No meio de tantas atividades e trabalhos que deveriam ser em grupo, mas acabava por ter de fazer individualmente, Alexandra não teve muito tempo para ligar para suas amigas e namorado, a única ligação que fazia religiosamente, era uma curta para seus pais, onde sempre fingia uma voz alegre, omitindo as situações que passava.
Naquele fim de semana, após tensos minutos encarando o programa de texto do computador e sem forças para digitar mais um carácter sequer, decidiu que precisava relaxar. Após salvar o documento e fazer logoff no computador, abandonou a sala de estudos, caminhando pelo imenso Campus em busca de um lugar tranquilo, optando pela biblioteca do prédio Cecília Meireles.
Naquele sábado, o terceiro que passava ali, era a primeira vez que Alex permanecia tanto tempo longe de sua família e após desligar o cérebro de todas as suas atividades acadêmicas, sentiu o peso da distância sob os ombros. Quando se sentou no parapeito de uma das janelas abertas e encarou o vasto jardim, silencioso graças à distância que aquele prédio se encontrava dos outros, sentiu vontade de chorar. No entanto, não teve tanto tempo para lamentações, pois sua solidão foi interrompida com a chegada de Guilherme.
Guilherme era um garoto de pele bronzeada e cabelos pretos e brilhantes; ele era quase um ponto fora da curva dentre seu grupo de amigos, pois, o veterano do terceiro ano, apesar de bolsista, principalmente pelo tempo em que se encontrava na instituição, era o tipo de pessoa que se dava bem com todo mundo; era conhecido por sua habilidade nos esportes, especialmente no basquete. Vinha de uma capital movimentada e de família classe média, mas ainda assim pobre demais para fazer parte da elite e poder pagar pelos próprios estudos.
Em seu grupo de amigos, era o que mais tinha viajado e tido experiências divertidas, quase sendo venerado. Embora Guilherme fosse cordial e tratasse todos de forma amigável, Alexandra sentia uma certa antipatia pelo garoto, talvez por um ressentimento oculto em relação à maneira como todos o idolatravam. Isso fez com que sentisse certo desânimo ao notar a presença do colega, que se aproximou sem permissão, sentando-se do seu lado no parapeito da janela.
— Não parece bem — ele afirmou de maneira direta. — Saudades de casa? — ela maneou a cabeça, concordando em silêncio.
Os olhos castanhos do colega a analisava com atenção enquanto Alexandra mantinha propositalmente os olhos presos no jardim, observando um beija-flor. Seus pés balançavam nervosamente devido à aproximação do colega, que cheirava a chiclete de canela, coincidentemente o favorito de Lucca. Aquele instante a recordou que há muito tempo não conversava com seu namorado.
— Cadê a Elloá?
— Não sei! — seu tom de voz saiu meio rude devido à pergunta sem noção; ela não era guarda-costas de sua amiga.
— Ela tem passado um tempão com o professor eventual de inglês. Na real tem um monte de menina doidinha com ele, não sei se por ser novato ou por ainda estar na casa dos vinte, mas ele tem recusado uns três encontros por dia! Estão falando por aí que viram ela entrando no carro dele hoje de manhã. Se puder dar um toque nela, peça que seja mais discreta antes que uma das admiradoras dele decida denunciar a situação. Aqui eles são muito rigorosos com os bolsistas e muito discretos com escândalos.
— Pode deixar, vou avisar ela! — mas naquele momento, Alex não estava nada preocupada com a amiga.
— Aceita? — Guilherme questionou após alguns minutos de silêncio constrangedor, obrigando a colega a olhar em sua direção. Alex fez uma careta ao olhar para a carteira de cigarros na mão do garoto.
— Você fuma? — o tom da garota era de completo julgamento.
— Tenho substituído pelo chiclete sem açúcar, mas aos fins de semana eu me permito desestressar de uma maneira mais intensa!
— E cigarro desestressa?
— Não imagina o quanto!
— E se alguém pegar a gente aqui fumando?
— Não é como alguém se importasse, mas de qualquer forma, já viu alguém entrar aqui?
