Malu
Na manhã seguinte, ao acordar, passo a mão pela cama e tudo o que sinto é o colchão vazio e o lençol esparramado. Vou abrindo os olhos aos poucos, tentando me acostumar com a claridade do sol que entra pela parte de vidro da janela de alumínio e, olhando ao redor, me certifico que realmente não tem ninguém. Fico imaginando se o ocorrido da noite passada foi coisa da minha cabeça ou se sonhei com a mamãe voltando, mas não é possível que seja isso.
Olho as horas no visor do meu celular que está na mesinha do abajur ao lado da cama e vejo que estou super no horário, não me atrasei para o trabalho, apesar de ter bebido um pouco ontem. Levanto e pego a toalha pendurada no varal que fica do lado de fora da janela. É o único lugar onde podemos estender nossas roupas, por ventar bastante, já que não temos quintal. Saio do quarto para ir ao banheiro, mas sinto um cheiro delicioso de ovo frito na margarina. Sorrio, porque somente uma pessoa costuma fazer isso para mim, desde que eu era criança.
Giro os calcanhares, passando pelo corredor, indo até à cozinha. Ao passar pela entrada sem porta, meu coração salta de felicidade em ver a minha mãe aqui, de frente para o fogão e murmurando alguma música. Sem chamar sua atenção, eu a abraço, mesmo ela estando de costas.
— Oi, filha. — ouço sua voz doce e serena, emanando carinho e ternura.
— Pensei que tivesse sumido de novo… — murmuro, sem parar de abraçá-la.
Ela desliga o fogo e vira de frente para mim, segurando meu rosto entre as mãos.
— Eu não menti pra você, fui sincera. — encaro seus olhos, enquanto ela profere tais palavras.
A analiso para garantir que está falando a verdade e, pela primeira vez em tempos, parece que sim.
— Eu não quero mais viver assim, mãe. Cansei de te esperar, de esperar que em algum momento você realmente queira mudar de vida. — um nó se forma em minha garganta.
— Eu sei, Malu. Juro que nunca quis isso pra você, pra nós duas. Eu juro. — sua voz soa embargada.
— Se não queria, porque se permitiu chegar a esse ponto? Olha seu estado, mãe! Está acabada! — me refiro as olheiras bem escuras e profundas, seu corpo, que antes era tão cheio de curvas, assim como o meu, agora muito magra, a ponto de sua saboneteira formar um buraco, os lábios ressecados e pálidos, entre outras coisas.
Sinto seus dedos deslizarem por minhas bochechas, limpando duas lágrimas que rolaram sem eu perceber.
— Não chora, por favor. Esse olhar de tristeza e decepção está me matando, não era esse tipo de exemplo que eu queria te dar. — ela engole em seco.
— É impossível, mãe. Impossível! Eu nunca te julguei por se prostituir, por ganhar a vida dessa forma, porque, depois que o vagabundo do meu pai nos deixou, sei que procurou outras coisas, mas essa foi a única oportunidade que encontrou para colocar comida em nossa mesa. Mas isso não justifica você usar drogas. Sempre foi contra isso, me ensinou a ficar bem longe e agora está assim e não consegue mais parar.
Me solto dela, afastando-me. Por mais que eu esteja feliz em vê-la aqui, estou realmente muito cansada de tudo isso.
— Eu sei, tenho consciência de tudo o que fiz e faço. Mesmo que no momento, eu não perceba… Não foi porque eu quis.
Franzo o cenho sem entender.
— Como assim? Do que está falando?
Ela solta um longo suspiro, antes de me responder.
— No início, quando procurei um emprego, logo depois que seu pai foi embora, conheci um homem num bar lá do asfalto, ele sentou na mesa que eu estava e jogou uma conversinha fiada de que já vinha me observando há um tempo e talvez tivesse uma boa oportunidade de trabalho pra mim.
A ouço atentamente, cruzando os braços abaixo dos seios.
