No dia do registro civil, informei Felipe e Marta com antecedência. Ao cair da noite, conduzi Edson portando a carta de perdão para o jantar na mansão da família Garcia.Meu apetite permanecia reduzido, me limitando a pequenas porções. Edson, porém, investido de nova autoridade, intensificava a vigilância sobre minha alimentação.À mesa, Marta me apertou as mãos com afeto transbordante.— Ângela, quando planejam oficializar a cerimônia? Me notifique com antecedência para preparativos adequados. Em gesto solene, Felipe apresentou um par de pingentes de jade de translucidez vítrea, evidentemente preciosos.— Estas peças foram talhadas por Marta ao completares dezoito anos. Reservou-as especialmente para esta ocasião. Recebi as peças com gratidão, dirigindo agradecimentos a Felipe, enquanto calor humano me inundava o peito.Durante todo o banquete, Luiz se manteve ausente. Ao deixarmos a mansão, súbita sensação de observação fixa nas costas me fez voltar abruptamente, encontrando apenas
No dia em que entrei descalça na cidade, me tornei manchete nos jornais.Após meses de cativeiro, a filha adotiva da família Garcia reaparecia em estado deplorável: roupas esfarrapadas, corpo coberto de sujeira, pés dilacerados. Uma imagem que lembrava mais um animal abandonado que uma herdeira de família rica.As lentes dos repórteres disparavam sem parar, disputando cada detalhe da minha aparência. Meu coração, porém, permanecia mais frio que água parada, incapaz de registrar qualquer emoção.A antiga Ângela havia desaparecido. Aquela moça radiante, cheia de sonhos e caprichos, havia morrido nas mãos dos sequestradores e na indiferença de Luiz Garcia.Um grupo de seguranças de terno preto abriu caminho na multidão. À frente, Edson Moura, figura conhecida. Nos sete anos de relacionamento com Luiz, ele sempre foi encarregado de me “conduzir” para fora dos escritórios e apartamentos particulares de Luiz.Essa “condução” frequentemente se assemelhava mais a um arrasto, dada minha teimosi
O carro adentrou os portões da mansão da família Garcia. Luiz ordenou que as funcionárias me levassem ao banheiro para um banho. Dispensei a ajuda delas, pedindo apenas que escolhessem no meu antigo guarda-roupa um vestido comprido, que não mostrasse sequer os tornozelos.Elas reviraram tudo durante uma eternidade até acharem um modelo simples, formal, de mangas longas. Parecia até uniforme escolar.Ninguém dita regras sobre como estudantes deviam se vestir, mas ao me ver no espelho, percebi que meu visual, antes ousado e cheio de personalidade, realmente parecia mais com o de uma aluna aplicada agora.Antes do sequestro, hjavia recebido a carta de aceitação da melhor escola de design do exterior. Já se passavam três meses desde o prazo de matrícula.— Valeu, gente. — Eu disse.As funcionárias arregalaram os olhos. Nunca imaginariam ouvir um "obrigada" da uma dama.Mas depois de tudo que vivi, sabia perfeitamente nossa real posição. Elas eram empregadas da família Garcia. Eu era a filh
Após o jantar, fui chamada no escritório do Felipe. Dentro daquele ambiente, ele já não parecia o empresário implacável que todos conheciam, mas alguém sereno e gentil. Com voz mansa, ele questionou:— Ângela, você sempre gostou do Luiz desde criança. Ainda sente algo por ele? Balancei a cabeça tão rápido que até os músculos do rosto protestaram. Foram sete anos alimentando esse sentimento, sete anos de submissão, sete anos de sofrimento, e mesmo assim não aprendi. Por isso mesmo acabei colhendo essa vingança cruel. Agora, não me permitia nem um pingo de afeto pelo Luiz.Felipe absorveu minha resposta e, após um instante reflexivo, suspirou profundamente, quase como se tivesse pena de mim.— Ah, entendi. Você não pode virar minha nora, mas sempre será considerada minha filha. É uma moça tão boa, tão bonita... Luiz é quem não soube valorizar. — Da gaveta, ele retirou um cartão bancário e estendeu para mim. — Isso é o que seus pais deixaram. Quatro milhões. Pediram que eu guardasse at
Fiquei sentada na cama do quarto de hóspedes até as três da madrugada. Do quarto de Luiz, ali do lado, não vinha um pio. Nesse tempo todo, peguei o celular novo que a Marta me deu e entrei num app de aluguel. Foi assim que achei um apartamento seguro, disponível para alugar.Quando o dia começou a clarear, a mansão da família Garcia parecia um cemitério. Peguei os tênis e saí descalça para o jardim. Mal pus o pé lá fora, avistei uma figura encostada no carro do Luiz, vidrada no celular. Meu coração quase saiu pela boca. Será que era ele?No entanto, quando o cara levantou a cabeça, vi que era o Edson.Fingi que não tinha visto nada e segui para calçada, tentando acenar para um táxi. Ele veio atrás.— Srta. Ângela? — Chamou com voz hesitante. — O Sr. Luiz sabe que você... — Pode não contar para o Luiz? — Minha voz saiu engasgada. Eu estava tão perto de escapar, faltava um triz, e agora esse obstáculo.Edson fez cara de quem não entendeu e disse:— Mas ele vai ficar na mó preocupação.
