A manhã seguinte se iniciou com as colegas de quarto sendo despertadas pelo sinal. Naquele dia, um sábado, não era necessário acordar cedo, mas durante a semana o despertar naquele horário, às 5 da manhã, era obrigatório. Dali meia hora, haveria a oração matinal na capela e até às seis e meia, serviam o café da manhã. No fim de semana não havia atividades e a instituição permitia a saída dos estudantes, desde que retornassem até às 19. A biblioteca, piscina e quadra de esportes também ficavam abertas; havia muito o que fazer ali mesmo.
Alex se levantou e iniciou a organização de seus pertences, enquanto Elloá continuou deitada, usando o celular. Antes de saírem para o café, faltando vinte minutos para encerrar a distribuição, Alex ligou para os pais; Lucca não atendeu, ainda não estava acordado.
Para as amigas, no grupo de mensagens intitulado “Bests”, Alex enviou uma foto retirada no espelho do banheiro, onde ostentava seu uniforme de dia não letivo.
O uniforme consistia em uma camisa polo branca de tecido macio, com o brasão do Instituto São Bartolomeu bordado no peito em fios dourados. A camisa era combinada com uma saia plissada azul marinho que caía até um pouco acima dos joelhos. Meias brancas até a altura das canelas e sapatos pretos fechados completavam o conjunto. Alex também usava um suéter azul marinho com o mesmo brasão bordado na manga, um complemento opcional para os dias mais frescos.
Alexandra tinha a pele negra, que contrastava lindamente com o branco impecável da camisa polo. Seus olhos castanhos brilhavam com uma mistura de excitação e nervosismo pelo início dessa nova fase de sua vida. Seus cabelos curtos e bem cuidados para manter a saúde dos fios progressivados, estavam penteados em um coque baixo, um estilo prático, mas elegante. Seus lábios se curvaram em um sorriso confiante para a foto, refletindo sua determinação em aproveitar ao máximo a oportunidade que tinha diante de si.
Depois de enviar a foto, Alex olhou para Elloá, que ainda estava imersa no celular. Ela também vestia o uniforme, mas havia substituído a meia e o sapato por sandálias de dedo.
— Pronta para ir tomar café? — Alex perguntou, ajustando o suéter no corpo.
— Quase, só mais um minuto. — Elloá respondeu, finalmente levantando-se da cama.
As duas se prepararam e saíram do quarto, prontas para enfrentar o primeiro dia de um fim de semana no prestigiado Instituto São Bartolomeu.
O Buffet estava impecável como no dia anterior, contendo opções que Alex nunca havia visto. O ambiente estava ainda mais cheio e naquele dia, sentiram-se observadas. A maioria dos estudantes não usavam uniforme; como o fim de semana era o único momento onde a vestimenta não era obrigatória, eles aproveitavam para ostentar suas roupas de grife. Ignorando os olhares e burburinhos, as garotas se sentaram à mesma mesa do jantar, mas não passaram muito tempo conversando em paz como no dia anterior.
Elas mal haviam se sentado quando um grupo de adolescentes ricas, vestindo roupas de luxo, se aproximou da mesa. À frente do grupo estava Camila, uma das líderes sociais do Instituto São Bartolomeu, conhecida por seu jeito arrogante e pela maneira como ditava as regras não escritas do colégio. Ela usava um vestido de seda que parecia brilhar à luz da manhã, acompanhado de uma bolsa que, sozinha, custava mais do que um semestre inteiro de estudo.
— Meninas, estão vendo a mesma coisa que eu? — Camila disse, com um sorriso desdenhoso nos lábios, seus olhos avaliando Alex e Elloá de cima a baixo.
As amigas se entreolharam, tentando ignorar o desconforto, mas era impossível. Alex manteve a calma, mas Elloá já demonstrava sinais de impaciência.
— Acho que sim, Camila. — Disse outra garota, Marcela, que usava um colar de pérolas que parecia ter sido tirado de um catálogo de joias. — Essas duas coisinhas esquisitas… são as únicas que ainda estão de uniforme. Que coisa mais... trágica.
— Vocês sabem que não precisam usar isso nos fins de semana, certo? — Camila continuou, fingindo preocupação. — Ou será que é a única roupa decente que vocês têm?
As palavras dela foram acompanhadas de risos zombeteiros das outras garotas, que começaram a cochichar entre si, trocando olhares de cumplicidade. Alex sentiu o rosto esquentar, mas antes que pudesse responder, Elloá se levantou da mesa abruptamente.
