Durante sete longos anos, dediquei meu amor a Luiz Garcia. Porém, quando fui sequestrada e ele, influenciado pela sugestão da secretária de que seria "uma ótima oportunidade para me dar uma lição", se recusou categoricamente a pagar o resgate, mergulhei num abismo de sofrimento. Cada momento de tortura se tornou um professor cruel que finalmente me ensinou a romper esse laço tóxico. No entanto, no exato instante em que decidi recomeçar minha vida longe dele, foram suas lágrimas e súplicas desesperadas que inundaram nosso último encontro.
Ler maisNo dia do registro civil, informei Felipe e Marta com antecedência. Ao cair da noite, conduzi Edson portando a carta de perdão para o jantar na mansão da família Garcia.Meu apetite permanecia reduzido, me limitando a pequenas porções. Edson, porém, investido de nova autoridade, intensificava a vigilância sobre minha alimentação.À mesa, Marta me apertou as mãos com afeto transbordante.— Ângela, quando planejam oficializar a cerimônia? Me notifique com antecedência para preparativos adequados. Em gesto solene, Felipe apresentou um par de pingentes de jade de translucidez vítrea, evidentemente preciosos.— Estas peças foram talhadas por Marta ao completares dezoito anos. Reservou-as especialmente para esta ocasião. Recebi as peças com gratidão, dirigindo agradecimentos a Felipe, enquanto calor humano me inundava o peito.Durante todo o banquete, Luiz se manteve ausente. Ao deixarmos a mansão, súbita sensação de observação fixa nas costas me fez voltar abruptamente, encontrando apenas
Após a aposentadoria, Edson se envolveu nesse caso e recebeu reconhecimento por um ato de bravura cívica. Ao concluir seu depoimento, foi ainda agraciado com um título honorífico.Ele demonstrava certa timidez, pois havia de fato algum interesse pessoal envolvido na situação.— Por que esse constrangimento? Seus feitos merecem registro no livro de nossa família. — Disse eu, rindo suavemente.Caminhávamos vagarosamente para casa carregando as compras recém-adquiridas, enquanto Edson sustentava o guarda-chuva sobre mim.— Sua família mantém um livro de registros? — Indagou ele com surpresa evidente.— Mantém. — Confirmei com um aceno de cabeça.— Então está decidido. Você deve inscrever isso nele... Ou melhor, devo acender um incenso para seus pais esta noite. Redigir cartas consome tempo demais. Desde seu retorno, Edson dedicava momentos a me confortar. Ao saber que, naquele dia crucial, ele havia ouvido sobre a operação policial e havia saído correndo sem sequer me despertar, meu pei
Após receber alta do hospital, Edson me levou à delegacia. Graças à sua intervenção, todos os criminosos envolvidos em meu sequestro foram presos.No corredor do prédio policial, dois agentes conversavam em tom conspiratório:— Soube que depois da aposentadoria, Edson virou guarda-costas de uma família rica. Como conseguiu voltar para ativa?— Não ficou sabendo? Foi "escolhido" pela herdeira da família, mas a moça acabou sequestrada. O amor obrigou ele a voltar pro serviço!Eu permanecia sentada num banco do corredor, mastigando o doce que Edson me deu enquanto ouvia aquelas fofocas sobre mim mesma. A situação era tão surreal que precisei conter uma risada.Nesse instante, um dos policiais se aproximou com ar solícito:— Moça, por que está aqui sozinha? Cadê seu responsável?Apontei silenciosamente para a sala de interrogatórios com meu dedo adocicado.Minutos depois, Edson emergiu do recinto com o rosto nublado.Ao avistá-lo, os dois homens se ergueram imediatamente em posição de resp
O odor hospitalar impregnava o ambiente de forma asfixiante. Despertei com uma cefaleia pulsátil, cada fibra do corpo protestando como se tivesse sido desmontada e remontada às pressas.Do corredor, a discussão ganhava contornos dramáticos, as vozes ecoavam em meus ouvidos com intensidade crescente.— Não é por acaso que a Ângela mantém distância desde o retorno! Deve ter achado que a abandonamos!— Luiz, como pude gerar um filho de tal índole? Que direi aos parentes de Ângela?— Pai, mãe, jamais imaginei tal desfecho. Só queria que ela se conduzisse com decência.Estalo!O impacto da palmada reverberou no ambiente, seguido por gemidos contidos de Luiz.Supus fosse Felipe o autor do gesto, até ouvir o suspiro estupefato de Marta.— Edson! — Murmurei.Tentei me erguer, mas colapsei no solo. Só então percebi que me machuquei as pernas. O quarto na mansão da família Garcia se localizava apenas no segundo piso, altura insuficiente para um desfecho letal.Ao ruído, Edson irrompeu no quarto.
