PREFÁCIO
O céu noturno era iluminado por algumas estrelas e a lua minguante quase não aparecia no céu; aquela era uma das coisas deprimentes de estar na cidade, o céu nunca estava limpo como o do interior.
Quisera Alexandra que aquela fosse a única coisa deprimente naquele dia. O cigarro entre seus dedos foi aceso após alguns minutos de contemplação; do telhado de seu alojamento, sentada a borda da construção, o Instituto São Bartolomeu, mesmo à noite, ainda ostentava beleza e imponência. Ela nunca se sentira tão pequena quanto naquele momento.
Aquele sempre foi seu sonho, mas estando ali, tudo estava sendo diferente e da pior maneira possível. O pior é que haviam passado apenas 30 dias. Um mês dentro de um ambiente da nata da sociedade, e Alex já não aguentava mais um segundo.
No entanto, todo seu drama e autopiedade se esvaíram de seu corpo em segundos quando ela viu claramente a garota correndo pelo pátio, fugindo de algo invisível.
De repente, uma presença negra e esguia surgiu das sombras, movendo-se com uma rapidez e fluidez que não pareciam humanas. Alex prendeu a respiração, incapaz de acreditar no que seus olhos viam. A criatura se lançou sobre a garota, atacando-a com uma ferocidade assustadora. Em poucos segundos, a jovem estava no chão, pálida e seca, esvaziada de toda a sua vida.
O grito de Alex ecoou pela noite quando o corpo da garota caiu. A presença ergueu a cabeça, e mesmo à distância, Alex sentiu os olhos penetrantes da criatura a encararem. O calafrio que percorreu sua espinha a deixou paralisada, incapaz de se mover ou desviar o olhar. O corpo que jazia no chão sem vida pertencia a Elloá, sua única amiga.
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Seus dedos tensos atualizavam a página do navegador insistentemente. O resultado do processo seletivo deveria ter saído alguns minutos antes, ou talvez fossem segundos, mas foi aquela a reclamação que a mãe da jovem ouviu, captando um pouco da tensão da filha. Não foi necessário muito mais tempo até que a lista de aprovados finalmente aparecesse. Alex era a primeira da lista.
A comemoração em família foi descomunal. A filha de Zé Antônio, homem resgatado de uma situação de emprego análogo a escravidão e semi analfabeto, ingressaria em uma escola particular. Eles mataram um boi para comemorar.
Para qualquer pessoa, ainda mais na região em que moravam, a comemoração poderia parecer exagerada; porém, Alex e seus pais sabiam que o Instituto não era apenas uma escola particular; além de ser simplesmente a melhor instituição do país, os melhores alunos ingressavam nas melhores universidades por convite e recebiam bolsas de incentivo profissional nos primeiros anos após a formação. Alex queria aquilo para sua vida, mas a instituição era interna e em outra cidade. Devido à situação financeira de sua família, Alex só poderia retornar para casa nas férias, o que tornou sua festa de despedida um tanto melancólica para seus amigos e namorado.
— A gente conversa todo dia por chamada de vídeo, eu prometo! — ela dizia emocionada para as amigas.
Com o namorado, a despedida foi ainda mais difícil, mas Lucca prometeu esperar por Alex, que se sentiu grata por ter um namorado tão fofo e compreensível.
O restante da festa foi regado de risos, abraços e promessas de reencontro. Quando finalmente chegou o dia da partida, a despedida na rodoviária foi marcada por lágrimas e abraços apertados. Lucca prometeu mandar mensagens e telefonar todos os dias, sempre que possível.
Após quatro horas de viagem até a nova cidade e mais duas horas num ônibus exclusivo para os estudantes, Alex chegou ao Instituto Real de São Bartolomeu. Ao sair do ônibus de bolsistas, ela viu o campus do colégio pela primeira vez, apesar de já ter explorado todo o ambiente por fotos e pelo tour virtual. As construções imponentes em estilo neoclássico se erguiam com uma elegância austera. Colunas de mármore branco sustentavam os pórticos das entradas principais, enquanto torres altas se destacavam contra o céu azul. Jardins meticulosamente cuidados adornavam o entorno, com fontes elaboradas e estátuas de figuras históricas espalhadas por todo o campus.
Os outros jovens chegavam em seus conversíveis reluzentes, enquanto Alex desembarcava com os demais bolsistas. Uma inspetora escolar de postura rígida os abordou rapidamente, com uma expressão séria, mas acolhedora.
— Bem-vindos ao Instituto Real de São Bartolomeu. Eu sou a Sra. Beatriz, inspetora escolar. Aqui estão os materiais de guia e as informações necessárias. Por favor, sigam-me para uma breve orientação. — Ela entregou a cada um um pacote contendo mapas, horários e regulamentos do colégio.