— Vamos, Alex. Não temos tempo para isso. — Elloá disse, pegando a bandeja e se afastando em direção à saída.
Alex hesitou por um momento, seu instinto era defender a amiga e a si mesma, mas optou por seguir Elloá, sabendo que isso só atrairia mais atenção indesejada. Enquanto saíam, puderam ouvir as risadas do grupo ecoando pelo refeitório.
As duas caminharam em silêncio pelos corredores do instituto até chegarem à biblioteca de seu bloco, onde se refugiaram. Ali, entre livros e silêncio, puderam recuperar a compostura, mas sabiam que aquele era apenas o começo das dificuldades que enfrentariam naquele ambiente elitista.
Os primeiros dias no Instituto foram extremamente difíceis para Alex e Elloá. O ambiente, que já era desafiador por si só, se tornou ainda mais hostil devido ao comportamento dos outros alunos. As duas amigas passaram a ser alvo de piadas maldosas e comentários sarcásticos.O bullying ia muito além das palavras. Em diversas ocasiões, as garotas foram vítimas de pegadinhas cruéis, sempre envolvendo a exclusão por classe. Os trabalhos em grupo também eram um desafio. Os alunos se recusavam a incluir as bolsistas, fazendo questão de deixá-las de lado e os professores eram completamente coniventes com a situação, pois estavam sendo constantemente ameaçados pelos filhos de famílias influentes, que respeitavam apenas os professores veteranos, que não eram muitos. Como Alex e Elloá não tinham muitas aulas juntas, acabavam fazendo os trabalhos sozinhas. Apesar de tudo, as duas se mantinham firmes, sabendo que desistir significaria abrir mão de seus sonhos e perto de todos os grandes objetivos
No meio de tantas atividades e trabalhos que deveriam ser em grupo, mas acabava por ter de fazer individualmente, Alexandra não teve muito tempo para ligar para suas amigas e namorado, a única ligação que fazia religiosamente, era uma curta para seus pais, onde sempre fingia uma voz alegre, omitindo as situações que passava. Naquele fim de semana, após tensos minutos encarando o programa de texto do computador e sem forças para digitar mais um carácter sequer, decidiu que precisava relaxar. Após salvar o documento e fazer logoff no computador, abandonou a sala de estudos, caminhando pelo imenso Campus em busca de um lugar tranquilo, optando pela biblioteca do prédio Cecília Meireles. Naquele sábado, o terceiro que passava ali, era a primeira vez que Alex permanecia tanto tempo longe de sua família e após desligar o cérebro de todas as suas atividades acadêmicas, sentiu o peso da distância sob os ombros. Quando se sentou no parapeito de uma das janelas abertas e encarou o vasto jardi
Professor Arthur se aproximou de Elloá na biblioteca enquanto ela fazia pesquisas para uma atividade em seu horário vago da tarde. Ele se sentou na mesa dela e começou a puxar assunto sobre o terço que ela sempre mantinha no pescoço, um presente da falecida avó; a conversa acabou com uma troca de telefones em que passaram uma noite toda conversando; no sábado em que Alex fumara com Guilherme, foi a primeira vez em que saíram juntos; ele a levava para conhecer pontos turísticos da cidade e também a ajudava com as atividades curriculares.— Então vocês não estão… Você sabe, fazendo…— Não! — Elloá a interrompeu, causando certo alívio tanto pela resposta quanto por não precisar completar a frase. — Você sabe que sou cristã, e ele preza muito por minha inocência, disse que é o meu maior atrativo! — Legal, eu acho — na verdade, Alexandra achava um pouco bizarro, mas passeios casuais eram melhores que um professor tirando vantagem sexual de uma aluna. — E o que fizeram de legal hoje?— Só
Ao fim das aulas da tarde, Alex foi direto para a biblioteca desativada, esperando encontrar todo o seu grupo de amigos. No entanto, ao entrar no local, encontrou apenas Guilherme e Lucas, ambos sentados no parapeito da mesma janela onde, dias atrás, ela havia fumado seu primeiro cigarro junto com Guilherme. Ao perceberem sua presença, os dois levantaram a cabeça, recebendo-a com sorrisos amigáveis.— Também não tem pesquisa acumulada para fazer na sala de estudos? — brincou Guilherme, gesticulando para que ela se aproximasse. — Somos definitivamente os mais inteligentes do grupo!— Ou os com menos vida social, eu diria, se você não estivesse aqui! — acrescentou Lucas, lançando um olhar malicioso para Guilherme antes de apagar o cigarro e descer do parapeito da janela. Ele caminhou até a mesa de estudos, onde algumas latas de refrigerante e uma garrafa de água mineral sem rótulo estavam dispostas. — Sem querer ofender! — Ele sorriu para Alexandra, que se sentou ao lado dele na mesa.—
