Capítulo 2

Malu

Depois de algum tempo me debulhando em lágrimas no sofá, decidi levantar e tomar um banho para ao menos tentar relaxar — algo que sei que seria quase impossível, porque cada instante em que eu fechava os olhos, a imagem da minha mãe completamente transtornada, vinha em minha mente.

Fico um bom tempo debaixo da água fria do chuveiro tentando compreender como nossas vidas chegaram a esse ponto… A mulher que me deu à luz, que cuidou de mim com todo amor que tinha para oferecer, que prometeu jamais me abandonar, jamais agiria dessa forma comigo, a única coisa que podia explicar tudo isso era seu vício. Não há outra explicação.

Eu só queria, sei lá… Que as coisas fossem diferentes… É pedir demais para uma jovem no auge dos seus dezenove anos, desejar uma família estruturada, viver cercada de pessoas amorosas? Não que eu não tenha pessoas que me amem, pelo contrário, apesar de a vida, por vezes, me obrigar a comer o pão que o diabo amassou, tenho, sim, quem se importe comigo.

Com a mão direita apoiada na parede gélida do box do banheiro e a cabeça enfiada debaixo da água fria, suspiro sofregamente, cansada dessa porcaria de vida que vive insistindo em me encher de porrada e me fazer comer merda.

Desligo o chuveiro e pego a toalha para me secar, em seguida me cubro para ir até o quarto. Faço o possível para não olhar para a sala e ver as lembranças do ocorrido de mais cedo, mesmo sabendo que em algum momento eu terei que arrumar a bagunça que minha mãe fez.

Parada de frente para o meu guarda-roupa quase caindo aos pedaços, olho para o amontoado de roupas emboladas ali dentro, porque durante a semana não tenho tempo de fazer muita coisa, então acabo deixando para organizar as coisas na casa aos finais de semana. Lembro que combinei de sair com a Yasmin, mas penso seriamente em inventar uma desculpa qualquer e não ir, depois de ter visto minha mãe naquele estado, o desânimo me preencheu com tudo, no entanto, sei exatamente o que ela dirá caso eu desista, porque eu a fiz deixar de curtir uma boa noitada no baile, então não seria justo.

Mesmo contra a minha vontade, começo a vasculhar meu guarda-roupa a procura de algo legalzinho que faça com que, pelo menos, o meu humor melhore. Depois de dez minutos, não acho nada que me agrade. Sento na cama, ainda com a toalha enrolada no corpo e bufo.

— É, talvez seja melhor eu desistir… — assim que murmuro essas palavras, ouço batidas na porta da sala.

Não é possível que já seja a Yasmin.

Levanto e verifico as horas em meu celular, esbugalhando os olhos ao notar que estou atrasada.

— Fodeu! — digo para mim mesma, largando o celular na cama e sigo para a sala.

No caminho, batem na porta novamente, prestes a arrombá-la.

— Já vai, porra! — respondo gritando, impaciente.

— Que demora, hein! — minha amiga problemática, diz assim que a atendo, escondendo meu corpo atrás da porta, já que estou quase pelada.

— Entra logo e para de reclamar.

— Não acredito que ainda está de toalha, Maria Luiza… — me olha de cima a baixo, incrédula.

Reviro os olhos.

— Você ainda deu sorte por eu não ter desistido de ir, então nem reclame. Vem me ajudar a encontrar algo para vestir, não tô com cabeça pra isso. — meneio a cabeça para que ela me siga e, Yasmin finalmente se dá conta da condição em que a sala se encontra.

— O que eu perdi? — pergunta, observando cada canto.

Solto uma lufada de ar sem querer tocar no assunto.

— O de sempre… — comprimo os lábios ao respondê-la.

— Sua mãe fez isso? — aponta para a bagunça e eu meneio a cabeça em afirmação — Dessa vez ela se superou.

— Nem me fale. Ela veio com um papo estranho de dinheiro, disse que eu tinha escondido e me… — não consigo continuar, sentindo minha voz embargar e meus olhos serem inundados pelas lágrimas.

