Os papéis do divorcio chegaram na manhã seguinte. Eu não assinei nenhum deles de imediato, na verdade, passava o tempo sentada apenas olhando para eles. Li e reli aquelas malditas folhas algumas dezenas de vezes, as cláusulas eram claras e não havia espaço para nenhuma reivindicação, muito menos a possibilidade de conciliação, o tipo de documento redigido pela mente fria e calculista de uma advogado.
Em resumo, eu ficaria com o apartamento, que inclusive já havia sido transferido para o meu nome, alguma quantia considerável de dinheiro, e mais nada, não poderia recorrer aos danos morais do abandono, muito menos, entrar em contato com ele ou sua família.
Basicamente, eu era um problema do qual eles queriam se livrar o mais rápido possível. Isso eu já havia entendido, porém, havia algo de estranho nessa situação pois, Wolfgang continuava sem se pronunciar, e mesmo que eles tivessem total poder sobre a mídia, ela estava muito quieta.
Não era como se eu fosse uma pessoa difícil de encontrar, documentos vazam, e mesmo que nosso casamento tenha sido "escondido", isso nunca foi um impedimento para paparazzis curiosos e doidos por uma matéria bombástica, o que, sem exageros, era o nosso caso.
Além disso, eu ainda não conseguia entender o porquê de Wolfgang basicamente fingir ser outra pessoa, ele até usava o sobrenome de solteira da mãe. Quanto mais pensava, mais estranho ficava, pois, ele tinha amigos, um trabalho e uma esposa totalmente alheios à sua família.
Era agonizante, e de todas as coisas dolorosas que passei naqueles dias, chegar à última página e ver que havia de fato a assinatura de Wolfgang, foi a mais dolorosa. Era como se todas as minhas esperanças estivessem sendo soterradas e meu coração apunhalado inúmeras vezes.
Ficar sozinha naquele apartamento enorme, mesmo que Carlota viesse me ver constantemente, também estava sendo uma tortura, eu não sentia fome ou vontade de fazer nada, nem mesmo para me distrair, e para piorar, por uma ironia, a insônia havia retornado, e sequer sono eu tinha.
Esperei durante três longos e agonizantes dias pelo seu retorno, depressiva e muito magoada, quem me olhasse, não veria um terço da mulher que fui apenas 72 horas antes. Quando me cansei, decidi ir embora porque não suportava mais conviver com todas as lembranças de nós dois que haviam naqueles cômodos, e que lentamente, começavam a me deixar desconfortável, fazendo com que fosse impossível continuar vivendo ali.
No fim das contas, eu estava desempregada, tinha menos de mil reais em minha conta bancária e para completar, sentia que estava ficando doente.
Por alguma ironia cruel do destino, não era a primeira vez que me via sendo abandonada. Minha mãe havia me deixado com apenas quatro anos de idade, uma lembrança dolorosa que nunca consegui esquecer, principalmente o momento em que lembro de ter minhas mãos arrancadas de sua blusa, desprendendo um dos botões.
Quando tive idade para entender, minha avó contou que eu era filha de um homem casado, que não me registrou, e assim que minha mãe encontrou um marido que pudesse "assumi-la", simplesmente me abandonou aos cuidados dela.
Eu vivi com ela numa pequena comunidade rural até os dezoito anos - quando decidi me mudar para uma cidade maior para fazer faculdade -, foi ela quem me ensinou tudo que sabia sobre pequenas plantações, alimentos orgânicos e me educou para ser uma boa pessoa, tínhamos hortinhas, e até alguns poucos animais.
Mesmo morando longe, eu a visitava sempre que podia, passávamos os finais de semana juntas e eu retornava para São Paulo com algumas verduras e frutas orgânicas para fazer comidas saudáveis. Eu estava feliz, aqueles foram alguns dos melhores momentos da minha vida, e tudo parecia estar indo bem.
E então fui abandonada novamente. Ela faleceu quando eu estava no segundo ano da faculdade de nutrição, foi um momento tão doloroso, me sentia tão desamparada que quase larguei tudo, porém, uma professora sugeriu que me consultasse com a psicóloga da faculdade. Foi ela quem me deu a ideia de fazer algo em homenagem à minha avó, era uma forma de me conformar e aos poucos, me ajudou a aceitar a perda.
