Era uma manhã de sábado que parecia perfeita para sair às compras, o clima estava ameno então resolvi tirar uma folga do trabalho. Chequei minha agenda com a minha secretária, conferindo não ter compromissos naquele dia, peguei as chaves do carro, óculos escuros e sai com meu filho. Durante o caminho, Ellie passava as faixas de música procurando por algo que fosse do seu agrado, não interferi, e apenas foquei minha atenção no trânsito.
Aos poucos, a lentidão dos carros começou a me incomodar, e nem era horário de pico. Por causa disso, resolvi contornar e estacionar o carro na área VIP do hotel Hill, aproveitando para fazer uma caminhada pelo Centro Histórico. Pela cara que Ellie fazia, não estava gostando muito, todos aqueles monumentos tombados deveriam ser "tediosos" aos seus olhos infantis, porém, de repente, algo pareceu chamar a sua atenção quando passamos em frente ao Palácio de Cedros.
Fiquei curiosa com seu súbito interesse, então olhei para lá também, porém meu sorriso se desfez quando percebi que uma cerimônia de casamento estava acontecendo. Meu coração se apertou um pouco quando reconheci os noivos, eu sabia que isso iria acontecer em algum momento, mas não pude prever que ficaria tão sentida quando realmente acontecesse,
- É o papai? Ellie perguntou parecendo confuso, apesar de sua pouca idade, ele era muito perceptivo e tentava juntar as peças.
- Sim. É o papai! Respondi sentindo minha voz soar insensível.
Encarei novamente o casal de recém-casados que, à minha frente, saiam da Igreja. Eles pareciam felizes, ou melhor, ela parecia, o sorriso em seu rosto era o de alguém que finalmente havia conseguido o que queria, porém, não podia dizer o mesmo do homem, em seu rosto havia apenas um semblante inexpressivo, como se apenas desejasse que aquele evento acabasse logo.
Verdade seja dita, por mais que Gisela fosse uma mulher insuportável, ela estava linda. A maquiagem em tons de prateado iluminava seu olhar, combinando com o vestido de noiva todo branco, a saia era volumosa em babados e rendas, enquanto o busto era recoberto por bordados em forma de flores, misturadas ao tecido transparente em algumas partes, véu, grinalda e um luxuoso buquê de rosas da mesma cor. A tiara em sua cabeça, arranjada no penteado bonito fazia com que ela parecesse uma princesa dos contos de fadas em seu final feliz.
Realmente, não havia poupado esforços para ficar perfeita.
Sem dúvida, pelos detalhes, posso apostar que o vestido foi feito pelo Atelier Lethicia Bronstein, uma das lojas mais requisitadas de São Paulo, e, por ironia, ou não, o mesmo lugar em que comprei o meu, no mais, era uma verdadeira obra-prima criada somente para aquela ocasião.
Gisela pareceu demorar um pouco para me reconhecer, mas quando aconteceu, seu sorriso de satisfação dobrou de tamanho, agarrou o braço do marido, posando para a foto e me lançou um olhar que dizia: "Eu consegui, ele é meu finalmente".
Balancei a cabeça negativamente, sem poder acreditar no quanto ela estava sendo imatura. O que mais ela queria agora, que eu chorasse? Não mesmo, já derramei lágrimas o suficiente.
Fui tirada dos meus devaneios quando senti uma mão pequena agarrando a minha roupa, olhei para baixo e lembrei de Ellie, ele estava tão quietinho todo aquele tempo que acabei esquecendo que ele também estava vendo aquela cena.
Ele apenas continuou me encarando mais alguns minutos, parecia refletir sobre algo, mas guardou para si mesmo. Então, me agachei à sua frente, ficando com os olhos na altura dos dele, era minha forma de mostrar a ele que estava tudo bem, que poderia me contar tudo que quisesse, e sorri arrumando seus cabelos loiros bagunçados pelo vento.
- Devemos continuar com nossas compras? Perguntei quando percebi que ele estava ficando inquieto, em seguida, me ergui, arrumei minhas roupas e estendi a mão para que ele pegasse.
Ellie concordou balançando a cabeça positivamente, segurou a minha mão e olhou ao redor, procurando por alguma loja que lhe interessasse. Eu havia prometido tomar sorvete com ele antes de voltar para casa e talvez fosse isso que ele queria.
Lancei um último olhar ao casamento, foi quando meus olhos se encontraram aos do noivo. Ele pareceu surpreso ao me ver, o semblante de arrependimento crescendo ainda mais, mesmo que estivesse em meio a uma sessão de fotos, não sorria, e seus olhos não paravam de me encarar. O homem que amei por longos anos havia acabado de trocar votos com outra mulher, tinha outro filho com ela, dando ao meu um meio-irmão, e eu nem sequer o conheço.
