Júlia sorriu, defendendo sua escolha:— Que nada, olha só, com essa carinha aí tá idêntico!Ela balançou o bonequinho na mão, e José não conseguiu segurar o riso.Ela sorriu:— Agora não parece tanto.No fim, José acabou aceitando o presente e agradeceu.Júlia comentou:— Não faz mal, olha só, podemos ir…...Quando chegou em casa, já era de madrugada.Antes de viajar, Júlia tinha deixado tudo limpinho, e até pediu uma faxineira dar uma geral antes de voltar. Estava tudo em ordem, não dava nem para dizer que tinha passado dias fora.Depois de um banho rápido, ela se jogou na cama macia, sentindo o cheirinho do sabonete, e suspirou satisfeita. No fim das contas, por mais lugares que visitasse, nada era mais confortável que estar em casa.Enquanto isso, José ainda estava acordado.Ele estava numa fase crucial do projeto, quase terminando a primeira etapa. Os últimos dias foram uma loucura, e ele só conseguiu um tempinho para ir ao aeroporto de última hora.Agora, ele planejou tomar um b
Às dez da noite, a neve começou a cair novamente, silenciosa e constante.José guardou o guarda-chuva, sacudindo a neve acumulada, que rapidamente derreteu em água.Os problemas no laboratório não davam trégua, e mesmo ele estava cansado de tanta dificuldade. Com os momentos mais frios se aproximando, a sensação de festa só aumentava.Após dias sem dormir direito, José estava aliviado por finalmente ter corrigido os dados experimentais para níveis seguros e decidiu dar dois dias de folga para a equipe.José tirou a chave e estava prestes a abrir a porta quando ouviu um som vindo de trás.A luz quente que escapava pela fresta da porta iluminou o corredor escuro e trouxe a voz de Júlia como um calor no inverno:— Professor José, você volta cedo hoje. A vizinha do terceiro andar acabou de ter uma netinha e trouxe ovos à tarde. O seu está aqui. Só um minuto, vou pegar para você…Com sua percepção aguçada, José ouviu a voz clara e gentil dela e, por um momento, seu ritmo desacelerou. Ele re
Às 8 horas da manhã, o maior mercado da cidade K estava cheio de pessoas e de vida.A vendedora perguntou:— Professor Gustavo, veio comprar peixe?— Sim, tem badejo hoje?— Tenho, tenho! Guardei especialmente para o senhor… — A mulher de meia-idade falava enquanto, com destreza, pesava e limpava o peixe. — Já está.Gustavo Ferreira pegou o celular e perguntou:— Quanto deu?— Ah, não precisa pagar, leve, leve! Meu filho Gabriel Martins sempre é cuidado por você...— De jeito nenhum, você tem seu comércio, não posso sair sem pagar.Gustavo prontamente transferiu 50 reais via PIX.Até mais do que o valor real.A mulher, ao ouvir confirmação da transação, exclamou:— Oi… Não precisava…Gustavo respondeu:— Eu que ficaria sem jeito se não pagasse. Bom, vou lá comprar outros.A vendedora o impediu:— Ah, espera, professor…— Mais alguma coisa?A mulher apertou nervosamente o avental de couro e falou:— Então… ouvi dizer que a escola tem vagas de recomendação cada ano para a competição de f
A outra pessoa perguntou com surpresa:— Ah? Sério? Não estuda, não trabalha, então faz o quê?— Deve estar sendo amante de algum rico, né? Deita, abre as pernas e pronto, dinheiro no bolso. Trabalha para quê?— Ei! Cuidado com o que diz, isso afeta a reputação da moça!— Se ela estivesse trabalhando de verdade, por que não voltou para casa em anos? Devem estar com vergonha dela. E o professor Gustavo? Tem que manter a fachada. Se não, como vai continuar como professor respeitado?— Meu Deus…Essas fofocas nunca chegavam aos ouvidos de Gustavo. E, mesmo se chegassem, ele provavelmente ficaria em silêncio. Para ele, o que sua filha fazia não era muito diferente de ser uma amante de alguém rico.…Júlia desceu do trem, ajustando o casaco mais apertado contra o frio.Embora cidade K fosse mais ao norte, o clima nesse mês ainda era gelado. Dentro do táxi, ela observava as ruas e sentia as memórias da infância se misturarem ao que via pela janela.Cidade K era pequena, com a indústria pes