Com sua pequena herança, abri uma pequena empresa especializada em alimentação orgânica, comprando produtos cultivados por antigos conhecidos, de modo que estava sendo produtivo para todos os envolvidos. Quando conheci Wolfgang, ele estava administrando uma empresa de transportes, daquelas que entregam produtos das lojas online, e depois de algum tempo, iniciamos uma parceria, sendo assim surgiu a CW Company.
Fiquei perdida naqueles pensamentos por longos minutos, divagando provavelmente já alcoolizada, suspirei empurrando a garrafa para o lado e olhei ao redor, estava sentada na poltrona diante da mesa do escritório, onde geralmente eu o encontrava imerso em trabalho, fitando os documentos com seriedade por sob as lentes de seus óculos de grau, e lembrei-me que às vezes, ele pedia minha ajuda com a contabilidade, fazendo-me sentir mais íntima dele.
E agora estava ali, sozinha e me lembrando dele.
No fim, acabei recorrendo à antiga casa da minha avó que também ficou como herança e como tinha muito apego emocional, nunca consegui vendê-la. Por causa disso, o imóvel ficou meio abandonado por todo aquele tempo, então sabia que precisaria fazer muito quando chegasse lá.
Fiz apenas uma mala com poucas coisas, e chamei um táxi, afinal, eu estava sem carro pois, o meu deu perda total depois do acidente. O caminho foi longo, a propriedade ficava no limite entre os estados, então, para passar o tempo, já que o motorista não deu um pio em momento algum, chequei meus e-mails, notando que havia alguns na caixa de entrada, incluindo questionamentos do advogado sobre a conclusão do divórcio.
Foi quando cheguei à conclusão de que, estando aquela família tão abastada obcecada para acabar com meu casamento, eu precisava usar isso a meu favor. Inicialmente, eu apenas queria acabar com tudo o mais rápido possível depois que percebi que Wolfgang realmente havia me abandonado. Mas, agora, pensando melhor, eu havia mudado de ideia, e teria muito cuidado antes de aceitar a proposta, e assinar aqueles papéis.
Eles não sabiam com quem estavam mexendo.
O lugar estava exatamente como eu me lembrava. Pelo campo a fora, podia ver algumas poucas macieiras que resistiram ao tempo, carregadas de maçãs vermelhas que despontando por entre as folhas esverdeadas, caminhei naquela direção e peguei uma delas, mordendo-a depois de lavar, relembrando com nostalgia seu sabor doce."É bom estar em casa novamente..." Pensei comigo mesma, suspirando.De repente, me lembrei de uma única amiga que tive naquela época, seu nome era Júlia e éramos praticamente unha e carne, mas havíamos perdido o contato de alguma forma. Fiquei me perguntando como ela estaria, imaginando que provavelmente pela idade, já estaria casada e talvez até com filhos.Sorri, pensando
Wolfgang Encarei os documentos à minha frente, que precisavam ser assinados, mas não conseguia me concentrar, ainda mais depois que uma comoção começou do lado de fora do escritório. Troquei um rápido olhar com minha irmã, que parecia alheia a isso, e senti meu maxilar se contraindo por causa do estresse. Quando eu estava prestes a me levantar e descobrir o que estava acontecendo, Gisela irrompeu pelas portas de vidro de maneira ruidosa, seguida da minha secretária que tentava a acalmar. – Não se atreva a me segurar! Ela exclamou séria, beirando a grosseria. – Tudo bem, Rosely, vamos deixá-los a sós...– Marjorie, minha irmã, respondeu por mim, saindo da sala e levando a secretária consigo, mas não antes de destilar um pouco de seu veneno. – Cuidado que ela morde! – O que disse? Lívia questionou, seu rosto fervendo de raiva, e virou-se para encarar a "cunhada". Diferente dela, Marjorie continuava com seu rosto inexpressivo, e aproximou alguns passos, fitando a outra mulher de cima
ChristineQuando cheguei à casa de Júlia, fui apresentada ao marido dela. Era um homem gentil e parecia ter a nossa idade, além disso, estava embalando a menininha que parecia sonolenta. Sorri para ela enquanto me aproximava e ergui a mão, tocando suas bochechas macias.Nesse momento, sua mãozinha agarrou meu dedo indicador e eu caí de amores na hora, ela era linda e sorria bastante, mostrando seus únicos dois dentinhos. Então meus olhos começaram a marejar quando lembrei que um anjinho como aquele estava se formando dentro do meu útero, e por todo aquele tempo, eu estava apenas ignorando sua existência. Nem eu podia acreditar em como estava sendo desumana, e pensar nisso fez eu me sentir um lixo.
