Capítulo 7

Malu

Saí daquele bar revoltada da vida, cuspindo fogo, com vontade de meter uma bala no meio da testa daquele filho da puta do Pardal. Quem ele pensa que é? Acha que eu sou um dos pentes dele, que pode fazer o que quiser comigo? Pois, ele pode tirar o cavalinho da chuva, porque não sou esse tipo de pessoa.

Segui pelo meio-fio, segurando dois sacos na mão, um com os refris e outro com o fardo de latão, estava meio pesado e, para completar ainda mais o cenário, ainda tinha a porcaria do sol escaldante, que parecia mais que iria me derreter ali mesmo no asfalto. Acho que se colocasse um ovo, ele saía frito e pronto para comer.

— Demorou, hein! — Julia comentou assim que entrei, pisando duro no salão.

— Não me enche a porra do saco, Julia. Toma aí! — entreguei os sacos nas mãos dela, que me olhou sem entender nada, com o cenho franzido.

— O que rolou, gata? Tá precisando de pica, meu anjo? — perguntou com deboche.

Bufei e sentei em uma das poltronas.

— Desculpa, não queria descontar minha raiva em você — não somente ela, mas também a Elô, a Flávia e a Joice, que são funcionárias do salão, me direcionaram um olhar tipicamente de quem aguarda uma boa fofoca — Acreditam que o ridículo do Pardal deu um tapa em minha bunda?

A Flávia e a Julia me olharam incrédulas, abrindo a boca em um perfeito “O”, a Elô balançou a cabeça para os lados, em sinal de negação, parecendo não achar a menor graça nisso e a Joice fez o mesmo, porém, com um sorrisinho cínico.

— Gata, ele pode ser tudo nessa vida, menos ridículo. — Joice comentou, me fazendo encará-la sem acreditar.

De fato, o Pardal não é feio, na verdade, ele é bem gato, mas isso não dá a ele o direito de me tratar com as vagabundas que ele vive comendo por aí.

— É sério, isso? — eu a vi dar de ombros com a minha pergunta.

— Fala aí, foi bom? — Julia perguntou e eu estalei a língua.

— Vão se ferrar vocês! Eu, hein…

— Dói, um tapinha não dói, um tapinha não dói, um tapinha não dói, só um tapinha… — Julia cantou um trecho da música de Furacão dois mil, eu a fuzilei com os olhos.

— Esquece, não dá pra conversar com vocês. — disse, levantando da poltrona e indo almoçar que eu ganho mais.

— Deixa de ser besta, Malu. — Flávia falou quase gritando, já que estava me distanciando. Ouvi a risada da Julia e da Joice, mas não dei a mínima importância.

Na área dos funcionários, levei meu marmitex para dar uma aquecida no micro-ondas, apesar de que não adianta muito, comida requentada assim é sempre uma merda. Programei o temporizador para cinco minutos e pronto, ele não demorou a apitar informando que eu já podia comer e meu estômago já estava colando nas costas.

Puxei uma cadeira e sentei, segurando o marmitex e abri para comer. Não sei explicar, mas de repente, toda raiva que eu estava sentindo do Pardal, deu lugar a um aperto no peito, uma estranha sensação de que algo ruim estava prestes a acontecer. Sem perceber, mordi o lábio inferior de forma apreensiva e comecei a balançar as pernas impacientemente. Até a fome de leão que eu estava sentindo antes, ameaçou querer ir embora. A comida foi perdendo todo o seu sabor. Mesmo assim, ainda tentei comer, quando o pior começou a acontecer.

Ouvi o som de fogos de artifícios, me fazendo perceber exatamente do que se tratava. Invasão. Droga!

Não pensei demais, larguei tudo na mesa e corri até aonde as meninas estavam para lhes ajudar a fechar a porta e nos abrigar, a fim de não correr o risco de levar uma bala perdida — que de perdida só tem o nome.

