Lucas Park
Finalmente, havia chegado o dia. Eu a veria, estaria ao lado dela, e, ao contrário daquela manhã decepcionante, Gabrielle não poderia fugir. Passei horas acordado durante o voo, me preparando, repassando mentalmente tudo o que eu diria a ela quando nos encontrássemos. Ensaiei dezenas de vezes como deveria me apresentar, escolhi cuidadosamente a roupa que iria vestir e calculei o tom exato que deveria usar para não a assustar. E apesar de ter minhas mãos suando e minhas pernas tremulas, eu não poderia permitir que ela percebesse meu nervosismo, pois poderia interpretar de forma errada. De nenhuma forma ela poderia ter a impressão de que eu não queria estar ali, com ela.
A verdade é que eu sabia que não nos víamos havia cerca de 10 anos, e que não sabia absolutamente nada sobre quem ela havia se tornado. Talvez ela fosse parecida com as outras garotas da sua idade e status, o que me deixaria um pouco decepcionado. As garotas com quem tive contato, daquelas que tinham a mesma idade de Gabrielle, nenhuma delas me despertou interesse, pois eram tão cheias delas mesmas, tão preocupadas com seus próprios umbigos, que sequer sobrou espaço para qualquer outra pessoa. Não que eu quisesse fazer parte da vida de qualquer uma delas, mas pensei que pelo menos, poderia treinar a interação com uma garota. Me detestariam se soubesse que apenas as usei para aprender como me comportar, quando finalmente estivesse diante da única pessoa capaz de me fazer perder o sono?
Se dependesse apenas de minha vontade, teria retornado a dois anos atrás, mas Dave me convenceu a esperar. Como eu poderia me colocar em sua frente se nem mesmo me lembrava dos anos que passamos juntos? Aquele acidente havia me roubado algumas partes importantes de quem eu era, eu não poderia mostrar a ela a parte que restou, que naquele momento, era a pior. Levei dois intermináveis anos para me formar e estar apto a assumir meu papel ao lugar dela. Esperava que ela não tivesse colocado qualquer usurpador para ocupar o espaço que estava destinado a ser meu.
Tudo o que eu mais temia era não estar à altura de suas expectativas. Mas olhar para aquela foto que Jullian me enviara alguns meses atrás, em que ela caminhava e sorria para um homem muito mais velho que ela, era o suficiente para me fazer perder a calma. Não pude adiar ainda mais meu retorno, caso contrário poderia encontra-la com um cara que, obviamente não deveria estar perto dela. A primeira atitude que tomaria, seria me livrar dele.
O que eu diria a ela quando me perguntasse por que nunca atendi suas ligações ou respondi suas mensagens? Meu pai me alertara para não contar nada sobre o motivo do nosso afastamento, mas eu não queria ocultar nem omitir. Se me fosse permitido, teria entrado em contato e pego o primeiro voo naquela mesma manhã em que acordei, imploraria para ela me ajudar a preencher as lacunas que se formaram em minha memória. Ler aquele maldito diário escrito por um garoto de treze anos não tornava mais claro sua lembrança, pelo contrário, aumentava ainda mais minha ânsia por sua presença. E o que eu faria quando ela me questionasse sobre qualquer acontecimento passado? Jamais conseguiria mentir para ela.
Seu rosto redondo, adornado por cachos volumosos, foi a primeira imagem que surgiu na minha mente quando finalmente abri os olhos naquela cama de hospital. A mera lembrança de seu sorriso despertava uma força interior que eu nem sabia que possuía.
Nada me abalou mais do que perceber que tinha perdido tanto tempo longe daquela pessoa, que eu nem sequer sabia quem ela havia se tornado. Minha memória não conseguia preencher aquele vazio, mas isso já não importava — logo estaria diante dela novamente. Estava disposto a fazer qualquer coisa para recuperar os anos perdidos.
Mesmo contra as ordens de meu pai, implorei para que Leslie me deixasse cozinhar em sua imaculada cozinha. Eu a receberia naquela manhã, assim como fazia há dez anos. Dediquei todo o meu esforço e carinho para preparar aqueles biscoitos de aveia e mel que Gabrielle tanto adorava quando criança. Estava exausto por causa da viagem, mas, para mim, todo o esforço valeria a pena. Pelo menos, foi o que pensei. Jamais imaginei que ela reagiria daquela forma.
Eu ficaria mais do que satisfeito se tivesse sido recebido por agressão física e verbal, ou lágrimas. Até mesmo indiferença seria menos doloroso do que sua fuga. Ela não queria me ver e sua recusa me causou um certo pavor crescente, que precisei repensar em toda a estratégia que havia formulado durante o voo. Eu não mediria esforços para faze-la me aceitar.