— A cara dele não negava do que se tratava o tal trabalho — faz aspas com os dedos — Mas, dadas as circunstâncias, eu já estava sem esperança, não sabia mais o que fazer, não é fácil para uma mãe ver sua filha passando fome. Sabe que não estudei, morando na favela, com as condições em que vivemos, é muito difícil alguém nos dar uma chance. Foi aí que deu merda e tudo foi por água abaixo. Aquele lugar é horrível, filha. Jamais quero que você passe nem perto.
— Mas você passou… — a interrompo, sabendo que estou sendo cruel. Contudo, decidi que não irei mais passar a mão na cabeça dela.
— Sim, Malu. Só que não é esse futuro que eu quero pra você, minha filha. Não te criei pra isso, droga! Tu não faz ideia da humilhação que uma mulher da vida passa nesses lugares, não importa se o homem é limpo ou não, se pagar bem, temos que fazer o que pedem, até mesmo usar drogas. Porque, sim, alguns têm fetiche com essa porra! — ela eleva seu tom de voz e trinca o maxilar.
Consigo sentir sua dor e desgosto. Isso me deixa péssima.
— Alguns desses homens ficam obcecados e não querem ser atendidos por outra mulher, e se você aceita usar qualquer tipo de droga uma vez, vai ter que usar sempre que esses filhos da puta quiserem, porque a gente só obedece, entendeu? É assim que funciona. Não é uma coisa bonitinha como alguns filmes tentam mostrar, é vida real, Malu.
Acabo fungando e sinto uma lágrima escorrer, imaginando tudo o que ela precisou passar esse tempo todo.
— Foi por isso que estava transtornada daquele jeito ontem quando cheguei do trabalho? — toco no assunto, fazendo com que ela desvie o olhar do meu.
— Sim… — responde em um sussurro — Não é exatamente uma questão de escolha, acabei me viciando nessa porra e não foi só um tipo, foram vários, não consigo mais parar. Então, nem sempre sei o que tô fazendo. Mas eu não quero mais isso, Malu. Não quero te fazer mal. Estou disposta a mudar de vida, até ser internada em uma clínica de reabilitação, se for preciso. Só não quero mais viver assim, estou me destruindo e isso está te afetando.
— Está falando sério? — pergunto com expectativa na voz e olhar.
— Sim, minha filha. Não será fácil, tenho noção disso, mas estou decidida. Será um novo começo para nós duas.
Sem falar mais nada, eu a abraço o mais forte que consigo, lhe transmitindo todo o amor possível, tudo de mais lindo que existe, para que ela saiba o quanto a amo e estarei aqui sempre que precisar.
— Vamos conseguir, juntas. Tenho certeza que dará tudo certo. — digo após me afastar do abraço e vejo-a sorrir.
— Obrigada por me dar esse voto de confiança, Malu. Você é tudo o que me resta, não tenho mais com quem contar.
— Se está realmente disposta a isso, jamais poderia te negar ajuda, você é minha mãe. Eu te amo. — me aproximo dela, a envolvendo em um abraço.
Ela me enche de beijos e estamos tão próximas que consigo sentir o cheiro de sua pele, misturado a nicotina, mas esse gesto transmite uma onda de sensações para ambas. Só Deus sabe quantas vezes senti falta disso, quantas vezes quis e precisei do seu abraço e ela não estava por perto.
— Preciso ir trabalhar agora, mas, por favor, me promete que não vai sumir… Que quando eu chegar em casa, estará aqui… — peço-lhe.
— Claro, meu amor. Pode confiar em mim, te dou minha palavra. — diz, cruzando os dedos em frente aos lábios e dando dois beijinhos neles.
Antes de ir me arrumar, a encaro por alguns segundos. É difícil acreditar que ela está dizendo a verdade, quando já me decepcionou diversas vezes, mas decido lhe dar um voto de confiança.
— Agora vai se arrumar, pra não se atrasar. — diz, dando um tapinha em minha bunda e rindo, mania essa que ela sempre teve em sinal de brincadeira, como aquelas mães que dizem que irão bater nos filhos com cipó.