Vi a Elô e a Julia fazendo força para puxar a porta de rolar para baixo e ela não descia de jeito nenhum. Me apressei em ir até lá, para ajudá-las, a porcaria parecia ter emperrado, o que não é novidade, mas com um certo esforço, conseguimos e fomos para onde eu estava antes, porque era mais seguro.

Passei a mão na testa, limpando uma gota de suor que escorria em minha testa e soltei uma lufada de ar, ouvindo a rajada de tiros que ecoava do lado de fora. Meu coração batia freneticamente feito uma escola de samba e a sensação ruim permanecia ali.

Em um determinado momento, só veio a imagem da minha mãe em minha mente. Nossa casa não é muito segura para esse tipo de situação. Mas não, definitivamente não poderia ter acontecido nada com ela…

— Malu? — a voz da Elô me traz de volta á realidade.

— Sim. — a encaro com as sobrancelhas arqueadas.

— Está tudo bem? Parece que viu um fantasma.

— É… Hum… Está sim. Só estou preocupada com minha mãe… — deixo a frase no ar, sem querer dar continuidade ao assunto.

— Sua mãe? Pensei que ela estivesse sumida, você não me disse que ela tinha voltado. — vejo uma ruga se formar em sua testa em sinal de confusão.

Pode parecer estranho estarmos conversando normalmente, enquanto está tendo fogo cruzado do lado de fora, mas a Elô sabe como eu fico em situações como essa, então sempre tenta me distrair.

— Longa história, mas de forma resumida, quando cheguei em casa ontem, ela estava derrubando tudo, procurando um tal dinheiro, depois me… — engasgo ao lembrar do ocorrido.

— Te…? — dessa vez quem fala é a Julia, cheia de curiosidade.

A Joice e a Flavia estão caladas, porque não temos muita intimidade.

— Me bateu. — respondo em um sussurro, pedindo a tudo o que é mais sagrado para que nenhuma delas tenha escutado.

— O quê? Como assim, ela te bateu? A Helena ficou doida? — pelo visto, o tiro saiu pela culatra, pois, a Elô se altera, mostrando toda a sua indignação.

— Não foi nada, eu tô bem, fica tranquila. — tento apaziguar a situação, mesmo sabendo que é quase impossível.

— Você deveria prestar queixa contra ela, não importa se é sua mãe ou o caralho a quatro, não pode passar o resto da vida apanhando assim e achando que é normal. — a veia da garganta dela está saltada e as outras estão em silêncio.

Reconheço que todos que me dão esse tipo de conselho tem razão, mas é difícil tomar qualquer atitude se tratando da minha mãe.

— Então… Ela passou a noite em casa e hoje cedo me disse que queria mudar de vida e tal, falou até em se internar — sorrio com a lembrança da nossa conversa e sinto uma gota de esperança em meu peito.

Mas a Joice dá uma risadinha ao me ouvir dizer isso.

— O que é tão engraçado? — lhe pergunto com seriedade, virando de frente para ela, que está praticamente do meu lado e cruzo os braços abaixo dos seios.

— Essa sua ingenuidade, Malu. Vamos ser bem sinceras, todo mundo conhece a fama da sua mãe e não só de viciada — a cada palavra proferida por ela, sinto a raiva crescer — Acha mesmo que, depois de tanto tempo, ela vai se curar? Se a sua resposta for sim, então, tu é mais ingenua do que eu pensei.

Travo o maxilar e dou um passo a frente, indo para cima dela. Até consigo segurar uma mecha do seu mega-hair, mas alguém me segura pela cintura, me impedindo de prosseguir.

— Me solta, Malu! Esse cabelo foi caro pra porra! — a idiota suplica e, mesmo sem conseguir avançar, não solto o cabelo dela.

— Não tô nem aí! Tu vai aprender a respeitar os outros nem que seja na base da porrada, tá entendendo? Agora fala, repete palavrinha por palavrinha do que tu acabou de me dizer. Vai, dona corajosa!

— Para com isso, Malu! — as outras pedem, mas não dou importância.