Depois daquele último adeus, que senti ser necessário, me preparei para ir embora, caminhando pela calçada de mãos dadas com o único ser que realmente me importa na vida. Ouvi passos às minhas costas, e meu nome foi chamado, uma voz tão familiar quanto desagradavel.
- Esperava que você fizesse uma cena... - Ele comentou se aproximando, havia certo desdém em suas palavras. - Fiquei desapontado.
- Sinto muito por acabar com a sua diversão... - Respondi não dando muita importância, na verdade, eu nem queria falar com ele. - Adeus Joshua, espero que não nos vejamos novamente.
Finalizei a conversa naquele ponto, não queria e nem precisava manter a presença incômoda dele na minha vida, mesmo que tenha sido meu cunhado. Então, girei nos calcanhares e lhe dei as costas, pronta para ir embora, mas fui interrompida por um aperto do no meu braço.
- Quanta frieza... - Ele disse tão próximo que pude ouvir sua respiração.
- É você quem está fazendo uma cena... - Sussurrei irritada, me soltando em um tranco. - Fique bem longe de mim, e do meu filho, seu doente.
O encarei por longos minutos, deixando bem claro que aquele homem não me intimidava, e eu estava disposta a fazer qualquer coisa para mantê-lo longe, não só ele, mas toda sua família.
Peguei Ellie nos braços, ele resmungou alguma coisa sobre poder andar sozinho, mas ignorei, me afastando a passos largos dali. Só parei quando já estávamos longe o suficiente para ter sumido do campo de vista dele, e suspirei aliviada.
Olhei para o meu próprio reflexo numa vitrine e aproveitei para arrumar meus cabelos e roupas. O paletó feminino cinza por sob o trech coat branco combinava perfeitamente com meus scarpins de mesma cor, e a bolsa clutch prateada reluzia sob os raios solares, não havia nada para consertar.
Foi nesse momento que percebi a expressão que estava fazendo, estava tão séria que quase não me reconheci. Pensei comigo mesma que com certeza havia sido isso que impediu Ellie de dizer o que pensava e fiquei entristecida, pois talvez, isso tenha assustado meu filho.
Era uma lástima. mas não havia volta.
O porquê de tudo isso?
Talvez eu deva dar algumas explicações, mas há muito o que dizer, então tentarei explicar desde o início, pela priori da ruína.
Dois anos atrás, eu facilmente poderia dizer que minha vida estava perfeita. Tinha um marido carinhoso, morava num apartamento espaçoso e confortável, juntos lideramos uma empresa mediana e estávamos planejando nosso primeiro filho. Até que, do nada, a minha vida virou uma completa bagunça.Numa noite, meu marido chegou completamente bêbado e encharcado de chuva em casa, passou direto por mim, que assistia na sala, e entrou no escritório, fechando as portas às suas costas. Não entendi nada na hora, e fiquei ainda mais confusa quando ouvi o barulho de coisas se quebrando, era como se ele estivesse destruindo tudo lá dentro.— Wolfgang... o que está acontecendo?Questionei confusa enqu
– Por favor espere um pouco... - A enfermeira pedia exasperada, parada em frente à porta do quarto. – A senhora não pode sair assim, não nesse estado. Tudo o que ela falava apenas entrava num ouvido e saia pelo outro, estava mais interessada em enfiar minhas coisas dentro da minha bolsa, incluindo os exames que nem foram abertos. Depois, me virei para a encarar com seriedade, uma expressão que dizia: "ou você sai, ou te tiro daí a força", vi seus joelhos tremerem e então, ela se afastou, me deixando ir embora do hospital. Estava furiosa e indignada, não podia acreditar em como todo mundo estava lidando com aquela situação. Não bastava aquele bastard* esnobe ter me tratado como uma vagabund* ao telefone, mas também, percebi que o hospital continuava resistente em me dar informações sobre meu próprio marido. Segui a passos firmes pelos corredores até chegar ao estacionamento, mas quando entrei no carro, e me vi sozinha novamente, irrompi em outra crise de choro, batendo no volante e g
Depois da conversa, trocamos mais algumas palavras e então, ambos seguimos nossos rumos. Quando finalmente me vi dentro do meu carro, sentei no banco do motorista e fechei os olhos enquanto jogava a cabeça para trás. Eu não conseguia parar de pensar nas palavras daquele homem grosseiro, tentava encontrar algum sentindo a mais nelas, mas somente chegava à conclusão de que vivi uma mentira todo aquele tempo.De repente, lembrei do monopólio que havia saldado a nossa dívida, e resolvi pesquisar sobre eles na internet. Era óbvio que toda a informação contida naqueles artigos passava por uma espécie de censura, que escolhia o que era ou não útil para eles na mídia, como de praxe para famílias tão ricas. Depois de ler um pouco, encontrei uma entrevista recente com o dir