Por conta da possibilidade de desestressar, Alexandra aceitou o cigarro. Com mãos ligeiramente trêmulas, ela levou o cigarro aos lábios, sentindo o gosto amargo do filtro antes mesmo de acender. Sentados ali, com as pernas penduradas para fora do parapeito, Guilherme acendeu o cigarro para ela com um isqueiro barato, o som do fogo crepitando foi seguido por um cheiro forte de tabaco. Inspirando profundamente, Alex sentiu a fumaça quente invadir seus pulmões pela primeira vez.
O efeito foi imediato e surpreendente: uma sensação de ardor na garganta, que a fez tossir de forma involuntária e sentir os olhos lacrimejarem. A fumaça subiu em espirais delgadas no ar frio, dissipando-se rapidamente. Guilherme riu suavemente, mas não de forma zombeteira. Ele ofereceu algumas palavras de encorajamento, explicando como fazer para que a próxima tragada fosse mais suave.
Alex tentou novamente, desta vez inspirando de forma mais leve. A sensação ainda era estranha, mas ela conseguiu evitar a tosse. Enquanto fumavam, o ar da tarde começava a esfriar e trazia também o aviso de que a noite chegava; a brisa que entrava pela janela trazia consigo o cheiro de folhas e grama, misturando-se com o aroma do tabaco.
A conversa entre seguia de maneira pausada, fluindo naturalmente entre tragadas e momentos de silêncio que haviam se tornado confortáveis. Alex sentia uma mistura de euforia e desconforto, tanto por estar fumando pela primeira vez quanto pela companhia de Guilherme, que parecia tão à vontade com a situação. O cigarro queimava lentamente entre seus dedos, e ela se pegava observando as espirais de fumaça subindo e se dissipando no ar.
Quando finalmente terminaram, Alex apagou o cigarro contra o parapeito de pedra, o gosto amargo ainda presente na boca. Ela olhou para Guilherme, que lhe deu um sorriso cúmplice e tranquilo, como se tivessem compartilhado algo importante. Embora ainda estivesse um pouco tonta e com um leve enjoo, Alex sentiu que aquela experiência, por mais simples que fosse, havia mesmo a ajudado a relaxar.
Quando retornou para seu quarto, ligou para o namorado, mas a chamada foi para a caixa postal por três vezes, lhe restando apenas lhe enviar uma mensagem, que foi visualizada, mas não respondida. No entanto, ela não teve tempo de se preocupar, pois, logo Elloá entrou no quarto. Ela havia saído pela manhã após o café dizendo que faria um passeio na cidade e voltara dez minutos antes do toque de recolher, o sorriso estampado no rosto mostrando que não tinha feito um simples passeio.
— Passeio bom? — Alex questionou com certa insinuação.
— Maravilhoso!
— E foi com quem?
— Sozinha, ué!
— Sei! — Alexandra não se estendeu. A tontura pós nicotina ainda a afetava e não parecia justo dar sermão na amiga; era a primeira vez em dias em que ela conseguia abrir um sorriso.
Alexandra não demorou a perceber que os boatos que Guilherme lhe contou, eram a mais pura verdade. Na semana seguinte, Elloá mal passou tempo com a amiga, sempre inventando uma desculpa nada convincente para não fazerem as atividades juntas ao fim do dia e sempre chegando sorrateiramente no dormitório minutos antes do toque de recolher. Na quinta-feira, Alex decidiu que precisava falar alguma coisa pois a situação já estava ficando preocupante, principalmente por naquele dia, a garota ter perdido o toque de recolher.
Elloá retornou ao dormitório tarde da noite e entrou na ponta dos pés, mas a amiga estava acordada, a insônia após ser ignorada por dias por Lucca, a afetou com força. Sua tensão era tamanha que até havia pedido às amigas de sua cidade, que sondasse o rapaz para descobrir o que estava havendo.
— Noite boa? — Alexandra questionou tal qual uma mãe, fazendo Elloá se assustar. A amiga estava sem uniforme e com os cabelos molhados, denunciando que havia tomado um banho completo antes de retornar.
— O que está fazendo acordada?
— Preocupação… Mas enfim, eu posso saber quem é esse príncipe encantado? Os boatos são verdadeiros? — ela decidiu que no primeiro momento era melhor ser amigável.
Elloá se manteve em silêncio por um tempo, mas não conseguiu conter o sorriso bobo que cresceu em seu rosto enquanto sentava aos pés da amiga. Pela primeira vez, ela contou tudo.