Mas desta vez seria diferente. Jullian havia me garantido que ela não me deixaria atônito, olhando para suas costas enquanto fugia de mim, como fez naquela manhã.
Quando cheguei àquela velha casa, a festa havia acabado de começar. Não precisei olhar atentamente, pois com uma rápida vasculhada pela sala de entrada, pude perceber que aquele definitivamente não seria meu local favorito. Não sei dizer o que estava mais desconexo naquele ambiente, se era a falta de decoração natalina em uma festa de natal, ou se era a forma como aquelas pessoas se vestiam, sem a menor vergonha de quem estivesse olhando.
Fui surpreendido por gritos e apertos de mãos. Minha chegada à cidade já havia sido notificada a todas as pessoas daquela m*****a cidade construída unicamente para abrigar aquele tipo de pessoa, que se sentem superiores demais para misturar ao restante da população. Definitivamente trabalharia arduamente para tirar Gabrielle de perto daquele tipo de gente, que por um motivo que nunca serei capaz de entender, julgam que seus saldos bancários a tornam mais dignas de qualquer coisa. Nenhum deles sabia como era ganhar dinheiro por seu próprio esforço, viviam as custas de seus pais e duvido que mudaria algum dia.
Sabia que não me lembraria de nenhum daqueles rostos, então fiz minha lição de casa durante a semana. Decorei cada nome e posição social de cada membro daquele pequeno grupo seleto, do qual eu voltaria a fazer parte. Eu precisaria me esforçar para fazer parte de algo, se quisesse retornar à vida dela.
Lucas Park Tentei controlar a aversão daquelas pessoas, que crescia conforme eu olhava para elas. Sei que é errado julgar sem conhecer, mas era algo que se podia sentir pelo ambiente. Aquela soberba fedia, e me lembrar do dossiê de cada um deles, não me fez gostar mais de nenhuma daquelas cabeças vazias. — Que bom te ver, cara! — disse Ramon Rodriguez, me puxando para um abraço. — Vou te apresentar ao pessoal. Ele era meu colega de turma na época do colégio. Não me lembrava de sua aparência, nem se éramos muito próximos, mas, segundo as anotações de Dave, podíamos ser considerados melhores amigos. Olhando para ele, sorrindo para todas as garotas que passavam por nós, parecia ser mais ignorante do que supus ao ver sua foto. Ramon era mais alto que eu, mais forte e muito barulhento. Vestia uma camisa de linho clara, completamente aberta, exibindo seu corpo musculoso, que fazia questão de mostrar para todos. A primeira impressão não poderia ter sido pior. Para mim, e
Lucas Park Quando abri a porta, uma onda de emoção percorreu cada célula do meu corpo ao vê-la parada ali, pisando em um pequeno gorro de Natal, xingando o objeto com palavras que eu jamais esperaria ouvir da boca dela. Ela estava adorável usando aquele vestido vermelho, que definitivamente foi a primeira menção ao natal que vi desde que cheguei. Embora tivesse a curiosidade de perguntar o que o gorro havia deito de tão grave, para merecer sua ira, eu não queria ser o próximo de sua lista, portanto guardei para mim. Não pude deixar de sorrir com a cena. — Jingle bells, senhorita Gold — disse a ela. Eu estava tão nervoso, e ao mesmo tempo me divertia com a cena à minha frente, que nem pensei antes de dizer aquelas palavras. Quando ela se virou e encontrou meu olhar, foi como se todo o esforço que empenhei durante aqueles anos estivesse sendo recompensado. Em toda a minha vida, nunca estive diante de alguém tão bonita quanto ela. Seu rosto era sereno, impecável, e eu pode
Lucas Park Antes que Gabrielle pudesse levar o copo à boca, o tomei de sua mão. — Eu não faria isso se fosse você — disse a ela, tentando manter a calma. Sua reação foi inesperada. Gabrielle me lançou um olhar de incredulidade e raiva. Raiva? Por eu tentar salvá-la daquele cara nojento? Ela não fazia ideia de quem eram essas pessoas, pelo menos era o que eu esperava. Não podia acreditar que aceitou aquele copo e iria beber sem sequer questionar o que estava dentro. Não se importava com sua própria segurança e integridade? Mas, pelo olhar que me lançou, parecia que eu era o errado ali, e não ela. — Pensando bem, seria interessante vê-la se divertindo — devolvi o copo a ela, com relutância. — Essa é a sua ideia de diversão? — apontou para as pessoas na piscina, com um tom ácido. Ela não podia estar mais equivocada. Não havia nada de divertido naquele cenário, pelo menos não para mim. Eu apenas devolvi o copo para evitar uma discussão que ela claramente esta
