No entanto, de uma coisa eu tinha certeza, havia algo em seu semblante que dizia: "que bom mas, só pra você."
No fim, conversamos mais algumas trivialidades e ela me convidou para jantar em sua casa, já que, eu nem havia terminado de limpar a minha ainda. Não falei sobre Wolfgang ou sobre meus motivos para ter retornado ao interior depois de tanto tempo, e fiquei feliz em descobrir que eu estava certa pois, ela realmente havia se casado com um professor local e tinha uma filhinha.
Wolfgang Encarei os documentos à minha frente, que precisavam ser assinados, mas não conseguia me concentrar, ainda mais depois que uma comoção começou do lado de fora do escritório. Troquei um rápido olhar com minha irmã, que parecia alheia a isso, e senti meu maxilar se contraindo por causa do estresse. Quando eu estava prestes a me levantar e descobrir o que estava acontecendo, Gisela irrompeu pelas portas de vidro de maneira ruidosa, seguida da minha secretária que tentava a acalmar. – Não se atreva a me segurar! Ela exclamou séria, beirando a grosseria. – Tudo bem, Rosely, vamos deixá-los a sós...– Marjorie, minha irmã, respondeu por mim, saindo da sala e levando a secretária consigo, mas não antes de destilar um pouco de seu veneno. – Cuidado que ela morde! – O que disse? Lívia questionou, seu rosto fervendo de raiva, e virou-se para encarar a "cunhada". Diferente dela, Marjorie continuava com seu rosto inexpressivo, e aproximou alguns passos, fitando a outra mulher de cima
ChristineQuando cheguei à casa de Júlia, fui apresentada ao marido dela. Era um homem gentil e parecia ter a nossa idade, além disso, estava embalando a menininha que parecia sonolenta. Sorri para ela enquanto me aproximava e ergui a mão, tocando suas bochechas macias.Nesse momento, sua mãozinha agarrou meu dedo indicador e eu caí de amores na hora, ela era linda e sorria bastante, mostrando seus únicos dois dentinhos. Então meus olhos começaram a marejar quando lembrei que um anjinho como aquele estava se formando dentro do meu útero, e por todo aquele tempo, eu estava apenas ignorando sua existência. Nem eu podia acreditar em como estava sendo desumana, e pensar nisso fez eu me sentir um lixo.
Por algum motivo, depois de me mudar para a casa da minha infância, tenho tido pesadelos todas as noites. Na maioria das vezes não lembro dos detalhes, somente de pequenos recortes em flashbacks, e, de alguma forma, eu sentia que não eram apenas sonhos, mas sim, lembranças que esqueci com o passar do tempo. Tive certeza disso quando relembrei de algumas coisas que aconteceram durante o acidente de carro, mais especificamente, os sapatos de couro masculinos da pessoa que pareceu vir verificar se eu ainda estava viva.Tudo ainda parecia muito obscuro e, além disso, as outras lembranças pareciam mais antigas, da minha adolescência talvez.Naquela noite, eu tive mais um daqueles sonhos. Nele, eu estava deitada na grama junto a mais duas garotas adolescentes, uma delas era Júli
No dia seguinte, acordei com vontade de fazer uma corrida matinal pela trilha da montanha, era relaxante e poderia usar aquele tempo para refletir, então, coloquei roupas confortáveis, calcei meus tênis esportivos e sai porta a fora. Nesse meio tempo, enquanto seguia no "pique", percebi que havia algumas poucas casas praticamente escondidas por entre o ambiente arborizado, uma delas me chamou a atenção, parecia muito familiar, e tive quase certeza de que já havia estado ali.Uma senhorinha passou por mim, de cabeça baixa, distraída em seus próprios pensamentos, e em suas mãos, carregava grandes sacolas de supermercado que pareciam pesadas. Cortei rapidamente a distância entre nós, e murmurou um "bom dia", perguntando em seguida se poderia ajudá-la. Ela, ao me ouvir, ergueu a cabeça e se
Carlota estava certa: ambas obras de arte eram de fato pertencentes a Giovanni Diono, e, de repente, foi como se uma bolsa cheia de moedas de ouro tivesse caído sobre meu colo. Ainda não havia uma explicação coerente para aquelas pinturas estarem escondidas numa cidadezinha do interior, mas os compradores também não pareciam se importar o suficiente para tentar descobrir, No fim, elas foram vendidas rapidamente, nem tive tempo para pensar no apego emocional que minha avó poderia ter por elas, e da noite para o dia, havia dinheiro em minha conta suficiente para comprar uma mansão.Era uma situação tão atordoante que eu não soube o que fazer de imediato, contudo, de uma coisa eu tinha certeza: era suficiente para construir um império para o bebê que crescia em meu ventre, de modo que jam
Em um tempo recorde de quatro meses, recomecei do zero, minha linha de cosméticos voltados à cultura naturalista – ideia que tive enquanto caminhava por entre as montanhas –, os batons veganos eram nosso maior destaque, e como eu tinha apenas mulheres trabalhando na linha de produção, a fofoca corria solta, mas era útil no momento. Encarei meu reflexo no espelho, satisfeita com o vestido preto de ombros nus que deixava minha barriga de sete meses discreta, e completei o visual com uma gargantilha cravejada de diamantes e bolsa schutz. Era noite, e eu estava participando de um evento privado apenas para a comemoração do aniversário de Richard, o que seria um momento interessante para formar fortes alianças, além de rever meus antigos amigos do meio. Caminhei a passos lentos pelo salão ricamente decorado e observei os outros convidados, reconhecendo alguns políticos influentes, vez ou outra, eu lhes lançava um sorriso educado que era retribuído, principalmente pelos homens. Por mais
Provavelmente William teria terminado a noite em um necrotério, à espera de uma autópsia, se eu não tivesse parado Wolfgang, que estava furioso. E quando finalmente meu ex-marido se acalmou, seus olhos voltaram-se novamente a mim e sua expressão ganhou ares de surpresa ao notar minha barriga.Seu sorriso era enorme, e sua boca se movia fazendo perguntas, mas nenhum som chegou aos meus ouvidos pois, eu só conseguia pensar na dor insuportável que eu comecei a sentir. Meu corpo foi amparado abruptamente quando perdi as forças, me agarrei aos braços fortes de Wolfgang, respirando com dificuldade e ficando desesperada ao perceber que estava perdendo líquidos.– Oh, Meu Deus! Arfei.Depois disso tudo virou uma bagunça de vozes.
Como empresária, eu basicamente era um fantasma. Não, minha empresa não era ilícita. O que quero dizer é que, devido à distância que tomei do meio empresarial, porque desejava manter meu filho afastado de tudo aquilo, eu acabei me tornando uma incógnita misteriosa aos olhos dos outros empresários. Meu rosto era desconhecido, e como estava usando meu sobrenome de solteira, nem meus antigos sócios puderam me "encontrar ``. Eu queria recomeçar, ficar distante o máximo possível de minha antiga vida, e claro, de Wolfgang também. O parto prematuro desalinhou um pouco dos meus planos, me obrigando a ficar pelo menos um mês em repouso, era complicado e problemático, porém, em momento nenhum, pensei em meu bebê com um empecilho. Contudo, somente precisei de uma semana de reflexão para chegar à conclusão de quais seriam meus próximos passos. Comecei intentando um