No dia seguinte, Alex decidiu quebrar a rotina. Ao invés de vestir o uniforme de fim de semana, optou por uma das suas camisetas surradas, combinando-a com seus inseparáveis coturnos. Sentia-se mais confortável assim, mais autêntica. Mesmo caminhando lado a lado com Elloá até o refeitório para o café da manhã, nenhuma das duas disse uma palavra sequer. O silêncio entre elas era imenso, refletindo a tensão que havia crescido desde a noite anterior.Na mesa com os amigos, Alex, Lucas e Guilherme trocaram olhares cúmplices, recordando a noite anterior enquanto os outros reclamavam sobre os trabalhos acumulados. Elloá, por outro lado, comentou de forma ácida:— Acabei tudo durante a madrugada. Inclusive, consegui ouvir pessoas chegando após o toque de recolher.Antes que Alex pudesse responder, Camila, a garota popular, se aproximou mais uma vez, convidando Elloá para se juntar aos seus amigos. Sem hesitar por um segundo, Elloá aceitou o convite e se levantou, deixando o grupo.— O sonho
O céu noturno era iluminado por algumas estrelas e a lua minguante quase não aparecia no céu; aquela era uma das coisas deprimentes de estar na cidade, o céu nunca estava limpo como o do interior.Quisera Alexandra que aquela fosse a única coisa deprimente naquele dia. O cigarro entre seus dedos foi aceso após alguns minutos de contemplação; do telhado de seu alojamento, sentada a borda da construção, o Instituto São Bartolomeu, mesmo à noite, ainda ostentava beleza e imponência. Ela nunca se sentira tão pequena quanto naquele momento.Aquele sempre foi seu sonho, mas estando ali, tudo estava sendo diferente e da pior maneira possível. O pior é que haviam passado apenas 30 dias. Um mês dentro de um ambiente da nata da sociedade, e Alex já não aguentava mais um segundo.No entanto, todo seu drama e autopiedade se esvaíram de seu corpo em segundos quando ela viu claramente a garota correndo pelo pátio, fugindo de algo invisível.De repente, uma pres
No dia seguinte, foi difícil levantar-se da cama, mas Alexandra sabia que não tinha outra opção. Por mais que quisesse justiça pela amiga, denunciar toda aquela situação absurda, sabia que não podia fazer alarde. Já havia sido ameaçada e sabia que seus pais não poderiam arcar financeiramente com um processo de uma instituição como aquela. Mesmo que mal tivesse forças, Alex se levantou, tomou um banho e vestiu seu impecável uniforme, indo em direção ao refeitório, apesar de não sentir um pingo de fome. No cômodo, todos a encaravam com julgamento, alguns rindo sem reservas e poucos preocupados. Guilherme foi em sua direção , ajudando a amiga na caminhada da vergonha, sem medo de ser julgado junto dela. Na mesa junto de seus amigos, todos começaram a lançar-lhe palavras de conforto, mas nenhum deles citaram Elloá. Todos agiam como se Alexandra tivesse passado por um episódio de sonambulismo, era inclusive o assunto que rodava por toda a escola, como se simplesmente tivessem se esqueci
Naquela semana, Alex tentou retomar sua rotina acadêmica, ainda que o ar estranho entre ela e Elloá permanecesse. Elloá agia de forma normal, mas algo em seus gestos e olhares parecia diferente, como se uma sombra pairasse sobre ela. Isso deixava Alexandra inquieta, mas ela se esforçou para não deixar seus medos dominarem. As aulas e os trabalhos se acumularam, e Alex tentou se concentrar neles, usando o cansaço como desculpa para não pensar demais.Na sexta-feira, a professora de inglês ainda não havia retornado, e Arthur continuava a assumir suas aulas. Mesmo após algumas aulas com ele, Alex ainda notava algo estranho no professor. Durante as aulas, ele fazia questão de fazer perguntas diretas a ela, e havia uma sensação incômoda de que ele queria dizer algo mais, algo que sempre ficava nas entrelinhas.Após o fim da última aula, Arthur pediu que Alexandra ficasse um pouco mais na sala. A sala estava quase vazia, com apenas alguns alunos que ainda organizavam seus materiais. Arthur