— Parar? Agora essa puta vai me ouvir. Quem tu pensa que é? Acha que é melhor do que minha mãe? Ela, pelo menos ganha dinheiro pra dar a buceta, meu anjo. Tu dá essa buceta e outras coisas mais de graça, sacô? Se liga, filhona! Eu demoro a descer do salto, mas quando desço é pra dar show. Não quero ouvir o nome da minha mãe nessa sua boca de vadia nunca mais. Ouviu? — falo tudo isso segurando os cabelos dela.

A vaca não me responde, então boto mais força e chacoalho sua cabeça.

— Responde, miséra! Seja mulher! — praticamente grito.

— Sim. Ai, porra! — responde e reclama da dor, em seguida.

— Ótimo! Que isso fique bem claro para todas aqui. — digo após soltar o cabelo da idiota.

Percebemos que nesse tempo, os tiros cessaram, nos fazendo suspirar aliviada.

— Meninas, vocês podem nos deixar a sós? — Elô pede a Flávia e a Julia, já que a Joice se mandou depois que quase a quebrei no pau.

Elas não respondem, apenas assentem com um menear de cabeça e saem.

— Nem vem, Elô. Nem adianta vir com sermão, tu me conhece bem. Eu aguento até não conseguir mais, mas quando passa daqui — passo a mão acima da cabeça em sinal de pavio curto — Já era.

— Vem cá. — ela senta em uma das cadeiras e me chama, dando tapinhas no assento da outra.

Vou até lá e sento ao seu lado.

— O que tá acontecendo com você? Quer desabafar? Somos amigas, lembra? — ela diz, acariciando minha mão por cima da perna.

— Eu só tô cansada de tudo, sabe? Não posso nem ao menos andar de boa por aí, que sempre tem alguém pra me lembrar que sou filha de puta. Alá, se não é fulana de tal. — solto uma lufada de ar e murcho os ombros.

— Ninguém tem nada a ver com a sua vida, minha linda. Mas, eu concordo em partes com a Joice — arregalo os olhos, embasbacada com o que acabo de ouvir. Ela ri nasalmente — Calma, não é isso que está pensando, é que assim, só quero que saiba que não é fácil uma pessoa sair dessa vida. Quero que tenha isso em mente, porque eu já passei por isso, meu filho morreu porque não suportou as várias tentativas de internação, toda vez que a abstinência batia, ele fugia da clínica…

Elô suspira e desvia seu olhar para outra direção, como se falar disso doesse muito.

— Quero que tenha isso em mente, pra não se decepcionar, caso aconteça o mesmo com sua mãe. Já teve momentos que eu via meu filho, meu único filho, chorar de dor pela falta da droga, ele suplicava por um pouquinho e eu cogitava dar, só para não vê-lo sofrer. Mas eu sabia que precisava ser forte por ele, por nós dois. Então, foi aí que tudo aconteceu… Hoje não tenho mais o meu menino, mas ainda há esperança pra sua mãe. — dá um sorriso fraco após concluir sua fala.

Eu a abraço em sinal de consolo, porque sei o quanto isso é difícil para ela. O filho da Elô morreu aos dezesseis anos, porque não conseguiu ser forte para se curar do vício e, em uma das vezes que fugiu da clínica, os caras da boca o encontraram e meteram bala nele, porque para sair dessa vida é assim, só morto. Bruno foi encontrado numa vala, com o corpo cheio de buracos de bala.

— Obrigada, Elô. Não sei o que faria sem você. Tu é uma mulher muito forte. — digo após nos afastarmos do abraço e comprimo os lábios, sentindo um nó se formar em minha garganta, porque sei que preciso ser forte.

A garra dessa mulher é um grande exemplo para mim.

— Conta sempre comigo — sorri e dá uma piscadela — Agora vamos voltar ao trabalho.

Levantamos e seguimos em direção a área principal.

— Ah, e chega de confusão, hein. — diz por último, enquanto andamos.

Acabo rindo sem graça, mesmo sabendo que ela não está me dando esporro.

Por sorte, já havia chegado algumas clientes da parte da tarde, evitando assim, eu ter que olhar na fuça da Joice.

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