Após serem informados que suas malas já estavam sendo encaminhadas a seus novos quartos, eles foram guiados pelo vasto campus, passando pelos edifícios principais, incluindo salas de aula equipadas com tecnologia de ponta, laboratórios de ciências, uma biblioteca imensa com prateleiras que pareciam tocar o teto e um auditório esplêndido. A Sra. Beatriz também mostrou as instalações esportivas, que incluíam um ginásio, piscinas e campos de atletismo. Tudo no colégio exalava excelência e rigor acadêmico.
Finalmente, chegaram ao pavilhão de alojamento. Alex descobriu que dividiria o quarto com outra bolsista, Elloá. O quarto era modesto, mas confortável, com duas camas, duas mesas de estudo e um armário espaçoso do teto ao chão. O quarto também contava com um banheiro, mas Alex não estava disposta a explorar naquele momento.
Elloá já estava lá, organizando suas coisas. Ela era uma garota de estatura média, com cabelos castanhos lisos que caiam até os ombros e olhos verdes intensos. Havia algo de tranquilo e gentil em sua expressão.
— Você deve ser Alexandra, é um prazer te conhecer! — a garota sorriu, revelando o aparelho odontológico com borrachinhas rosas. Para Alexandra, a jovem tinha um visual um tanto infantilizado para uma garota de quinze anos.
— O prazer é todo meu! — ela retribuiu o sorriso, mas com menos entusiasmo. Estava cansada.
— Espero que não se importe por eu já ter escolhido minha cama.
— Tudo bem, essa está perfeita! — Alex caminhou até sua nova cama, deitando-se de imediato e se sentindo satisfeita com a maciez do colchão. Elloá a observava com certa reserva enquanto continuava a guardar seus pertences.
— Viagem longa? — a colega de quarto questionou de forma amigável.
— Demais! Tive que pegar ônibus praticamente de madrugada na minha cidade e antes disso eu não consegui dormir por ansiedade. Devo estar acordada há umas doze horas!
Alex sequer conseguiu alongar a conversa e logo estava completamente adormecida. Quando despertou, já era noite. Elloá já havia organizado todas as suas coisas e estava em chamada de vídeo em seu computador; seu cabelo molhado e as roupas comuns mostravam que já havia tomado um banho.
Alexandra tentou ser silenciosa enquanto abria sua mala; Elloá lhe lançou mais um sorriso simpático enquanto ela resgatava seus itens de higiene dentro da mala meticulosamente organizada pela mãe. Devido a quantidade de seus itens pessoais, conseguiria facilmente organizar todas as suas coisas em minutos, mas naquele momento apenas pegou seus chinelos, toalha e pijama.
O banheiro do quarto do alojamento era pequeno, mas bem projetado e funcional. Azulejos brancos brilhantes cobriam as paredes, refletindo a luz suave que emanava de uma luminária moderna no teto. O piso de porcelanato cinza claro estava impecavelmente limpo, e um espelho grande acima da pia dava a sensação de amplitude ao espaço. A pia era de mármore branco, com uma torneira de aço inoxidável elegante. Ao lado, uma prateleira de vidro continha toalhas macias e produtos de higiene pessoal.
O chuveiro ficava em um box de vidro transparente, com um chuveiro de alta pressão fixado no teto, proporcionando uma experiência de banho tipo chuva. Alex fechou a porta do banheiro, sentindo a privacidade e a tranquilidade do espaço. Despiu-se lentamente, deixando as roupas caírem ao chão, enquanto a sensação de cansaço da longa viagem parecia pesar ainda mais em seus ombros.
Ela entrou no box e girou o botão do chuveiro. A água quente começou a jorrar, criando um vapor reconfortante que rapidamente preencheu o banheiro. Quando Alex se posicionou sob o jato de água, um suspiro de alívio escapou de seus lábios. A água quente desceu sobre seu corpo cansado, lavando não apenas a sujeira e o suor, mas também a tensão acumulada.
Cada gota parecia massagear seus músculos doloridos, derretendo o estresse e a ansiedade. Alex fechou os olhos, deixando-se envolver pelo calor e pelo som calmante da água caindo. Sentiu os nós em seus ombros e pescoço relaxarem, e uma sensação de paz começou a tomar conta de seu corpo.
Após alguns minutos, ela saiu do chuveiro, sentindo-se revitalizada; envolveu-se não na sua, mas numa das toalhas macias dispostas ali e respirou fundo, apreciando a sensação de limpeza e renovação. Quando saiu do banheiro devidamente vestida, Elloá já havia encerrado a chamada de vídeo e parecia a aguardar.
— Aposto que está com fome! Quer ir comigo até o refeitório? Ainda temos mais meia hora de jantar!
— Claro!
