Professor Arthur se aproximou de Elloá na biblioteca enquanto ela fazia pesquisas para uma atividade em seu horário vago da tarde. Ele se sentou na mesa dela e começou a puxar assunto sobre o terço que ela sempre mantinha no pescoço, um presente da falecida avó; a conversa acabou com uma troca de telefones em que passaram uma noite toda conversando; no sábado em que Alex fumara com Guilherme, foi a primeira vez em que saíram juntos; ele a levava para conhecer pontos turísticos da cidade e também a ajudava com as atividades curriculares.
— Então vocês não estão… Você sabe, fazendo…
— Não! — Elloá a interrompeu, causando certo alívio tanto pela resposta quanto por não precisar completar a frase. — Você sabe que sou cristã, e ele preza muito por minha inocência, disse que é o meu maior atrativo!
— Legal, eu acho — na verdade, Alexandra achava um pouco bizarro, mas passeios casuais eram melhores que um professor tirando vantagem sexual de uma aluna. — E o que fizeram de legal hoje?
— Só caminhamos pela horta orgânica do colégio enquanto conversávamos, aí acabamos tomando um banho dos irrigadores!
— É melhor tomar um banho quente antes que adoeça!
— Você tem razão!
Na manhã seguinte, Alexandra teve seu primeiro contato direto com Arthur. São Bartolomeu era uma instituição de estrutura a nível universitário e por atender uma extrema quantidade de alunos, possuía diversos professores para a mesma disciplina e o eventual só entrava em sala em casos extremos, tornando-se o cargo mais tranquilo de se ter na instituição.
Naquela manhã, Alexandra aguardava por mais uma aula de literatura inglesa com a professora Clarice, mas assim que se acomodou em seu lugar, a porta se abriu e o professor Arthur entrou. Sua presença imediatamente captou a atenção de todos.
Ele era um homem alto e magro, com uma postura rígida que o fazia parecer quase militar. Seus cabelos pretos estavam penteados para trás de maneira impecável, e seus olhos cinza pálidos, que pareciam observar tudo com uma intensidade fria, deixavam Alexandra desconfortável. Ele usava um terno preto perfeitamente ajustado, com uma camisa branca impecável e uma gravata escura que acentuava ainda mais sua figura esguia. Mesmo com o sorriso amigável que ele forçava, algo em sua aparência permanecia sombrio, mas apenas para Alex.
— Bom dia, turma — disse Arthur, com uma voz suave e quase melodiosa, que contrastava estranhamente com sua aparência austera. — Meu nome é Arthur, e estarei com vocês enquanto a professora Clarice se recupera. Espero que possamos aprender bastante juntos.
Os alunos responderam em uníssono, quase como se estivessem hipnotizados pela presença do professor; Alexandra era a única a sentir o clima estranho que pairava no ar. Arthur começou a caminhar pela sala após distribuir cópias de um texto. Seus passos eram metódicos, e ele mantinha as mãos cruzadas nas costas, um gesto que parecia aumentar ainda mais a tensão.
— Hoje vamos trabalhar com este texto — continuou ele, entregando a ultima folha a Alexandra. — Quero que vocês leiam e depois discutam entre si o significado das metáforas e símbolos. Estou aqui para ajudar, caso precisem.
Enquanto Arthur falava, seus olhos fixaram-se em Alexandra por um instante mais longo do que o necessário, o que a fez sentir um arrepio. Ele sorriu, mas o sorriso não alcançou seus olhos.
— Se tiver alguma dúvida, não hesite em perguntar, Alexandra — disse ele, de forma tão direta que a fez se sentir exposta.
— Claro, professor — respondeu Alexandra, tentando manter a voz firme. — Obrigada.
Ela começou a ler o texto, mas não conseguia se concentrar. Sentia o olhar de Arthur sobre ela, mesmo quando ele estava do outro lado da sala, atendendo outro aluno. A sensação de desconforto persistia.
Mais tarde, durante a discussão, Arthur se aproximou de um grupo de alunos que incluía Alexandra. Ele ouviu a conversa por um momento antes de intervir.
— Interessante a sua interpretação, Marcos — disse ele, olhando para um dos alunos. — Mas você já considerou que o autor pode estar se referindo a algo mais sombrio? Algo que está escondido nas entrelinhas?