Lucas Park Passei tanto tempo sofrendo — física e psicologicamente — me preparando, me privando de uma vida normal, tudo para estar apto a me colocar novamente diante dela. Em nenhum momento cogitei a possibilidade de que ela me rejeitaria. Mas, talvez, fosse merecido. — Me perdoe por nunca ter retornado suas ligações — comecei, com a voz mais baixa do que pretendia. Era a conversa que eu vinha ensaiando há tanto tempo. — Eu só achei que você ficaria bem sem mim. Você sempre pareceu ficar. Ela forçou um sorriso que não alcançou os olhos. — Estou muito bem, obrigada — respondeu, seca. — Já pode me deixar em paz agora. Cada palavra dela, envolta naquele sorriso falso, fez meu coração se apertar com a culpa. Eu a tinha magoado de formas que nem conseguia medir. E agora, ver o peso que aquilo tudo ainda carregava para ela era como uma punhalada lenta. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu realmente não tivesse me esforçado o suficiente. Pude ver em seus olhos
Lucas Park — Deixe-a ir — disse Ramon, posicionando-se ao meu lado. — Aguentou mais do que eu esperava. Apenas pensar que aquele cara conhecia mais dela do que eu, fez meu sangue ferver. Julgando por seu comentário, ele costumava convidá-la para aquele tipo de festa com frequência, e, graças a Deus, ela não permanecia por muito tempo. Então, ele estava nos observando? Estava cronometrando o tempo em que passávamos juntos? Por quê? Eu não queria pensar nele se aproximando dela de nenhuma forma possível. Como alguém como ele poderia dizer para eu deixá-la ir? Como teve a audácia de me impedir de segui-la? Sem nem mesmo perceber, senti a dor de minhas unhas cravarem na palma das minhas mãos. Definitivamente, não havia me preparado o suficiente para aquele encontro, e ter alguém que passou todos aqueles anos próximo a ela, me dizendo como ela se comportava, me deixou mais irritado do que supus que poderia ficar. Ramon estava testando minha paciência em um nível que ninguém
Gabrielle SOBRE A POSSE ABSOLUTA DO CONGLOMERADO GOLD Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências: 2. A herdeira deverá se relacionar com pessoas de sua própria faixa etária, não ultrapassando a diferença de 3 (três) anos; salvo relacionamentos empresariais. Fui acordada pelos raios do sol clareando meu rosto. Ainda com os olhos fechados, tateei o colchão e não encontrei o que estava procurando. Antes que pudesse chamá-lo, fui invadida pelo cheiro doce de um bolo recém-assado. Pulei rapidamente da cama e corri, cambaleando até a cozinha. Ele estava concentrado, derramando calda de chocolate sobre o bolo quente. Não sei o que me dava mais apetite: o cheiro doce do chocolate — que, embora eu não apreciasse o gosto exageradamente açucarado, trazia lembranças da infância que eu sequer sabia que tinha — ou ver Murilo, vestindo somente uma calça de mol
Gabrielle Nada pude fazer, a não ser sorrir. Apesar de não ser capaz de sondar meus pensamentos, tampouco de presumir minhas ações, sua habilidade de ler minhas expressões mais vazias era realmente louvável. E, de forma alguma, ele se importava com o que descobria ao meu respeito. Éramos compatíveis, afinal. Eu não perguntaria sobre o seu passado, e em troca, ele me daria tudo o que pudesse me oferecer. Jamais recusaria essa oferta. Após tomarmos o café, decidi que estava na hora de darmos início ao que realmente importava. Murilo e eu sabíamos claramente qual era a intenção de Dave: usar Lucas para facilitar as transações empresariais conosco e, consequentemente, roubar o império que meu pai tanto lutou para construir. Uma vez que conhecemos a arma de nosso inimigo, fica mais fácil resistir ao bombardeio. O único problema era que Murilo tinha certeza de que Lucas não fazia parte da quadrilha formada por seu pai, minha mãe e alguns acionistas de filiais. Como eu poderia
Gabrielle Para John, havia alguns atos imperdoáveis, e brincar com os sentimentos das pessoas era um deles. O que ele pensaria de mim, se soubesse que eu estava cogitando iniciar uma relação apenas para apunhalar alguém pelas costas mais tarde? Apesar de ter aprendido a nunca fazer promessas que não tinha a intenção de cumprir, ou simplesmente a nunca ludibriar alguém, descobri, com o passar dos anos, que era absurdamente boa nisso. Jullian me advertiu inúmeras vezes por meu comportamento “confundir” seus estagiários. Não era minha culpa que seus mensageiros se apaixonassem tão facilmente, ou que acreditassem tanto em minha inocência, pois inocente nunca fui, tampouco me preocupava em parecer imaculada. O fato é que perdi a conta de quantos estagiários foram demitidos por minha causa, e não por culpa minha, pois culpa eu não tinha. Claro que não. Tentava justificar meus atos a mim mesma, me perguntando se meu pai entenderia se eu explicasse a ele que, o mundo em que viv