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5. Aquilo que chamam de festa

Lucas Park

     Finalmente, havia chegado o dia. Eu a veria, estaria ao lado dela, e, ao contrário daquela manhã decepcionante, Gabrielle não poderia fugir. Passei horas acordado durante o voo, me preparando, repassando mentalmente tudo o que eu diria a ela quando nos encontrássemos. Ensaiei dezenas de vezes como deveria me apresentar, escolhi cuidadosamente a roupa que iria vestir e calculei o tom exato que deveria usar para não a assustar. E apesar de ter minhas mãos suando e minhas pernas tremulas, eu não poderia permitir que ela percebesse meu nervosismo, pois poderia interpretar de forma errada. De nenhuma forma ela poderia ter a impressão de que eu não queria estar ali, com ela.

     A verdade é que eu sabia que não nos víamos havia cerca de 10 anos, e que não sabia absolutamente nada sobre quem ela havia se tornado. Talvez ela fosse parecida com as outras garotas da sua idade e status, o que me deixaria um pouco decepcionado. As garotas com quem tive contato, daquelas que tinham a mesma idade de Gabrielle, nenhuma delas me despertou interesse, pois eram tão cheias delas mesmas, tão preocupadas com seus próprios umbigos, que sequer sobrou espaço para qualquer outra pessoa. Não que eu quisesse fazer parte da vida de qualquer uma delas, mas pensei que pelo menos, poderia treinar a interação com uma garota. Me detestariam se soubesse que apenas as usei para aprender como me comportar, quando finalmente estivesse diante da única pessoa capaz de me fazer perder o sono?

     Se dependesse apenas de minha vontade, teria retornado a dois anos atrás, mas Dave me convenceu a esperar. Como eu poderia me colocar em sua frente se nem mesmo me lembrava dos anos que passamos juntos? Aquele acidente havia me roubado algumas partes importantes de quem eu era, eu não poderia mostrar a ela a parte que restou, que naquele momento, era a pior. Levei dois intermináveis anos para me formar e estar apto a assumir meu papel ao lugar dela. Esperava que ela não tivesse colocado qualquer usurpador para ocupar o espaço que estava destinado a ser meu.

     Tudo o que eu mais temia era não estar à altura de suas expectativas. Mas olhar para aquela foto que Jullian me enviara alguns meses atrás, em que ela caminhava e sorria para um homem muito mais velho que ela, era o suficiente para me fazer perder a calma. Não pude adiar ainda mais meu retorno, caso contrário poderia encontra-la com um cara que, obviamente não deveria estar perto dela. A primeira atitude que tomaria, seria me livrar dele.

     O que eu diria a ela quando me perguntasse por que nunca atendi suas ligações ou respondi suas mensagens? Meu pai me alertara para não contar nada sobre o motivo do nosso afastamento, mas eu não queria ocultar nem omitir. Se me fosse permitido, teria entrado em contato e pego o primeiro voo naquela mesma manhã em que acordei, imploraria para ela me ajudar a preencher as lacunas que se formaram em minha memória. Ler aquele maldito diário escrito por um garoto de treze anos não tornava mais claro sua lembrança, pelo contrário, aumentava ainda mais minha ânsia por sua presença. E o que eu faria quando ela me questionasse sobre qualquer acontecimento passado? Jamais conseguiria mentir para ela.

     Seu rosto redondo, adornado por cachos volumosos, foi a primeira imagem que surgiu na minha mente quando finalmente abri os olhos naquela cama de hospital. A mera lembrança de seu sorriso despertava uma força interior que eu nem sabia que possuía.

     Nada me abalou mais do que perceber que tinha perdido tanto tempo longe daquela pessoa, que eu nem sequer sabia quem ela havia se tornado. Minha memória não conseguia preencher aquele vazio, mas isso já não importava — logo estaria diante dela novamente. Estava disposto a fazer qualquer coisa para recuperar os anos perdidos.

     Mesmo contra as ordens de meu pai, implorei para que Leslie me deixasse cozinhar em sua imaculada cozinha. Eu a receberia naquela manhã, assim como fazia há dez anos. Dediquei todo o meu esforço e carinho para preparar aqueles biscoitos de aveia e mel que Gabrielle tanto adorava quando criança. Estava exausto por causa da viagem, mas, para mim, todo o esforço valeria a pena. Pelo menos, foi o que pensei. Jamais imaginei que ela reagiria daquela forma.

   Eu ficaria mais do que satisfeito se tivesse sido recebido por agressão física e verbal, ou lágrimas. Até mesmo indiferença seria menos doloroso do que sua fuga. Ela não queria me ver e sua recusa me causou um certo pavor crescente, que precisei repensar em toda a estratégia que havia formulado durante o voo. Eu não mediria esforços para faze-la me aceitar.

     Mas desta vez seria diferente. Jullian havia me garantido que ela não me deixaria atônito, olhando para suas costas enquanto fugia de mim, como fez naquela manhã.

     Quando cheguei àquela velha casa, a festa havia acabado de começar. Não precisei olhar atentamente, pois com uma rápida vasculhada pela sala de entrada, pude perceber que aquele definitivamente não seria meu local favorito. Não sei dizer o que estava mais desconexo naquele ambiente, se era a falta de decoração natalina em uma festa de natal, ou se era a forma como aquelas pessoas se vestiam, sem a menor vergonha de quem estivesse olhando.

Fui surpreendido por gritos e apertos de mãos. Minha chegada à cidade já havia sido notificada a todas as pessoas daquela m*****a cidade construída unicamente para abrigar aquele tipo de pessoa, que se sentem superiores demais para misturar ao restante da população. Definitivamente trabalharia arduamente para tirar Gabrielle de perto daquele tipo de gente, que por um motivo que nunca serei capaz de entender, julgam que seus saldos bancários a tornam mais dignas de qualquer coisa. Nenhum deles sabia como era ganhar dinheiro por seu próprio esforço, viviam as custas de seus pais e duvido que mudaria algum dia.

     Sabia que não me lembraria de nenhum daqueles rostos, então fiz minha lição de casa durante a semana. Decorei cada nome e posição social de cada membro daquele pequeno grupo seleto, do qual eu voltaria a fazer parte. Eu precisaria me esforçar para fazer parte de algo, se quisesse retornar à vida dela.

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