Os alunos se entreolharam, hesitantes. O tom da voz de Arthur, apesar de amigável, tinha um subtexto que parecia insinuar algo mais profundo, quase ameaçador.
— Eu... não tinha pensado nisso, professor — respondeu Marcos, visivelmente desconcertado.
Arthur sorriu novamente, aquele sorriso que não combinava com seus olhos.
— É sempre bom explorar todas as possibilidades — ele disse, antes de se virar para Alexandra. — E você, Alexandra? O que acha?
Alexandra sentiu todos os olhos voltados para ela.
— Acho que... o autor pode estar usando as metáforas para falar sobre medos ocultos. Algo que as pessoas evitam enfrentar — disse ela, tentando soar confiante.
Arthur inclinou a cabeça levemente, como se estivesse avaliando sua resposta.
— Muito bem, Alexandra. Parece que você entende bem a complexidade do texto. Mas lembre-se — ele acrescentou, com um tom que soava quase como um aviso — Nem tudo é o que parece.
A aula continuou, mas Alexandra não conseguia se livrar da sensação de que havia algo mais nas palavras de Arthur. Quando a aula finalmente terminou, ela soltou um suspiro de alívio e começou a guardar suas coisas.
— Boa aula, Alexandra — disse Arthur, quando ela estava prestes a sair. A garota concordou com um aceno de cabeça, sem olhar diretamente para ele.
Enquanto deixava a sala, Alexandra se perguntou se os outros alunos também haviam sentido o desconforto que ela sentiu. Algo em Arthur parecia errado, apesar de suas tentativas de parecer amigável. Ela sabia que não iria esquecer aquela aula tão cedo.
No fim do turno da manhã, Alexandra reuniu-se com os amigos para almoçar, mas ainda se sentia incomodada com a aula do professor Arthur. Enquanto mastigava lentamente, a dúvida sobre a impressão que ele havia deixado continuava a atormentá-la. Durante a conversa, ela não conseguiu se conter e perguntou:
— Vocês já tiveram aula com o professor Arthur antes?
Os colegas, distraídos entre garfadas e risos, começaram a responder.
— Ah, já sim! — disse Guilherme, balançando a cabeça positivamente. — Ele é ótimo! Sempre traz discussões interessantes e nos faz pensar fora da caixa.
— Sim, eu gosto da dinâmica dele — concordou outra colega. — Ele tem uma abordagem diferente, mas é envolvente.
Alexandra ouviu atentamente, mas os elogios dos amigos não a convenceram. Sentiu-se sem espaço para expor o que realmente queria, então se manteve calada e voltou a focar na refeição, embora seu apetite tivesse diminuído.
Enquanto eles comiam, uma das garotas populares, Camila, conhecida por sua atitude altiva, aproximou-se da mesa. Sem sequer olhar para Alexandra ou os outros, cumprimentou apenas Guilherme com um sorriso superficial.
— Guilherme, oi! — disse ela, passando a mão pelos cabelos loiros e brilhantes. — Olá, Elloá. Queria te convidar para uma festa que vai rolar amanhã à noite, depois do toque de recolher. Vai ser incrível!
Elloá piscou, surpresa com o convite inesperado.
— Sério? Ah... claro, vou adorar ir! — respondeu ela, sem esconder o entusiasmo.
— Ótimo! Vou te passar as orientações por mensagem! Então, a gente se vê lá — disse a garota, acenando apenas para Guilherme antes de se afastar da mesa, sem se dar ao trabalho de olhar para mais ninguém.
Quando a garota se afastou, Alexandra se inclinou para Elloá, tentando manter um tom preocupado, mas firme.
— Elloá, isso não parece uma boa ideia. É perigoso quebrar as regras, ainda mais para a gente que é bolsista. E ela... essa menina estava te humilhando há poucos dias. Por que de repente ela está te convidando para uma festa?
Elloá, que até então estava radiante, virou-se para Alexandra com um olhar de irritação.
— Alex, você só pode estar com inveja — retrucou, cruzando os braços. — Finalmente estou sendo incluída, e você continua sendo uma zé ninguém que, inclusive, está sendo ignorada pelo seu namorado. Não dá para viver só na defensiva o tempo todo!