Aos poucos fui voltando à consciência quando um barulho insistente de batidas na porta me invadiu os ouvidos. O estrondo era tão violento que parecia ecoar pelo quarto e atravessar o corredor.Contudo, eu estava tão grogue que, ao tentar levantar da cama, meus membros pareciam ter esquecido como funcionavam. Só quando a fechadura voou no chão com um baque seco é que eu acordei de vez.Quem seria? Os sequestradores? Ou o próprio Luiz? Dei uma olhada rápida à procura de algo para me defender, mas o quarto estava mais vazio que bolso de mendigo. Me arrastei escada abaixo, mas na correria pisou errado nos últimos degraus e capotei.— Ângela! — Uma voz nítida e cheia de preocupação gritou.Quando ergui a cara, vi Edson segurando uma sacola de supermercado, todo suado e com a respiração pesada. Correu para me ajudar a levantar.— Você está bem?Ainda meio zonza, nem tinha processado direito. O chaveiro lá fora já tinha trocado a fechadura na velocidade da luz, guardando as ferramentas na m
Edson cumpriu o prometido. O cara era um mestre na cozinha, até a sopa mais sem graça ele transformava num banquete.Graças a ele, nesses últimos dias meu corpo tava voltando ao normal.Foi quando, na terceira vez que tentei catar uma colherada da sopa, ele me pegou no flagra.De olho meio fechado, soltou aquela risada gostosa.— Está me roubando comida, gulosinha? Nem esperou o suco ficar pronto? Vi que o plano falhou e devolvi a tigela na pia, toda encolhida. Ele largou as frutas que estava picando e veio para perto.— Vou lavar isso aqui. Vai lá para o sofá ver TV que já te chamo. Fiz que sim com a cabeça, meio sem graça. Porém, do nada ele me puxou de volta, me encurralando entre a pia e o corpo dele.— Vai ficar emburrada só porque não deixei você tomar a sopa? Virei a cara, calada, fazendo beiço.Ele deu uma risadinha baixa e completou:— O médico liberou comida normal amanhã. Te levo para comer aqueles pratos típicos. Meus olhos brilharam e exclamei:— Sério mesmo? — Tem mi
Depois daquela treta com a Camila, resolvi cair fora. A ideia era sumir do mapa de Luiz, mas o maldito parecia ter radar.Edson não encheu o saco, mas na hora não tinha nenhum canto decente para alugar.— E se você ficar na minha casa até arrumar coisa melhor? — Sugeriu Edson.Eu sabia que Luiz já tinha fuçado meu novo endereço, e Edson estava com medo que o cara aparecesse quando ele não tivesse por perto.— Sua casa? — Perguntei de volta, arregalando os olhos.Edson ficou corado igual tomate, mas dessa vez segurou o olhar e acrescentou:— É... Nem esquenta a cabeça. Tenho dois quartos, cabe você de boa. — Mas não dá para gente viver eternamente em dois cômodos. Na minha casa era assim, e na dele provavelmente também. Quando que a gente ia poder morar junto de verdade, igual à Camila insinuou?Os olhos do Edson arregalaram feito bolas de sinuca, como se eu tivesse soltado uma bomba. Eu, safadinha, continuei provocando, sabendo exatamente como ele ia reagir.— Ângela... Peguei o car