Faço o que ela pediu, indo direto para o banheiro. Durante o banho, o sorriso permanece em meu rosto em todo o tempo, estou muito feliz em tê-la aqui, em casa, depois de alguns dias em que ela esteve sumida, antes de fazer aquela baderna em nossa casa ontem a noite e eu não fazia ideia de onde estava.
Após alguns minutos no banho, desligo o chuveiro, enrolo uma toalha no corpo e retorno ao quarto. Paro de frente para o guarda-roupa na intenção de procurar algo que preste, a fim de não ir trabalhar parecendo uma mendiga. Pego uma calça jeans de cintura alta surrada que, de tanto eu usá-la, já deve até saber o caminho dos lugares que eu vou. Daqui a uns dias vai sair sozinha. Preciso de roupas novas com urgência, mas com o dinheiro que eu ganho e, levando em conta as vezes em que minha mãe já me roubou para comprar drogas, fica meio difícil pensar nisso, só tenho tido dinheiro mesmo para o essencial, que é pagar contas e comer. De vez em nunca me sobram uns trocadinhos para curtir, pegar um cinema e tomar uma breja.
Nessas horas a gente para pra pensar o quanto existe desigualdade social no Brasil, como costumo dizer: uns com muito, uns com pouco e outros sem nada.
Visto a calça e um cropped de alcinha, com um pequeno decote em v, nada ousado, já que estou indo trabalhar e não para uma festa. Porém, não me preocupo, porque passo o dia inteiro usando o avental, que é tipo uma fardinha, então não dá para ver minha barriga meio desnuda. Calço uma sandália de saltinho plataforma, porque passo o dia todo em pé, então ela me traz conforto nos pés e, por último, solto minha juba, passo um corretivo no local onde fixou meio roxo, devido ao tapa que levei ontem e coloco um batonzinho nude, somente para dar vida aos meus lábios. Pisco para a morena refletida no espelho da porta do guarda-roupa e vou comer algo antes de ir trabalhar.
Assim que chego na sala, pretendendo ir para a cozinha fazer meu prato, vejo minha mãe vindo em minha direção segurando em uma das mãos um prato contendo dois pães de sal com ovo e na outra, um copo de achocolatado, pois, não suporto café. Ela os coloca na mesa e gesticula com a mão me chamando para sentar. Então, deixa um beijo em minha testa e me deixa comer tranquilamente.
Confesso que estou muito surpresa com tudo isso, mas vou apenas aproveitar.
Não demoro a terminar de comer e iria lavar o que sujei, até ser interrompida por minha mãe, dizendo que ela mesma faria. Não a retruquei, porque sei que ela está se sentindo culpada, então peguei minha bolsa no quarto, onde estava meu celular e afins, me despedi dela e saí de casa.
Assim que abro a porta, vejo novamente o mesmo vapor do Pardal rondando, bem próximo. Hoje, diferentemente de ontem, que estava escuro, consigo ver cada traço seu. É mal-encarado como a maioria deles, como está meio de lado, vejo o braço esquerdo fechado de tatuagens, tem a pele clara e cabelo cortado bem baixinho, quase careca. Ele está fumando um cigarro, que imagino ser maconha, tranquilamente, soprando a fumaça no ar e me observando de soslaio. Não paro um segundo sequer para lhe questionar por estar rondando minha casa, apesar de ter uma vontade imensa de fazer isso.
(...)
— Bom dia, meninas! — cumprimento todas, enquanto passo pela porta do salão.
— Bom dia, gata! Salva pelo gongo, hein. — Elô comenta, conferindo o relógio redondo de parede.
— Um minuto, querida. Apenas um minuto. — lhe respondo com deboche e sorrindo de canto.
Ela ri.
Vou até à área dos funcionários, deixo minha bolsa e visto um dos aventais que ficam pendurados num cabideiro de madeira de chão. Amarro-o em minhas costas e pescoço e começo a atender as clientes do dia.
As horas vão passando e chega o horário do almoço.