As palavras de Elloá atingiram Alexandra como um soco no estômago. Ela abriu a boca para responder, mas se conteve. A situação era ainda mais difícil do que imaginara. Sentindo-se profundamente magoada e confusa, ela apenas desviou o olhar, tentando ignorar a dor que as palavras da amiga tinham causado.
Ao fim das aulas da tarde, Alex foi direto para a biblioteca desativada, esperando encontrar todo o seu grupo de amigos. No entanto, ao entrar no local, encontrou apenas Guilherme e Lucas, ambos sentados no parapeito da mesma janela onde, dias atrás, ela havia fumado seu primeiro cigarro junto com Guilherme. Ao perceberem sua presença, os dois levantaram a cabeça, recebendo-a com sorrisos amigáveis.— Também não tem pesquisa acumulada para fazer na sala de estudos? — brincou Guilherme, gesticulando para que ela se aproximasse. — Somos definitivamente os mais inteligentes do grupo!— Ou os com menos vida social, eu diria, se você não estivesse aqui! — acrescentou Lucas, lançando um olhar malicioso para Guilherme antes de apagar o cigarro e descer do parapeito da janela. Ele caminhou até a mesa de estudos, onde algumas latas de refrigerante e uma garrafa de água mineral sem rótulo estavam dispostas. — Sem querer ofender! — Ele sorriu para Alexandra, que se sentou ao lado dele na mesa.—
No dia seguinte, Alex decidiu quebrar a rotina. Ao invés de vestir o uniforme de fim de semana, optou por uma das suas camisetas surradas, combinando-a com seus inseparáveis coturnos. Sentia-se mais confortável assim, mais autêntica. Mesmo caminhando lado a lado com Elloá até o refeitório para o café da manhã, nenhuma das duas disse uma palavra sequer. O silêncio entre elas era imenso, refletindo a tensão que havia crescido desde a noite anterior.Na mesa com os amigos, Alex, Lucas e Guilherme trocaram olhares cúmplices, recordando a noite anterior enquanto os outros reclamavam sobre os trabalhos acumulados. Elloá, por outro lado, comentou de forma ácida:— Acabei tudo durante a madrugada. Inclusive, consegui ouvir pessoas chegando após o toque de recolher.Antes que Alex pudesse responder, Camila, a garota popular, se aproximou mais uma vez, convidando Elloá para se juntar aos seus amigos. Sem hesitar por um segundo, Elloá aceitou o convite e se levantou, deixando o grupo.— O sonho
O céu noturno era iluminado por algumas estrelas e a lua minguante quase não aparecia no céu; aquela era uma das coisas deprimentes de estar na cidade, o céu nunca estava limpo como o do interior.Quisera Alexandra que aquela fosse a única coisa deprimente naquele dia. O cigarro entre seus dedos foi aceso após alguns minutos de contemplação; do telhado de seu alojamento, sentada a borda da construção, o Instituto São Bartolomeu, mesmo à noite, ainda ostentava beleza e imponência. Ela nunca se sentira tão pequena quanto naquele momento.Aquele sempre foi seu sonho, mas estando ali, tudo estava sendo diferente e da pior maneira possível. O pior é que haviam passado apenas 30 dias. Um mês dentro de um ambiente da nata da sociedade, e Alex já não aguentava mais um segundo.No entanto, todo seu drama e autopiedade se esvaíram de seu corpo em segundos quando ela viu claramente a garota correndo pelo pátio, fugindo de algo invisível.De repente, uma pres
No dia seguinte, foi difícil levantar-se da cama, mas Alexandra sabia que não tinha outra opção. Por mais que quisesse justiça pela amiga, denunciar toda aquela situação absurda, sabia que não podia fazer alarde. Já havia sido ameaçada e sabia que seus pais não poderiam arcar financeiramente com um processo de uma instituição como aquela. Mesmo que mal tivesse forças, Alex se levantou, tomou um banho e vestiu seu impecável uniforme, indo em direção ao refeitório, apesar de não sentir um pingo de fome. No cômodo, todos a encaravam com julgamento, alguns rindo sem reservas e poucos preocupados. Guilherme foi em sua direção , ajudando a amiga na caminhada da vergonha, sem medo de ser julgado junto dela. Na mesa junto de seus amigos, todos começaram a lançar-lhe palavras de conforto, mas nenhum deles citaram Elloá. Todos agiam como se Alexandra tivesse passado por um episódio de sonambulismo, era inclusive o assunto que rodava por toda a escola, como se simplesmente tivessem se esqueci