O refeitório do Instituto era tão impressionante quanto o restante da instituição. Quando Alex e Elloá entraram, ficaram imediatamente deslumbradas com o tamanho e a elegância do local. O teto alto era adornado com lustres de cristal que lançavam uma luz suave e difusa, criando um ambiente acolhedor e refinado. Grandes janelas arqueadas permitiam a entrada de luz natural, oferecendo uma vista panorâmica dos jardins externos, no momento ofuscados pela noite, apesar da luz dos postes.
O espaço era vasto, dividido em várias seções com mesas de madeira escura meticulosamente polidas, cada uma com cadeiras acolchoadas que combinavam conforto com sofisticação. Na parede principal, um imenso mural retratava cenas históricas de realizações acadêmicas e científicas, inspirando todos os que ali se sentavam.
No centro do refeitório, um buffet extenso oferecia uma variedade impressionante de pratos. Mesmo com as duas chegando quase ao fim do horário de jantar, ainda tiveram acesso a muita variedade de comidas; havia uma seção de saladas com vegetais frescos e coloridos, uma estação de sopas, e uma seleção de pratos quentes que variavam desde carnes suculentas até opções vegetarianas sofisticadas. Os aromas convidativos enchiam o ar, fazendo o estômago de Alex roncar de antecipação.
Enquanto se dirigiam ao buffet, Alex e Elloá passaram por grupos de alunos conversando animadamente, alguns rindo, outros envolvidos em discussões sérias sobre seus estudos. A atmosfera era ao mesmo tempo energizante e intimidadora.
— Isso é incrível, não é? — Elloá comentou, os olhos brilhando de excitação. — Nunca vi nada assim.
— É realmente impressionante. — Alex concordou, pegando um prato e começando a se servir de salada. — Espero que a comida seja tão boa quanto parece.
Depois de encherem seus pratos, elas encontraram um lugar em uma mesa perto de uma das janelas. Sentaram-se e começaram a comer, enquanto observavam os outros alunos ao redor. A conversa fluiu naturalmente, e Alex sentiu uma crescente intimidade com a colega de quarto.
Após comerem, as duas retornaram ao quarto, já se sentindo mais próximas. Quando se deitou novamente após uma ligação curta para os pais e outra para o namorado, Alex já não se sentia tão tensa. Sentia que havia ganhado uma amiga. Talvez as coisas não fossem tão ruim quanto esperava.
A manhã seguinte se iniciou com as colegas de quarto sendo despertadas pelo sinal. Naquele dia, um sábado, não era necessário acordar cedo, mas durante a semana o despertar naquele horário, às 5 da manhã, era obrigatório. Dali meia hora, haveria a oração matinal na capela e até às seis e meia, serviam o café da manhã. No fim de semana não havia atividades e a instituição permitia a saída dos estudantes, desde que retornassem até às 19. A biblioteca, piscina e quadra de esportes também ficavam abertas; havia muito o que fazer ali mesmo.Alex se levantou e iniciou a organização de seus pertences, enquanto Elloá continuou deitada, usando o celular. Antes de saírem para o café, faltando vinte minutos para encerrar a distribuição, Alex ligou para os pais; Lucca não atendeu, ainda não estava acordado.Para as amigas, no grupo de mensagens intitulado “Bests”, Alex enviou uma foto retirada no espelho do banheiro, onde ostentava seu uniforme de dia não letivo. O uniforme consistia em uma cami
Os primeiros dias no Instituto foram extremamente difíceis para Alex e Elloá. O ambiente, que já era desafiador por si só, se tornou ainda mais hostil devido ao comportamento dos outros alunos. As duas amigas passaram a ser alvo de piadas maldosas e comentários sarcásticos.O bullying ia muito além das palavras. Em diversas ocasiões, as garotas foram vítimas de pegadinhas cruéis, sempre envolvendo a exclusão por classe. Os trabalhos em grupo também eram um desafio. Os alunos se recusavam a incluir as bolsistas, fazendo questão de deixá-las de lado e os professores eram completamente coniventes com a situação, pois estavam sendo constantemente ameaçados pelos filhos de famílias influentes, que respeitavam apenas os professores veteranos, que não eram muitos. Como Alex e Elloá não tinham muitas aulas juntas, acabavam fazendo os trabalhos sozinhas. Apesar de tudo, as duas se mantinham firmes, sabendo que desistir significaria abrir mão de seus sonhos e perto de todos os grandes objetivos