Professor Arthur se aproximou de Elloá na biblioteca enquanto ela fazia pesquisas para uma atividade em seu horário vago da tarde. Ele se sentou na mesa dela e começou a puxar assunto sobre o terço que ela sempre mantinha no pescoço, um presente da falecida avó; a conversa acabou com uma troca de telefones em que passaram uma noite toda conversando; no sábado em que Alex fumara com Guilherme, foi a primeira vez em que saíram juntos; ele a levava para conhecer pontos turísticos da cidade e também a ajudava com as atividades curriculares.— Então vocês não estão… Você sabe, fazendo…— Não! — Elloá a interrompeu, causando certo alívio tanto pela resposta quanto por não precisar completar a frase. — Você sabe que sou cristã, e ele preza muito por minha inocência, disse que é o meu maior atrativo! — Legal, eu acho — na verdade, Alexandra achava um pouco bizarro, mas passeios casuais eram melhores que um professor tirando vantagem sexual de uma aluna. — E o que fizeram de legal hoje?— Só
Ao fim das aulas da tarde, Alex foi direto para a biblioteca desativada, esperando encontrar todo o seu grupo de amigos. No entanto, ao entrar no local, encontrou apenas Guilherme e Lucas, ambos sentados no parapeito da mesma janela onde, dias atrás, ela havia fumado seu primeiro cigarro junto com Guilherme. Ao perceberem sua presença, os dois levantaram a cabeça, recebendo-a com sorrisos amigáveis.— Também não tem pesquisa acumulada para fazer na sala de estudos? — brincou Guilherme, gesticulando para que ela se aproximasse. — Somos definitivamente os mais inteligentes do grupo!— Ou os com menos vida social, eu diria, se você não estivesse aqui! — acrescentou Lucas, lançando um olhar malicioso para Guilherme antes de apagar o cigarro e descer do parapeito da janela. Ele caminhou até a mesa de estudos, onde algumas latas de refrigerante e uma garrafa de água mineral sem rótulo estavam dispostas. — Sem querer ofender! — Ele sorriu para Alexandra, que se sentou ao lado dele na mesa.—
No dia seguinte, Alex decidiu quebrar a rotina. Ao invés de vestir o uniforme de fim de semana, optou por uma das suas camisetas surradas, combinando-a com seus inseparáveis coturnos. Sentia-se mais confortável assim, mais autêntica. Mesmo caminhando lado a lado com Elloá até o refeitório para o café da manhã, nenhuma das duas disse uma palavra sequer. O silêncio entre elas era imenso, refletindo a tensão que havia crescido desde a noite anterior.Na mesa com os amigos, Alex, Lucas e Guilherme trocaram olhares cúmplices, recordando a noite anterior enquanto os outros reclamavam sobre os trabalhos acumulados. Elloá, por outro lado, comentou de forma ácida:— Acabei tudo durante a madrugada. Inclusive, consegui ouvir pessoas chegando após o toque de recolher.Antes que Alex pudesse responder, Camila, a garota popular, se aproximou mais uma vez, convidando Elloá para se juntar aos seus amigos. Sem hesitar por um segundo, Elloá aceitou o convite e se levantou, deixando o grupo.— O sonho
O céu noturno era iluminado por algumas estrelas e a lua minguante quase não aparecia no céu; aquela era uma das coisas deprimentes de estar na cidade, o céu nunca estava limpo como o do interior.Quisera Alexandra que aquela fosse a única coisa deprimente naquele dia. O cigarro entre seus dedos foi aceso após alguns minutos de contemplação; do telhado de seu alojamento, sentada a borda da construção, o Instituto São Bartolomeu, mesmo à noite, ainda ostentava beleza e imponência. Ela nunca se sentira tão pequena quanto naquele momento.Aquele sempre foi seu sonho, mas estando ali, tudo estava sendo diferente e da pior maneira possível. O pior é que haviam passado apenas 30 dias. Um mês dentro de um ambiente da nata da sociedade, e Alex já não aguentava mais um segundo.No entanto, todo seu drama e autopiedade se esvaíram de seu corpo em segundos quando ela viu claramente a garota correndo pelo pátio, fugindo de algo invisível.De repente, uma pres