— Por favor, só me diz que ela não fez o que estou pensando, Malu… — Yasmin praticamente suplica.

Sem coragem de falar, desvio meu olhar do dela.

— Ai meu Deus! O que ela fez com você, Malu? Olha essa marca em seu rosto. — volto a encará-la e vejo que sua mão está tampando a boca, como se mesmo vendo o meu estado, não conseguisse acreditar.

Dou uma fungada e limpo uma lágrima que escorre em minha bochecha esquerda.

— Eu só quero esquecer que esse dia existiu, nada além disso. Sabe de uma? Acho que vou ficar em casa, tenho que organizar tudo, não posso deixar essa bagunça pelo resto da semana.

Ela estala a língua.

— Nada disso, Maria Luiza! Agora é que você tem que ir mesmo, precisa distrair sua mente, não pode ficar nessa espelunca remoendo o que aconteceu — Yasmin fala, gesticulando tanto que acabo deixando um risinho sem graça escapar — Tá rindo do quê, miséra?

— De tu aí tentando me animar, parece que tá desesperada.

— E estou, quero te ver bem, Malu. Bora? — ergue a mão em minha direção.

Suspiro pesadamente, percebendo que ela tem razão, então seguro em sua mão e vejo-a sorrir. Yasmin me guia até o quarto.

— Não sei o que está pior, se a sala ou o quarto. — comenta.

— Faça como eu, apenas ignore — a respondo, enquanto sento na cama — Fique à vontade, te dou um beijo de língua se conseguir achar algo que preste para eu vestir. — aponto para o guarda-roupa.

— Olha que eu cobro, hein. — ela diz em tom de brincadeira, enquanto se inclina no amontoado de roupas.

Acabo rindo.

— Achei! — ela me mostra uma saia jeans clara, curta e um pouco desfiada e um body preto bem decotado.

— Não, essa saia nem dá mais em mim, Yasmin. Apertou demais, se passar das coxas é muito.

— Melhor ainda, com essa tanajura que tu tem nas costas, vai ficar uma delícia nessa saia — se refere ao tamanho da minha bunda — Anda, vai se vestir logo.

Não tento retrucar, porque sei que não adiantaria, é melhor que ela veja com os próprios olhos o que falei. Levanto e puxo as duas peças de roupa da mão dela, antes de ir, pego uma calcinha na gaveta — por ser muito decotado, o body dispensa sutiã — e vou para o banheiro.

Visto a peça íntima e o body, me surpreendendo completamente quando a saia passa das coxas tranquilamente e não fica apertada na cintura. Talvez eu tenha perdido peso devido a tantos problemas.

Retiro a touca de cetim que uso para evitar frizz em meus cachos e solto os cabelos que estavam presos em um coque despojado, somente passo a mão por cima da juba de leão pela qual sou apaixonada. Dou uma olhada em meu reflexo no espelho do armário e me espanto com minha bochecha ficando roxa. Um nó se forma em minha garganta, mas trato logo de me recompor. Retorno para o quarto.

— Preciso que me maquie, não posso sair com o rosto desse jeito, do jeito que o povo desse morro é fofoqueiro, vão dizer que apanhei de algum macho.

— Manda todo mundo tomá no cu, ué. Quem paga suas contas é você e meio-dia tu come em sua casa.

Eu amo as pérolas dessa garota.

— Uau! Você tá maravilhosa, mona. Serião, bote fé. — elogia, me olhando de cima a baixo.

— Obrigada, Ys. Você também está linda, como sempre. — sorrio.

Não menti, minha amiga é uma mulher maravilhosa, tem uma pele negra que é a coisa mais perfeita, usa jumbo nos cabelos e tem um belíssimo corpo.

— Eu sou perfeita, meu amor. — dá um beijo em cada ombro, me fazendo rir.

— Agora é sério, me ajuda a dar um jeito nessa cara. — peço e ela vai até à penteadeira pegar alguns poucos itens de maquiagem que tenho, então sento na cama e permito que ela faça seu trabalho.

— Prontinho, gata. — diz ao concluir sua tarefa.