— Quem é?Gustavo ouviu a batida na porta e logo limpou as mãos no avental. Olhou para a mesa onde acabara de colocar o peixe e ajeitou cuidadosamente o prato antes de ir atender.Camila estava regando as plantas no quarto, também ouviu o som e deu uma espiada para fora.Ela perguntou:— Quem será? É Thiago?Gustavo respondeu enquanto estava indo em direção à porta:— Ele mandou mensagem de manhã dizendo que chega amanhã. Deve ser Dona Helena, pedi a ela uns ovos para você, já que não estava se sentindo bem esses dias.Na entrada, Júlia observou seu pai.Seis anos sem vê-lo, os cabelos grisalhos dele haviam se espalhado pelas têmporas, e as rugas eram mais profundas no rosto que outrora fora tão rígido e quadrado.Quando criança, ela adorava subir nos ombros do pai, mas agora, Gustavo parecia encolhido, envelhecido. Somente seus olhos continuavam os mesmos, brilhantes e penetrantes como sempre.Júlia disse suavemente:— Pai…Gustavo ficou surpreso, mas logo sua expressão endureceu e pe
— Dessa vez, eu voltei por dois motivos. Primeiro porque sinto muita falta de vocês, e segundo, porque espero que possam me dar outra chance para corrigir os erros que cometi.Durante todos esses anos, ela não teve coragem de voltar para casa, com medo de encarar o olhar de decepção dos pais.Ela também queria provar que sua escolha estava certa, mantendo-se firme nessa decisão.No entanto, a realidade deu um tapa cruel em seu rosto. Ela não apenas estava errada, estava completamente enganada. Um erro enorme.Os olhos de Gustavo tremeram ligeiramente. Ele ouviu direito?Ela admitiu finalmente o erro?Camila sentiu o coração apertar. Se não tivesse passado por tanto sofrimento, como sua filha, que sempre foi tão teimosa, conseguiria dizer as palavras ‘eu estava errada’?— Você… você tem certeza disso? — A voz de Gustavo suavizou visivelmente.Júlia mordeu os lábios:— Já pensei muito sobre isso, mas estava com medo de que vocês ainda estivessem zangados, por isso não tive coragem de vo
Anoitecer.O cheiro delicioso vinha da cozinha quando Gustavo saiu com uma travessa nas mãos:— Sopa de frutos-do-mar, aprendi essa recentemente, experimenta e me diz o que acha.Júlia olhou para a mesa cheia de pratos: carne de porco com batatas, salada, badejo de assado e, além da sopa de frutos-do-mar, ainda tinha almôndegas ao molho. Tudo do jeito que ela adorava.Camila pegou o pedaço mais macio do peixe e colocou no prato de Júlia:— Seu pai não é muito bom com peixe, mas eu provei este e está do jeito que você gosta, coma mais.Gustavo se sentiu ofendido:— O que significa que não sou bom com peixe? Eu sou bom é com pessoas, não em peixe!Camila revirou os olhos e disse:— Certo, certo. Você é um mestre, seja cozinhando ou lindando com as pessoas, está bem assim?— Agora sim… outro dia, o vizinho veio me pedir dicas de culinária! Você tem sorte de comer minha comida todos os dias.— Certo, certo, estou mesmo com sorte. Agora come logo, antes que eu tenha que te calar com comida.
Júlia deu uma mordida e sorriu com os olhos semicerrados: — Tão bem!Ao ver o brilho nos olhos dela, Camila lembrou-se de como Júlia estava ao chegar em casa hoje.Ela segurou sua mão, esfregando-a com o calor da palma, e afastou uma mecha de cabelo do rosto da filha enquanto a olhava de perto:— Você emagreceu.Com a boca cheia de morangos, as bochechas infladas, Júlia balançou a cabeça:— Nada disso! Eu me pesei, estou até um quilo mais pesada que na semana passada. É que eu me parece mais magra, mas pode apertar meu braço, tem bastante carne aqui.Ela fez uma cara preocupada: — Estou pensando se deveria perder uns quilinhos…Antes que terminasse a frase, Gustavo já franzia a testa:— Que papo é esse de perder peso? Você já tá magra demais, vai acabar virando só osso se continuar com isso!Hoje em dia, esses jovens só ficavam na internet, seguindo blogueiros de dieta e essas ideias malucas. Ele não aguentava ver esse tipo de coisa, pior ainda quando tomavam remédios para emagrecer.