Naquela semana, Alex tentou retomar sua rotina acadêmica, ainda que o ar estranho entre ela e Elloá permanecesse. Elloá agia de forma normal, mas algo em seus gestos e olhares parecia diferente, como se uma sombra pairasse sobre ela. Isso deixava Alexandra inquieta, mas ela se esforçou para não deixar seus medos dominarem. As aulas e os trabalhos se acumularam, e Alex tentou se concentrar neles, usando o cansaço como desculpa para não pensar demais.Na sexta-feira, a professora de inglês ainda não havia retornado, e Arthur continuava a assumir suas aulas. Mesmo após algumas aulas com ele, Alex ainda notava algo estranho no professor. Durante as aulas, ele fazia questão de fazer perguntas diretas a ela, e havia uma sensação incômoda de que ele queria dizer algo mais, algo que sempre ficava nas entrelinhas.Após o fim da última aula, Arthur pediu que Alexandra ficasse um pouco mais na sala. A sala estava quase vazia, com apenas alguns alunos que ainda organizavam seus materiais. Arthur
Apesar do ar de curiosidade que pairava no café, Alexandra e Lucas decidiram prosseguir com o passeio. Eles caminharam pelas ruas da cidade, conversando sobre coisas triviais, até que decidiram ir ao cinema. Era a primeira vez que Alexandra visitava um cinema, e o local era realmente encantador. Com uma arquitetura antiga e uma decoração que remetia aos clássicos do cinema, o lugar exalava charme.— Uau, Lucas, isso aqui é incrível! — exclamou Alexandra, seus olhos brilhando de emoção enquanto observava o ambiente ao redor.Lucas sorriu, contente em vê-la tão animada. Alexandra, movida pela excitação do momento, o abraçou de maneira espontânea e apertada, surpreendendo-o.— Obrigada por me trazer aqui, — ela disse, com a voz cheia de gratidão.— Fico feliz que você esteja gostando, — respondeu Lucas, um pouco sem jeito, mas visivelmente satisfeito.Os dois compraram ingressos para uma animação que estava em cartaz, uma escolha que Alexandra fez de maneira impulsiva. Ela estava ansiosa
A semana começou com o anúncio de uma excursão organizada pelo departamento de ciências, um evento esperado por muitos estudantes do primeiro ano. O anúncio da excursão foi feito no auditório do Instituto São Bartolomeu, um lugar amplo e bem iluminado, com fileiras de cadeiras ocupadas pelos alunos do primeiro ano. A expectativa era palpável no ar. A professora de ciências, dona Marisa, subiu ao palco com um sorriso entusiasmado, sendo seguida por outros professores e monitores que ficariam responsáveis pela organização do evento.A viagem tinha como objetivo visitar um famoso centro de pesquisas ambientais, situado em uma reserva natural a algumas horas de distância do instituto. Além de aulas práticas e atividades em campo, os alunos teriam a oportunidade de participar de workshops sobre biodiversidade e sustentabilidade. A excursão incluiria uma estadia de dois dias, de sexta a domingo, para que pudessem explorar o local com calma e se aprofundar nos estudos.— Bom dia, pessoal! —
Durante o jantar, Alexandra não pôde deixar de notar os olhares curiosos que a seguiam. O burburinho sobre o "acidente" no vôlei e o gesto gentil de Miguel já haviam se espalhado por todo o colégio. Até mesmo seus amigos não perderam a oportunidade de provocar.Mas, enquanto seus amigos riam e a provocavam, Alex notou algo diferente no ambiente. Do outro lado da mesa, Camila observava tudo com uma expressão ranzinza, claramente incomodada. Seus olhos estavam fixos em Alexandra, e ela não parecia feliz com toda a atenção que a garota estava recebendo.Quando a refeição acabou, Alex se sentiu exausta. Entre as provocações, os olhares de Camila e o incômodo no tornozelo, tudo o que ela queria era descansar. Depois das aulas da tarde, seus amigos a ajudaram a caminhar pelo campus, praticamente a carregando de um lado para o outro. Agora, sozinha, decidiu ir direto para o quarto, ansiando por um momento de paz.Ao chegar, encontrou Elloá já no quarto. Para sua surpresa, Elloá parecia amigá