Por algum motivo, depois de me mudar para a casa da minha infância, tenho tido pesadelos todas as noites. Na maioria das vezes não lembro dos detalhes, somente de pequenos recortes em flashbacks, e, de alguma forma, eu sentia que não eram apenas sonhos, mas sim, lembranças que esqueci com o passar do tempo. Tive certeza disso quando relembrei de algumas coisas que aconteceram durante o acidente de carro, mais especificamente, os sapatos de couro masculinos da pessoa que pareceu vir verificar se eu ainda estava viva.Tudo ainda parecia muito obscuro e, além disso, as outras lembranças pareciam mais antigas, da minha adolescência talvez.Naquela noite, eu tive mais um daqueles sonhos. Nele, eu estava deitada na grama junto a mais duas garotas adolescentes, uma delas era Júli
No dia seguinte, acordei com vontade de fazer uma corrida matinal pela trilha da montanha, era relaxante e poderia usar aquele tempo para refletir, então, coloquei roupas confortáveis, calcei meus tênis esportivos e sai porta a fora. Nesse meio tempo, enquanto seguia no "pique", percebi que havia algumas poucas casas praticamente escondidas por entre o ambiente arborizado, uma delas me chamou a atenção, parecia muito familiar, e tive quase certeza de que já havia estado ali.Uma senhorinha passou por mim, de cabeça baixa, distraída em seus próprios pensamentos, e em suas mãos, carregava grandes sacolas de supermercado que pareciam pesadas. Cortei rapidamente a distância entre nós, e murmurou um "bom dia", perguntando em seguida se poderia ajudá-la. Ela, ao me ouvir, ergueu a cabeça e se
Carlota estava certa: ambas obras de arte eram de fato pertencentes a Giovanni Diono, e, de repente, foi como se uma bolsa cheia de moedas de ouro tivesse caído sobre meu colo. Ainda não havia uma explicação coerente para aquelas pinturas estarem escondidas numa cidadezinha do interior, mas os compradores também não pareciam se importar o suficiente para tentar descobrir, No fim, elas foram vendidas rapidamente, nem tive tempo para pensar no apego emocional que minha avó poderia ter por elas, e da noite para o dia, havia dinheiro em minha conta suficiente para comprar uma mansão.Era uma situação tão atordoante que eu não soube o que fazer de imediato, contudo, de uma coisa eu tinha certeza: era suficiente para construir um império para o bebê que crescia em meu ventre, de modo que jam
Em um tempo recorde de quatro meses, recomecei do zero, minha linha de cosméticos voltados à cultura naturalista – ideia que tive enquanto caminhava por entre as montanhas –, os batons veganos eram nosso maior destaque, e como eu tinha apenas mulheres trabalhando na linha de produção, a fofoca corria solta, mas era útil no momento. Encarei meu reflexo no espelho, satisfeita com o vestido preto de ombros nus que deixava minha barriga de sete meses discreta, e completei o visual com uma gargantilha cravejada de diamantes e bolsa schutz. Era noite, e eu estava participando de um evento privado apenas para a comemoração do aniversário de Richard, o que seria um momento interessante para formar fortes alianças, além de rever meus antigos amigos do meio. Caminhei a passos lentos pelo salão ricamente decorado e observei os outros convidados, reconhecendo alguns políticos influentes, vez ou outra, eu lhes lançava um sorriso educado que era retribuído, principalmente pelos homens. Por mais
Provavelmente William teria terminado a noite em um necrotério, à espera de uma autópsia, se eu não tivesse parado Wolfgang, que estava furioso. E quando finalmente meu ex-marido se acalmou, seus olhos voltaram-se novamente a mim e sua expressão ganhou ares de surpresa ao notar minha barriga.Seu sorriso era enorme, e sua boca se movia fazendo perguntas, mas nenhum som chegou aos meus ouvidos pois, eu só conseguia pensar na dor insuportável que eu comecei a sentir. Meu corpo foi amparado abruptamente quando perdi as forças, me agarrei aos braços fortes de Wolfgang, respirando com dificuldade e ficando desesperada ao perceber que estava perdendo líquidos.– Oh, Meu Deus! Arfei.Depois disso tudo virou uma bagunça de vozes.