No meio de tantas atividades e trabalhos que deveriam ser em grupo, mas acabava por ter de fazer individualmente, Alexandra não teve muito tempo para ligar para suas amigas e namorado, a única ligação que fazia religiosamente, era uma curta para seus pais, onde sempre fingia uma voz alegre, omitindo as situações que passava. Naquele fim de semana, após tensos minutos encarando o programa de texto do computador e sem forças para digitar mais um carácter sequer, decidiu que precisava relaxar. Após salvar o documento e fazer logoff no computador, abandonou a sala de estudos, caminhando pelo imenso Campus em busca de um lugar tranquilo, optando pela biblioteca do prédio Cecília Meireles. Naquele sábado, o terceiro que passava ali, era a primeira vez que Alex permanecia tanto tempo longe de sua família e após desligar o cérebro de todas as suas atividades acadêmicas, sentiu o peso da distância sob os ombros. Quando se sentou no parapeito de uma das janelas abertas e encarou o vasto jardi
Professor Arthur se aproximou de Elloá na biblioteca enquanto ela fazia pesquisas para uma atividade em seu horário vago da tarde. Ele se sentou na mesa dela e começou a puxar assunto sobre o terço que ela sempre mantinha no pescoço, um presente da falecida avó; a conversa acabou com uma troca de telefones em que passaram uma noite toda conversando; no sábado em que Alex fumara com Guilherme, foi a primeira vez em que saíram juntos; ele a levava para conhecer pontos turísticos da cidade e também a ajudava com as atividades curriculares.— Então vocês não estão… Você sabe, fazendo…— Não! — Elloá a interrompeu, causando certo alívio tanto pela resposta quanto por não precisar completar a frase. — Você sabe que sou cristã, e ele preza muito por minha inocência, disse que é o meu maior atrativo! — Legal, eu acho — na verdade, Alexandra achava um pouco bizarro, mas passeios casuais eram melhores que um professor tirando vantagem sexual de uma aluna. — E o que fizeram de legal hoje?— Só
Ao fim das aulas da tarde, Alex foi direto para a biblioteca desativada, esperando encontrar todo o seu grupo de amigos. No entanto, ao entrar no local, encontrou apenas Guilherme e Lucas, ambos sentados no parapeito da mesma janela onde, dias atrás, ela havia fumado seu primeiro cigarro junto com Guilherme. Ao perceberem sua presença, os dois levantaram a cabeça, recebendo-a com sorrisos amigáveis.— Também não tem pesquisa acumulada para fazer na sala de estudos? — brincou Guilherme, gesticulando para que ela se aproximasse. — Somos definitivamente os mais inteligentes do grupo!— Ou os com menos vida social, eu diria, se você não estivesse aqui! — acrescentou Lucas, lançando um olhar malicioso para Guilherme antes de apagar o cigarro e descer do parapeito da janela. Ele caminhou até a mesa de estudos, onde algumas latas de refrigerante e uma garrafa de água mineral sem rótulo estavam dispostas. — Sem querer ofender! — Ele sorriu para Alexandra, que se sentou ao lado dele na mesa.—
No dia seguinte, Alex decidiu quebrar a rotina. Ao invés de vestir o uniforme de fim de semana, optou por uma das suas camisetas surradas, combinando-a com seus inseparáveis coturnos. Sentia-se mais confortável assim, mais autêntica. Mesmo caminhando lado a lado com Elloá até o refeitório para o café da manhã, nenhuma das duas disse uma palavra sequer. O silêncio entre elas era imenso, refletindo a tensão que havia crescido desde a noite anterior.Na mesa com os amigos, Alex, Lucas e Guilherme trocaram olhares cúmplices, recordando a noite anterior enquanto os outros reclamavam sobre os trabalhos acumulados. Elloá, por outro lado, comentou de forma ácida:— Acabei tudo durante a madrugada. Inclusive, consegui ouvir pessoas chegando após o toque de recolher.Antes que Alex pudesse responder, Camila, a garota popular, se aproximou mais uma vez, convidando Elloá para se juntar aos seus amigos. Sem hesitar por um segundo, Elloá aceitou o convite e se levantou, deixando o grupo.— O sonho
O céu noturno era iluminado por algumas estrelas e a lua minguante quase não aparecia no céu; aquela era uma das coisas deprimentes de estar na cidade, o céu nunca estava limpo como o do interior.Quisera Alexandra que aquela fosse a única coisa deprimente naquele dia. O cigarro entre seus dedos foi aceso após alguns minutos de contemplação; do telhado de seu alojamento, sentada a borda da construção, o Instituto São Bartolomeu, mesmo à noite, ainda ostentava beleza e imponência. Ela nunca se sentira tão pequena quanto naquele momento.Aquele sempre foi seu sonho, mas estando ali, tudo estava sendo diferente e da pior maneira possível. O pior é que haviam passado apenas 30 dias. Um mês dentro de um ambiente da nata da sociedade, e Alex já não aguentava mais um segundo.No entanto, todo seu drama e autopiedade se esvaíram de seu corpo em segundos quando ela viu claramente a garota correndo pelo pátio, fugindo de algo invisível.De repente, uma pres