— Eita, calor do inferno! — comento após terminar de atender uma cliente e passo a mão no pescoço, limpando o suor.
— Uma gelada ou um refri cairia bem agora, né? — Julia fala.
— Sem dúvida alguma, mas a pergunta é: quem vai comprar? — Elô pergunta, olhando para nós.
— Pede pelo aplicativo, eles entregam. — Julia a responde.
Estalo a língua e bufo.
— Sai dessa, daqui que chegue pelo aplicativo… Deixa vai, eu vou lá no bar do Cezinha ou em qualquer outro, mas vocês pagam. — informo com ar de deboche.
— Tá muito folgada, hein. — Elô diz.
— Claro, meu anjo. Quer cu e ainda quer raspado? Tô me dispondo a ir lá, aqui não é frete grátis não, filhona. E aí, o que vai ser? — pergunto, já levantando e estendo a mão para todas elas verem que estou falando sério.
Elas tiram o dinheiro de suas bolsas e me entregam, logo em seguida, saio em direção ao bar. Não vou negar que estou com um friozinho na barriga, fico imaginando que posso presenciar a mesma cena da última vez que pisei lá naquele lugar, porém, disperso desses pensamentos e sigo meu caminho. Não devo nada a ninguém, não posso ter medo de bandido.
Uns cinco minutos depois, avisto um outro bar que fica mais próximo do salão, fico dividida entre ir lá ou não. O calor está demais, mas nesse, em específico, está cheio de bandido. Detesto passar por esse tipo de situação. No entanto, não quero ter que andar mais debaixo desse sol escaldante. Decido respirar fundo e ir até lá.
— Delícia! — um deles comenta a meu respeito assim que entro, mas nem me dou ao trabalho de olhá-los, continuo andando na direção do balcão.
— Oh, lá em casa, na minha cama…
— Uma dessa eu até apresentava pra coroa. — reviro os olhos ao ouvir isso.
— Bom dia, já que ainda não almocei, quero duas coca de dois litros e um fardo de Skol litrão. — peço gentilmente ao dono do bar.
— A cerveja, você pode pegar no freezer ali — aponta com a mão para o lugar, me fazendo olhar para trás. Tento ao máximo ignorar os bandidos que estão me secando na maior cara dura — Já trago a coca-cola.
Assinto com um menear de cabeça e ele vira de costas. Vou até o freezer, puxo a tampa para cima e inclino meu corpo para a frente, mas tenho um pouco de dificuldade para pegar a cerveja, porque está bem no fundo, então me inclino o máximo que posso, quando sinto uma mão em minha cintura — quase na minha bunda — e a outra ao lado da minha no refrigerador. Olho para trás e paraliso ao me deparar com o Pardal, com sua pose imponente, acabo o encarando demais, completamente sem fala.
Pela primeira vez, me permito observar cada um dos seus traços, a pele mais ou menos no mesmo tom da minha, marronzinha, o peito desnudo e cheio de tatuagens, cabelos cacheados, um pouco grandes, um cavanhaque que lhe deixa com um ar sério e, ao mesmo tempo, de cafajeste, e segura uma camiseta no ombro esquerdo. Até tento abrir a boca para tentar dizer algo, mas não consigo. Só o vejo arqueando as sobrancelhas, como se esperasse que eu falasse.
