Anoitecer.O cheiro delicioso vinha da cozinha quando Gustavo saiu com uma travessa nas mãos:— Sopa de frutos-do-mar, aprendi essa recentemente, experimenta e me diz o que acha.Júlia olhou para a mesa cheia de pratos: carne de porco com batatas, salada, badejo de assado e, além da sopa de frutos-do-mar, ainda tinha almôndegas ao molho. Tudo do jeito que ela adorava.Camila pegou o pedaço mais macio do peixe e colocou no prato de Júlia:— Seu pai não é muito bom com peixe, mas eu provei este e está do jeito que você gosta, coma mais.Gustavo se sentiu ofendido:— O que significa que não sou bom com peixe? Eu sou bom é com pessoas, não em peixe!Camila revirou os olhos e disse:— Certo, certo. Você é um mestre, seja cozinhando ou lindando com as pessoas, está bem assim?— Agora sim… outro dia, o vizinho veio me pedir dicas de culinária! Você tem sorte de comer minha comida todos os dias.— Certo, certo, estou mesmo com sorte. Agora come logo, antes que eu tenha que te calar com comida.
Júlia deu uma mordida e sorriu com os olhos semicerrados: — Tão bem!Ao ver o brilho nos olhos dela, Camila lembrou-se de como Júlia estava ao chegar em casa hoje.Ela segurou sua mão, esfregando-a com o calor da palma, e afastou uma mecha de cabelo do rosto da filha enquanto a olhava de perto:— Você emagreceu.Com a boca cheia de morangos, as bochechas infladas, Júlia balançou a cabeça:— Nada disso! Eu me pesei, estou até um quilo mais pesada que na semana passada. É que eu me parece mais magra, mas pode apertar meu braço, tem bastante carne aqui.Ela fez uma cara preocupada: — Estou pensando se deveria perder uns quilinhos…Antes que terminasse a frase, Gustavo já franzia a testa:— Que papo é esse de perder peso? Você já tá magra demais, vai acabar virando só osso se continuar com isso!Hoje em dia, esses jovens só ficavam na internet, seguindo blogueiros de dieta e essas ideias malucas. Ele não aguentava ver esse tipo de coisa, pior ainda quando tomavam remédios para emagrecer.
Camila disse irritada:— Por que você diz que meu texto é uma porcaria? Você sabe o quão ofensivo isso é para um autor, né? Certo, você é a editora e devo confiar no seu olhar, mas esse estilo não é o meu. Mesmo que eu precise mudar, isso é um passo grande demais... Acho que precisamos esfriar a cabeça. Tá bom, tenho outras coisas para resolver.Camila desligou o telefone e, ao se virar, encontrou o olhar confuso da filha. Ela sorriu:— Não foi nada, era só a editora.— Tem certeza de que está tudo bem?— Claro que sim, você acha que eu mentiria? — Camila deu uma risada e puxou Júlia para mais perto. — O mercado editorial tradicional está em crise. Muitos autores de sucesso estão migrando para romances online e ganhando muito com isso. Claro, alguns não se adaptam e são esquecidos. A editora quer que eu faça o mesmo, mas ainda estou indecisa.Júlia estava surpresa:— Romances online? Que tipo de romance?Camila deu um sorriso meio forçado:— Romances urbanos.Júlia ficou sem palavras.
