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Segredos entre herdeiros
Segredos entre herdeiros
Por: P. Rodrigues
1. Sobre a posse absoluta do conglomerado

Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências:

 

1. A herdeira deverá ser apta ao cargo de CEO, tendo pleno conhecimento certificado das seguintes áreas:

a. Administração de empresas e finanças corporativas

 

b. Economia

 

c. Engenharia

d. Arquitetura

e. Gestão de pessoas

     Essa foi a primeira das dez exigências de meu pai, nada fáceis de se cumprir. Ele era a pessoa que mais me conhecia no mundo, talvez soubesse mais de mim do que eu mesma, o que me deixava desconfortável, pois sabia exatamente como lidar com meu narcisismo. Não pude conter o riso quando li pela primeira vez, na verdade, eu ri alto e tão descontroladamente, que senti cada músculo do meu corpo vibrar.

 

     Me obrigar a ser social mediante um documento era tão John. Ele sabia que eu não gostava de participar de eventos sociais, sabia que eu não gostava das pessoas da minha idade, assim como sabia que eu sairia viajando pelo país na primeira oportunidade que tivesse. Ele fez tudo o que pode para me obrigar a permanecer ali, em baixo de suas asas, mesmo após sua morte.

 

     Confesso que não estava nem um pouco ansiosa para me tornar a mais jovem bilionária do país, mas seria a escolha certa a se fazer, afinal, eu seria incapaz de lidar com a possibilidade da queda do império que meu pai construiu, eu jamais faria com que tudo o que lutou, tudo pelo que passou, desmoronasse devido a meu egoísmo. Não era uma lista fácil, mas com certeza eu iria cumprir com maestria, afinal, ele havia me criado para essa função, havia me ensinado tudo o que eu sei, desde as escolhas das palavras até o movimento das mãos. Eu sempre fui uma argila crua, sendo moldada por John. Já estava na hora de queimar.

     Jullian, o encarregado deixado por meu pai, já havia me dado um ultimato, aquele seria meu teste, minha última oportunidade para me socializar formalmente, antes de ser dado a entrada em meu estágio na empresa. Era esse o plano dele, se eu não conseguisse permanecer em uma festa idiota, por pelo menos duas horas, eu deveria ser a nova secretária do vice-presidente, uma vez que havia afugentado todos os candidatos. Eu não sabia qual era a pior opção, afinal, o vice-presidente era ele mesmo, então ao invés de vê-lo por alguns minutos do dia, passaria todas as horas ao seu lado. Com certeza eu conseguiria me comportar em uma festa fútil.

 

     Escolhi o curso de arquitetura como minha primeira graduação. Segundo as regras de meu pai, eu deveria ter pleno conhecimento das outras áreas, mas não significava que precisaria me tornar bacharel nelas todas. Então Jullian me ajudou a otimizar meu tempo, me ajudando a escolher a área com que tive a melhor afinidade para me graduar, enquanto as demais, teria aulas particulares com doutores graduados pelas empresas de meu pai. Esse sistema de tutoria era benéfico para todos os envolvidos no programa. Nossa empresa pagava a formação dos profissionais treinees, e então, quando estivessem formados, eles se tornariam instrutores, formando assim um grupo bem seletivo de profissionais especializados, os melhores do país. Esse foi o segredo do sucesso de meu pai, investir em educação e lealdade. Eu via como tratar filhotes, que cresceriam sob o domínio do alfa.

 

     Estava na hora, seria a última festa do ano na universidade, a festa de natal que eu tanto odiava. Sempre detestei o natal. Na verdade, não gostava de nenhum evento que reunisse mais de cinco pessoas, em geral, eu não gostava de pessoas. Elas são até divertidas, atiçam minha curiosidade, mas tudo passa depois de algumas horas as observando. Os macacos do zoológico são mais interessantes, tão mais honestos.

     Tudo bem, eu iria conseguir. Abri a porta do táxi e desci.

 

     A minha frente, havia um gramado completamente tomado por copos descartáveis e serpentinas brilhantes. Como era possível sujar o jardim de entrada de um pouco mais de trezentos metros, em tão pouco tempo? Ou estava tão atrasada assim? A festa estava marcada para as 10 p.m, e haviam se passado somente dez minutos. São essas atitudes que me fazem perder o interesse nas pessoas. Caminhei alguns metros, até encontrar os dormentes, que me levariam até a varanda da velha república. Não sei o que estavam pensando quando decidiram criar uma república para reunir idiotas cheio de dinheiro. A única explicação, era que seus pais os queriam fora de casa, então decidiram bancar festas todos os finais de semana, das quais eu nunca participava. Criar uma república para pessoas que moram na mesma cidade não faz sentido nenhum para mim.

 

     “É para incentivar o convívio e criar laços”, foi essa a resposta de Jullian, quando repeti inúmeras vezes que, uma vez que meu pai fazia doações para manter aquela parafernália, assim que eu assumisse, iria mandar derrubá-la. Cada um que fosse se divertir em suas respectivas casas.

 

     Olhei pela janela vitoriana, a única com as persianas abertas, e no momento que percebi o número de pessoas ali dentro, quis dar meia volta e aceitar a proposta de Jullian. Pessoas completamente bêbadas, semi nuas, dançando ao som de uma música que sequer tinha notas musicais. Olhei para a roupa que eu estava vestindo e ri. Como pude ser idiota em achar que realmente se tratava de uma festa natalina? Meu vestido vermelho, rodado e brilhante, muito brilhante, acompanhado de um escarpeiem preto de camurça. Meus cabelos caiam longos cachos negros pelo decote tomara que caia, acompanhado de um minúsculo gorro natalino. Céus, eu poderia ser a própria mamãe Noel da festa. Tudo o que pude fazer, foi tirar aquele gorro idiota, jogar no chão amadeirado, e me virar. Estava pronta para ir embora quando a porta se abriu.

        — Jingle bells senhorita Gold — disse um sorriso presunsoso.

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