Pardal— E aí, paizão! Qual vai ser? — um dos meus vapores perguntou, enquanto estávamos sentados em meu escritório na boca, resolvendo uns corre que temos que fazer.— Dessa vez eu quero todo mundo colando comigo, os cu azul tão achando que podem comigo. — Mas se for todo mundo, o morro vai ficar desprotegido. E se eles tentarem invadir quando nós tiver fora? Bota a cabeça pra funcionar, Pardal. — Rabicó comentou, batendo os dedos na testa pra que eu me ligasse no esquema.Respirei fundo, passei a mão nos cabelos e senti a raiva e a ansiedade querendo chegar. Peguei um cigarro de maconha e acendi, fumando e soprando a fumaça, tentando manter a calma. Já tem um tempo que os cu azul estão tentando invadir o morro, mas todas as vezes que eles tentaram, não conseguiram, porque estamos preparados pra tudo, tá ligado? Só que eu já tô puto com isso, a vontade mesmo é sair metendo bala em geral, botar minha cara pra jogo mesmo, papo reto. O que não me deixa fazer isso é pensar na coroa, eu s
Malu Saí daquele bar revoltada da vida, cuspindo fogo, com vontade de meter uma bala no meio da testa daquele filho da puta do Pardal. Quem ele pensa que é? Acha que eu sou um dos pentes dele, que pode fazer o que quiser comigo? Pois, ele pode tirar o cavalinho da chuva, porque não sou esse tipo de pessoa. Segui pelo meio-fio, segurando dois sacos na mão, um com os refris e outro com o fardo de latão, estava meio pesado e, para completar ainda mais o cenário, ainda tinha a porcaria do sol escaldante, que parecia mais que iria me derreter ali mesmo no asfalto. Acho que se colocasse um ovo, ele saía frito e pronto para comer. — Demorou, hein! — Julia comentou assim que entrei, pisando duro no salão. — Não me enche a porra do saco, Julia. Toma aí! — entreguei os sacos nas mãos dela, que me olhou sem entender nada, com o cenho franzido. — O que rolou, gata? Tá precisando de pica, meu anjo? — perguntou com deboche. Bufei e sentei em uma das poltronas. — Desculpa, não queria descontar
MaluDurante o restante do dia, minha mente esteve longe, não houve um só momento em que eu não estivesse pensando em minha mãe, pedindo mentalmente que as horas passassem rápido para que eu pudesse ir embora e me certificar que o aperto no peito que eu estava sentindo era coisa da minha cabeça e quando eu chegasse em casa, ela estaria sentada no sofá, assistindo novela e comendo pipoca ou cozinhando para mim.Assim que encerrei meu expediente, me apressei em organizar minhas coisas para ir embora. Aparentemente, a Joice estava com medo de mim, porque ficava me olhando de soslaio e quando eu a desafiava, olhando bem na cara dela, desviava o olhar. Chegava a ser engraçado, confesso. Mas isso é ótimo, pessoas preconceituosas precisam aprender onde é o seu lugar.Segui meu caminho até em casa, vendo novamente o vapor do Pardal bem perto, a vontade que eu tenho de meter a mão na cara dele e perguntar porque está rondando é imensa. É óbvio que não farei isso, pois, corro o sério risco de le
MaluÀs vezes penso que não já sofri o suficiente nessa vida, por isso que, volta e meia, acontece alguma merda. Ali, naquele exato momento, vendo a minha mãe, a mulher que me deu a vida, que fez tudo o que esteve ao seu alcance por mim, completamente sem vida, sentia como se o meu mundo estivesse acabado. Se ainda restava algo de valor em mim, não existia mais.Ajoelhada no chão e segurando a cabeça dela, choro copiosamente, sentindo como se o meu peito estivesse se rasgando pouco a pouco. — Mãe… Por favor… Volta… — chamo por ela, mesmo sabendo que não irá voltar, porque ainda há um fio de esperança em meu peito.— Amiga, não há mais o que ser feito, ela se foi. Você precisa ser forte, meu anjo. — Yasmin tenta me afastar do corpo da minha mãe, me forçando a olhar para ela, abaixada ao meu lado.— Não, ela não foi. Sei que não. — profiro, balançando a cabeça para os lados, sem conseguir parar de chorar e sem querer aceitar.— Malu, por favor, me escuta, mona — ela segura meu rosto ent