Vou até o espelho preso à parede e encaro meu reflexo, fico completamente boquiaberta e sem fala.

— Tem certeza que essa sou eu? — toco de leve meu rosto para não estragar a obra de arte feita por minha amiga.

Não está uma maquiagem carregada, pelo contrário, está bem simples, mas é o suficiente para eu me sentir bonita em tempos.

— Apenas realcei o que você já tem de bonito, Malu. — se aproxima, ficando ao meu lado e noto seu sorriso através do espelho.

— Não sei o que seria de mim sem você. — sorrio de volta.

— Ok, mas já chega de melação, vamos logo.

Concordo com minha amiga. Coloco meu celular na cintura, apago as luzes da casa, tranco a porta e andamos, com destino a uma sorveteria próxima a praça do CDD. No caminho, cumprimentamos algumas pessoas, outras me olham atravessado, com seus olhares cheios de julgamento, tem sido assim desde que minha mãe começou a se prostituir para ganhar a vida e tudo só piorou quando ela passou a usar drogas.

A rua está bastante movimentada e nem poderia ser diferente, visto que hoje é noite de baile. As jovens da nossa idade passam por nós indo até lá, a maioria com o short socado no cu. Depois de alguns minutos andando, finalmente chegamos à sorveteria, está mais cheia do que pensei. Olhando ao redor, percebo que não teremos nenhum lugar para nos acomodar.

— Parece que nossos planos foram por água abaixo, aqui tá muito cheio, Ys.

— Talvez esse seja um sinal para irmos ao baile. — conversamos ainda na entrada do lugar.

— Nem começa, a gente pede uma casquinha e vai para outro lugar. O que menos preciso hoje é de barulho no pé do meu ouvido.

— Esquenta não, mona. Relaxa aí! — dá um soquinho de leve em meu ombro.

Vamos até o balcão, fazemos nossos pedidos e aguardamos, minutos depois, pagamos e saímos tomando nosso sorvete e procurando por um lugar para ficar. Avistamos um barzinho que, por incrível que pareça, está vazio.

— Vamos ali, Ys. — aponto com o queixo para lá, fazendo-a olhar.

— Pensei que iríamos para a pracinha…

— Deve estar cheia, porque nem todos vão para o baile e eu só quero ter um pouco de paz, pode ser?

Ela parece pensar um pouco, como se não quisesse aceitar, mas acaba concordando. Assim que passamos pela porta do bar, nos deparamos com o Pardal segurando o dono do estabelecimento pelo colarinho da camisa e o ameaçando. Dois vapores mal-encarados estão próximos a eles e segurando seus fuzis atravessado no peito. Paraliso e esbugalho meus olhos.

— É melhor tu se ligar, sacô? Esse é meu último aviso. — seus olhos estão pegando fogo, à medida que encara o dono do bar e seu maxilar trincado.

— E… Eu prometo que vou pagar, eu juro. — o homem o responde, gaguejando de medo.

— É bom mermo, porque eu sei onde tu mora e basta só mais um vacilo pra eu dar um perdido naquela arrombada da tua mulher.

Eu queria ir embora, mas não consigo mover um músculo sequer e continuo observando a cena, meu coração está tão acelerado, que está a ponto de sair pela boca.

— Por favor, minha mulher não, Pardal… Tenha misericórdia… — o cara choraminga e vejo um líquido escorrer em suas pernas.

— Sabe nem honrar a porra do cunhão que tem no meio das pernas, esse porra — Pardal comenta sobre o homem ter se mijado e o solta no chão — O aviso tá dado.

Ele meneia a cabeça para os vapores, que o seguem em direção à saída do bar, fico sem graça quando parece perceber eu e minha amiga no lugar e nossos olhares se encontram. Pardal me olha como um predador, passando por cada parte do meu corpo, sem esboçar nenhum tipo de emoção. Engasgo e desvio minha atenção dele, tentando disfarçar. Como se fosse possível, ele não per notado que eu o estava encarando. E não foi com medo, nem eu mesma saberia explicar o que senti.

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