No dia seguinte, foi difícil levantar-se da cama, mas Alexandra sabia que não tinha outra opção. Por mais que quisesse justiça pela amiga, denunciar toda aquela situação absurda, sabia que não podia fazer alarde. Já havia sido ameaçada e sabia que seus pais não poderiam arcar financeiramente com um processo de uma instituição como aquela. Mesmo que mal tivesse forças, Alex se levantou, tomou um banho e vestiu seu impecável uniforme, indo em direção ao refeitório, apesar de não sentir um pingo de fome. No cômodo, todos a encaravam com julgamento, alguns rindo sem reservas e poucos preocupados. Guilherme foi em sua direção , ajudando a amiga na caminhada da vergonha, sem medo de ser julgado junto dela. Na mesa junto de seus amigos, todos começaram a lançar-lhe palavras de conforto, mas nenhum deles citaram Elloá. Todos agiam como se Alexandra tivesse passado por um episódio de sonambulismo, era inclusive o assunto que rodava por toda a escola, como se simplesmente tivessem se esqueci
Naquela semana, Alex tentou retomar sua rotina acadêmica, ainda que o ar estranho entre ela e Elloá permanecesse. Elloá agia de forma normal, mas algo em seus gestos e olhares parecia diferente, como se uma sombra pairasse sobre ela. Isso deixava Alexandra inquieta, mas ela se esforçou para não deixar seus medos dominarem. As aulas e os trabalhos se acumularam, e Alex tentou se concentrar neles, usando o cansaço como desculpa para não pensar demais.Na sexta-feira, a professora de inglês ainda não havia retornado, e Arthur continuava a assumir suas aulas. Mesmo após algumas aulas com ele, Alex ainda notava algo estranho no professor. Durante as aulas, ele fazia questão de fazer perguntas diretas a ela, e havia uma sensação incômoda de que ele queria dizer algo mais, algo que sempre ficava nas entrelinhas.Após o fim da última aula, Arthur pediu que Alexandra ficasse um pouco mais na sala. A sala estava quase vazia, com apenas alguns alunos que ainda organizavam seus materiais. Arthur
Apesar do ar de curiosidade que pairava no café, Alexandra e Lucas decidiram prosseguir com o passeio. Eles caminharam pelas ruas da cidade, conversando sobre coisas triviais, até que decidiram ir ao cinema. Era a primeira vez que Alexandra visitava um cinema, e o local era realmente encantador. Com uma arquitetura antiga e uma decoração que remetia aos clássicos do cinema, o lugar exalava charme.— Uau, Lucas, isso aqui é incrível! — exclamou Alexandra, seus olhos brilhando de emoção enquanto observava o ambiente ao redor.Lucas sorriu, contente em vê-la tão animada. Alexandra, movida pela excitação do momento, o abraçou de maneira espontânea e apertada, surpreendendo-o.— Obrigada por me trazer aqui, — ela disse, com a voz cheia de gratidão.— Fico feliz que você esteja gostando, — respondeu Lucas, um pouco sem jeito, mas visivelmente satisfeito.Os dois compraram ingressos para uma animação que estava em cartaz, uma escolha que Alexandra fez de maneira impulsiva. Ela estava ansiosa
A semana começou com o anúncio de uma excursão organizada pelo departamento de ciências, um evento esperado por muitos estudantes do primeiro ano. O anúncio da excursão foi feito no auditório do Instituto São Bartolomeu, um lugar amplo e bem iluminado, com fileiras de cadeiras ocupadas pelos alunos do primeiro ano. A expectativa era palpável no ar. A professora de ciências, dona Marisa, subiu ao palco com um sorriso entusiasmado, sendo seguida por outros professores e monitores que ficariam responsáveis pela organização do evento.A viagem tinha como objetivo visitar um famoso centro de pesquisas ambientais, situado em uma reserva natural a algumas horas de distância do instituto. Além de aulas práticas e atividades em campo, os alunos teriam a oportunidade de participar de workshops sobre biodiversidade e sustentabilidade. A excursão incluiria uma estadia de dois dias, de sexta a domingo, para que pudessem explorar o local com calma e se aprofundar nos estudos.— Bom dia, pessoal! —