Nos três dias subsequentes, obedeci meticulosamente às instruções culinárias que Edson havia deixado refrigeradas, consumindo as refeições pré-preparadas. Os alimentos eram sem graça nenhuma.A ausência de Edson me consumia em agonia, mas nem ideia do que ele estava aprontando.Meu celular permanecia imune a qualquer sinal de comunicação. Na realidade, restavam apenas contato familiar, aquele número memorizado por repetição compulsória, que eu agora repelia com um gesto mecânico de rejeição.Até considerava empreender buscas, inclusive registrar seu desaparecimento nas autoridades, mas como depositar fé na polícia se sequer os criminosos de meu sequestro foram localizados?Nesse turbilhão existencial, vaguei pelas ruas até ser abruptamente arrebatada para o interior de um veículo. Ao recobrar a consciência, me encontrava novamente no quarto familiar da mansão da família Garcia.O ambiente estava sinistro. O clarão lunar se infiltrava pela janela, revelando apenas uma silhueta vigilante
Depois daquela treta com a Camila, resolvi cair fora. A ideia era sumir do mapa de Luiz, mas o maldito parecia ter radar.Edson não encheu o saco, mas na hora não tinha nenhum canto decente para alugar.— E se você ficar na minha casa até arrumar coisa melhor? — Sugeriu Edson.Eu sabia que Luiz já tinha fuçado meu novo endereço, e Edson estava com medo que o cara aparecesse quando ele não tivesse por perto.— Sua casa? — Perguntei de volta, arregalando os olhos.Edson ficou corado igual tomate, mas dessa vez segurou o olhar e acrescentou:— É... Nem esquenta a cabeça. Tenho dois quartos, cabe você de boa. — Mas não dá para gente viver eternamente em dois cômodos. Na minha casa era assim, e na dele provavelmente também. Quando que a gente ia poder morar junto de verdade, igual à Camila insinuou?Os olhos do Edson arregalaram feito bolas de sinuca, como se eu tivesse soltado uma bomba. Eu, safadinha, continuei provocando, sabendo exatamente como ele ia reagir.— Ângela... Peguei o car
Edson cumpriu o prometido. O cara era um mestre na cozinha, até a sopa mais sem graça ele transformava num banquete.Graças a ele, nesses últimos dias meu corpo tava voltando ao normal.Foi quando, na terceira vez que tentei catar uma colherada da sopa, ele me pegou no flagra.De olho meio fechado, soltou aquela risada gostosa.— Está me roubando comida, gulosinha? Nem esperou o suco ficar pronto? Vi que o plano falhou e devolvi a tigela na pia, toda encolhida. Ele largou as frutas que estava picando e veio para perto.— Vou lavar isso aqui. Vai lá para o sofá ver TV que já te chamo. Fiz que sim com a cabeça, meio sem graça. Porém, do nada ele me puxou de volta, me encurralando entre a pia e o corpo dele.— Vai ficar emburrada só porque não deixei você tomar a sopa? Virei a cara, calada, fazendo beiço.Ele deu uma risadinha baixa e completou:— O médico liberou comida normal amanhã. Te levo para comer aqueles pratos típicos. Meus olhos brilharam e exclamei:— Sério mesmo? — Tem mi
Aos poucos fui voltando à consciência quando um barulho insistente de batidas na porta me invadiu os ouvidos. O estrondo era tão violento que parecia ecoar pelo quarto e atravessar o corredor.Contudo, eu estava tão grogue que, ao tentar levantar da cama, meus membros pareciam ter esquecido como funcionavam. Só quando a fechadura voou no chão com um baque seco é que eu acordei de vez.Quem seria? Os sequestradores? Ou o próprio Luiz? Dei uma olhada rápida à procura de algo para me defender, mas o quarto estava mais vazio que bolso de mendigo. Me arrastei escada abaixo, mas na correria pisou errado nos últimos degraus e capotei.— Ângela! — Uma voz nítida e cheia de preocupação gritou.Quando ergui a cara, vi Edson segurando uma sacola de supermercado, todo suado e com a respiração pesada. Correu para me ajudar a levantar.— Você está bem?Ainda meio zonza, nem tinha processado direito. O chaveiro lá fora já tinha trocado a fechadura na velocidade da luz, guardando as ferramentas na m
Fiquei sentada na cama do quarto de hóspedes até as três da madrugada. Do quarto de Luiz, ali do lado, não vinha um pio. Nesse tempo todo, peguei o celular novo que a Marta me deu e entrei num app de aluguel. Foi assim que achei um apartamento seguro, disponível para alugar.Quando o dia começou a clarear, a mansão da família Garcia parecia um cemitério. Peguei os tênis e saí descalça para o jardim. Mal pus o pé lá fora, avistei uma figura encostada no carro do Luiz, vidrada no celular. Meu coração quase saiu pela boca. Será que era ele?No entanto, quando o cara levantou a cabeça, vi que era o Edson.Fingi que não tinha visto nada e segui para calçada, tentando acenar para um táxi. Ele veio atrás.— Srta. Ângela? — Chamou com voz hesitante. — O Sr. Luiz sabe que você... — Pode não contar para o Luiz? — Minha voz saiu engasgada. Eu estava tão perto de escapar, faltava um triz, e agora esse obstáculo.Edson fez cara de quem não entendeu e disse:— Mas ele vai ficar na mó preocupação.