Naquela época, Camila quase entrou em depressão.Felizmente, com o apoio do marido e da filha, ela conseguiu sair dessa fase sombria, mas desde então, ela parou de usar a internet e trocou o celular por um modelo simples, daqueles só para fazer ligações.Dez anos se passaram, exceto um romance juvenil que escreveu, Camila não lançou mais nenhum livro novo.Camila virou e disse:— Ah, deixa para lá! E aí, gostou do sanduíche?— Sim, ainda tem o mesmo sabor de sempre.Júlia olhou para o rosto da mãe, querendo dizer algo, mas acabou desistindo:— Só o café estava um pouco quente demais.— É mesmo? Então espera um pouco para esfriar....Com a chegada da festa, a vida tranquila na pequena cidade começou a ganhar um toque de festividade.As árvores e os postes ao longo da rua estavam decorados com luzes coloridas.O mercadinho perto de casa estava lotado, com prateleiras quase vazias. Camila decidiu então ir até o grande supermercado no centro da cidade.Após estacionar o carro, ela e Júlia
Camila disse:— Acabei de lembrar que esqueci de pegar o tempero. Jú, vai ali na prateleira e pega um pacote para mim.— Tá bom.Júlia sabia que sua mãe quis afastá-la da conversa.Assim que a filha se afastou, Camila começou a falar:— Como eu disse mais cedo, ainda estou pensando.— Pensando? Eu te falei sobre isso há três meses! Na época, você também disse que ia pensar. Eu te dei tempo, mas até agora você não me deu uma resposta clara.Camila franziu a testa:— Trabalhamos juntas há anos, você sabe que meu forte são contos e novelas de suspense, com umas 200 ou 300 páginas. Agora você quer que eu mude e escreva romances online? Isso não tem nada a ver!— É tudo literatura, não tem essa de ‘não tem nada a ver’. Escrita é escrita, em qualquer formato!O tom da editora endureceu e o sorriso sumiu de seu rosto.Camila tentou explicar:— Primeiro, romances online geralmente são longos, com mais de mil páginas. Segundo os gêneros mais populares, como romances urbanos ou de casamento, não
— Uma autora que não produz mais obras ou vendas, ainda pode ser chamado de autora?Camila também ficou irritada, disse:— Eu tenho várias ideias, mas você…Rosália interrompeu bruscamente:— Essas ideias suas não têm nada de especial, não vão vender! Se você as escrever, vai só perder tempo e desperdiçar o número de registro. Você acha que ainda é aquela ‘rainha do suspense’? Vamos ser francas, Camila. Você já passou do seu auge. Está na hora de encarar a realidade e reconhecer isso.— Mãe! — Júlia não aguentou ouvir mais e saiu rapidamente de trás da prateleira.Camila enxugou rapidamente as lágrimas que ameaçavam cair e forçou um sorriso: — Achou o tempero?Júlia balançou a embalagem de tempero na mão:— Aqui está. Já está ficando tarde, talvez o papai já tenha voltado da escola. Vamos pagar e ir para casa?— Vamos.Júlia se despediu em nome da mãe, sabendo que Camila não queria mais continuar ali:— Até mais, Sra. Rosália.Rosália sorriu levemente:— Claro, eu ainda vou dar mais u
E pelo que Júlia escutou da conversa entre a mãe e a editora, não havia nenhuma preocupação real da parte da Rosália, apenas pressão e manipulação emocional.Ela disse petulantemente:— Por favor, vai! Me deixa ler!— Tá bom, tá bom, te mando depois. Só espero que tenha paciência para ler tudo!— Prometo que sim!…Quando chegaram em casa, Gustavo estava no quintal, colocando as decorações de festa.Ele parecia um pouco confuso, então Júlia se aproximou e comentou:— Pai, tá meio torto, não tá? Desvia um pouco para esquerda.Camila desceu do carro, olhando com ceticismo:— Eu acho que tá muito alto. Abaixa um pouco.Gustavo seguiu o conselho, puxando a faixa decorativa mais para baixo, mas logo ouviu Camila de novo:— Agora está muito baixo. Sobe mais um pouco.Júlia observou e disse:— Acho que agora está bom.Mesmo assim, Gustavo ainda achava que algo estava estranho:— Será que tá torto?Camila olhou com atenção e percebeu:— Você trocou as faixas de lugar, não foi?Ele tossiu levem
Tudo o que precisava fazer era manter as aparências e evitar conflitos desnecessários.Rafael estava encarar disso, sempre adotando uma postura evasiva. Ele nunca tomava a iniciativa de resolver os problemas entre a namorada e a mãe. Jamais tocava no assunto, nem perguntava. Era como se ele estivesse sempre de olhos fechados para a situação.Por sua vez, Júlia sempre o compreendeu e nunca o pressionou. Por exemplo, nas férias, nunca o colocava em uma posição difícil de escolher entre ficar com ela ou com Fernanda, a mãe dele.Agora, olhando para trás, ela percebia que toda a sua paciência e compreensão não passavam de autoengano.Homens não valorizam isso, apenas se acostumam e começam a achar que é obrigação.Júlia suspirou:— Sim, senti falta dos meus pais, então comprei a passagem e voltei.Ela disse com simplicidade, mas Patrícia sabia que para Júlia reunir coragem para voltar para casa, não foi fácil.Patrícia cumprimentou:— Os seus pais estão bem? Faz tempo que não os vejo. Man