MaluO dia anterior foi bem agitado, quando parei em casa, já estava morta de cansaço. Minha amiga e sua mãe insistiram durante todo o dia para que eu levasse o corpo da minha mãe para ser velado, mas, para mim, isso seria apenas prolongar ainda mais o meu sofrimento. Sem esquecer de mencionar que, levando em consideração a fama que ela teve todos esses últimos anos, desde começou a ganhar a vida se prostituindo e usar drogas, seria muita hipocrisia da parte dos moradores da comunidade, irem se despedir dela.Não, eu jamais permitiria isso. Dessa forma, a primeira pessoa para quem liguei, foi a Elô, mas nem precisei me explicar, porque, obviamente, os rumores já haviam se espalhado e, entre esses burburinhos, já era possível ouvir, até mesmo, que minha mãe morreu por causa de dívida de droga, ou pior, que algum dos caras que frequentavam o lugar em que ela trabalhava, a matou. Pois é, o defunto ainda nem esfriou e as fofocas já começaram a surgir. Não que eu estivesse surpresa.Depois
MaluVou despertando aos poucos, ao som do que parece ser batimentos cardíacos. Como assim? Estou em um hospital? Meus olhos estão pesados, movo as pálpebras, mas, inicialmente, não consigo abri-los.— Mãe… — murmuro quase que inaudível, já que minha voz está fraca.Consigo abrir um pouco os olhos, porém, a luz forte do lugar me cega, fazendo-me apertá-los com o máximo de força, só então, abro-os. Olho ao redor e vejo paredes brancas, um ar-condicionado velho e algumas macas com outras pessoas nelas, então, constato que não estou no hospital e, sim, no postinho da comunidade. — Ah, meu Deus! Finalmente você acordou, Malu! — essa voz soa familiar, olho para o lado direito e me deparo com a Yasmin e a Elô, ambas com um semblante carregado de preocupação.— O que estou fazendo aqui? O que aconteceu? — pergunto meio grogue e engasgo com a saliva grossa.— Não lembra de nada? — Yasmin pergunta.— Só lembro que estava no banheiro, tinha acabado de levantar para fazer xixi e beber água, depo
Pardal— Vocês estão cercados, não há como escapar, é melhor se entregarem! — enquanto estamos fazendo os funcionários e clientes do banco de reféns, os cu azul cercam a frente do lugar e a voz de um deles ecoa no alto-falante.Estamos todos armados até os dentes, cada um dos meus vapores em um canto, pra garantir que ninguém aqui se meta a besta e tente dar uma de engraçadinho.Pego o radinho que um cu azul colocou aqui dentro pra se comunicar com a gente e tentar um acordo. Só não sei que porra de acordo eles pensam que vão conseguir.— Escute bem, porque eu só vou falar uma vez, tá ligado? Vamo sair daqui pelos fundos do banco e se qualquer um de vocês tentar nos seguir ou fizer qualquer gracinha, vamo meter bala em geral. Quero nem saber quem é inocente, vai todo mundo levar bala. — falo, encarando todos os olhares assustados, direcionados a mim.Alguns choramingando.— Queremos sair daqui numa boa, sem causar alarde, pô. Mas tudo depende de vocês. — concluo.Como não ouço resposta
MaluUma semana depois…Os últimos dias não têm sido nada fáceis para mim, tenho sonhado muito com a minha mãe, ou melhor, tido pesadelos, já que são sempre sonhos loucos. Em sua maioria, ou encontro seu corpo sem vida em casa, ou estou a matando, algo que eu jamais faria. Ela podia ser péssima como fosse, mas ainda assim era minha mãe.A Yasmin vive me lembrando sobre o que a enfermeira do postinho falou, para eu me consultar com uma psicóloga, eu só não sei como isso iria me ajudar a superar o luto. Tenho vivido um dia de cada vez, alguns são mais difíceis do que outros, mas como minha amiga disse: já passei por muitas coisas nessa vida, não será isso que vai me derrubar.A Elô disse que eu poderia ficar mais tempo em casa, que talvez eu precisasse disso, porém, isso só tem me deixado pior. Para cada canto da casa, que eu olho, só consigo ver a minha mãe. E a lembrança da última vez em que estivemos juntas, de tudo o que ela me disse, estava disposta a mudar de vida, a forma como me