Acordei sentindo uma mão calorosa segurando a minha, e me deparei com Carlota dormindo na cadeira ao lado do meu leito numa posição que parecia muito desconfortável enquanto se reclinava sobre o meu leito. Nos conhecemos na faculdade, e como tínhamos muito em comum, nos tornamos grandes amigas.Depois de um tempo, seus olhos se abriram e quando me encarou, lágrimas começaram a escorrer enquanto me olhava com surpresa, e então, me abraçou.– Espera... tá me sufocando! Reclamei com minha voz rouca.– Como está se sentindo? Ela perguntou quando se afastou um pouco.– Desorientada, eu acho... - Murmurei olhando para as minhas
Os papéis do divorcio chegaram na manhã seguinte. Eu não assinei nenhum deles de imediato, na verdade, passava o tempo sentada apenas olhando para eles. Li e reli aquelas malditas folhas algumas dezenas de vezes, as cláusulas eram claras e não havia espaço para nenhuma reivindicação, muito menos a possibilidade de conciliação, o tipo de documento redigido pela mente fria e calculista de uma advogado. Em resumo, eu ficaria com o apartamento, que inclusive já havia sido transferido para o meu nome, alguma quantia considerável de dinheiro, e mais nada, não poderia recorrer aos danos morais do abandono, muito menos, entrar em contato com ele ou sua família. Basicamente, eu era um problema do qual eles queriam se livrar o mais rápido possível. Isso eu já havia entendido, porém, havia algo de estranho nessa situação pois, Wolfgang continuava sem se pronunciar, e mesmo que eles tivessem total poder sobre a mídia, ela estava muito quieta. Não era como se eu fosse uma pessoa difícil de encon
O lugar estava exatamente como eu me lembrava. Pelo campo a fora, podia ver algumas poucas macieiras que resistiram ao tempo, carregadas de maçãs vermelhas que despontando por entre as folhas esverdeadas, caminhei naquela direção e peguei uma delas, mordendo-a depois de lavar, relembrando com nostalgia seu sabor doce."É bom estar em casa novamente..." Pensei comigo mesma, suspirando.De repente, me lembrei de uma única amiga que tive naquela época, seu nome era Júlia e éramos praticamente unha e carne, mas havíamos perdido o contato de alguma forma. Fiquei me perguntando como ela estaria, imaginando que provavelmente pela idade, já estaria casada e talvez até com filhos.Sorri, pensando
Wolfgang Encarei os documentos à minha frente, que precisavam ser assinados, mas não conseguia me concentrar, ainda mais depois que uma comoção começou do lado de fora do escritório. Troquei um rápido olhar com minha irmã, que parecia alheia a isso, e senti meu maxilar se contraindo por causa do estresse. Quando eu estava prestes a me levantar e descobrir o que estava acontecendo, Gisela irrompeu pelas portas de vidro de maneira ruidosa, seguida da minha secretária que tentava a acalmar. – Não se atreva a me segurar! Ela exclamou séria, beirando a grosseria. – Tudo bem, Rosely, vamos deixá-los a sós...– Marjorie, minha irmã, respondeu por mim, saindo da sala e levando a secretária consigo, mas não antes de destilar um pouco de seu veneno. – Cuidado que ela morde! – O que disse? Lívia questionou, seu rosto fervendo de raiva, e virou-se para encarar a "cunhada". Diferente dela, Marjorie continuava com seu rosto inexpressivo, e aproximou alguns passos, fitando a outra mulher de cima
ChristineQuando cheguei à casa de Júlia, fui apresentada ao marido dela. Era um homem gentil e parecia ter a nossa idade, além disso, estava embalando a menininha que parecia sonolenta. Sorri para ela enquanto me aproximava e ergui a mão, tocando suas bochechas macias.Nesse momento, sua mãozinha agarrou meu dedo indicador e eu caí de amores na hora, ela era linda e sorria bastante, mostrando seus únicos dois dentinhos. Então meus olhos começaram a marejar quando lembrei que um anjinho como aquele estava se formando dentro do meu útero, e por todo aquele tempo, eu estava apenas ignorando sua existência. Nem eu podia acreditar em como estava sendo desumana, e pensar nisso fez eu me sentir um lixo.
Último capítulo