Lucas Park Passei tanto tempo sofrendo — física e psicologicamente — me preparando, me privando de uma vida normal, tudo para estar apto a me colocar novamente diante dela. Em nenhum momento cogitei a possibilidade de que ela me rejeitaria. Mas, talvez, fosse merecido. — Me perdoe por nunca ter retornado suas ligações — comecei, com a voz mais baixa do que pretendia. Era a conversa que eu vinha ensaiando há tanto tempo. — Eu só achei que você ficaria bem sem mim. Você sempre pareceu ficar. Ela forçou um sorriso que não alcançou os olhos. — Estou muito bem, obrigada — respondeu, seca. — Já pode me deixar em paz agora. Cada palavra dela, envolta naquele sorriso falso, fez meu coração se apertar com a culpa. Eu a tinha magoado de formas que nem conseguia medir. E agora, ver o peso que aquilo tudo ainda carregava para ela era como uma punhalada lenta. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu realmente não tivesse me esforçado o suficiente. Pude ver em seus olhos
Lucas Park — Deixe-a ir — disse Ramon, posicionando-se ao meu lado. — Aguentou mais do que eu esperava. Apenas pensar que aquele cara conhecia mais dela do que eu, fez meu sangue ferver. Julgando por seu comentário, ele costumava convidá-la para aquele tipo de festa com frequência, e, graças a Deus, ela não permanecia por muito tempo. Então, ele estava nos observando? Estava cronometrando o tempo em que passávamos juntos? Por quê? Eu não queria pensar nele se aproximando dela de nenhuma forma possível. Como alguém como ele poderia dizer para eu deixá-la ir? Como teve a audácia de me impedir de segui-la? Sem nem mesmo perceber, senti a dor de minhas unhas cravarem na palma das minhas mãos. Definitivamente, não havia me preparado o suficiente para aquele encontro, e ter alguém que passou todos aqueles anos próximo a ela, me dizendo como ela se comportava, me deixou mais irritado do que supus que poderia ficar. Ramon estava testando minha paciência em um nível que ninguém
Gabrielle SOBRE A POSSE ABSOLUTA DO CONGLOMERADO GOLD Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências: 2. A herdeira deverá se relacionar com pessoas de sua própria faixa etária, não ultrapassando a diferença de 3 (três) anos; salvo relacionamentos empresariais. Fui acordada pelos raios do sol clareando meu rosto. Ainda com os olhos fechados, tateei o colchão e não encontrei o que estava procurando. Antes que pudesse chamá-lo, fui invadida pelo cheiro doce de um bolo recém-assado. Pulei rapidamente da cama e corri, cambaleando até a cozinha. Ele estava concentrado, derramando calda de chocolate sobre o bolo quente. Não sei o que me dava mais apetite: o cheiro doce do chocolate — que, embora eu não apreciasse o gosto exageradamente açucarado, trazia lembranças da infância que eu sequer sabia que tinha — ou ver Murilo, vestindo somente uma calça de mol
Gabrielle Nada pude fazer, a não ser sorrir. Apesar de não ser capaz de sondar meus pensamentos, tampouco de presumir minhas ações, sua habilidade de ler minhas expressões mais vazias era realmente louvável. E, de forma alguma, ele se importava com o que descobria ao meu respeito. Éramos compatíveis, afinal. Eu não perguntaria sobre o seu passado, e em troca, ele me daria tudo o que pudesse me oferecer. Jamais recusaria essa oferta. Após tomarmos o café, decidi que estava na hora de darmos início ao que realmente importava. Murilo e eu sabíamos claramente qual era a intenção de Dave: usar Lucas para facilitar as transações empresariais conosco e, consequentemente, roubar o império que meu pai tanto lutou para construir. Uma vez que conhecemos a arma de nosso inimigo, fica mais fácil resistir ao bombardeio. O único problema era que Murilo tinha certeza de que Lucas não fazia parte da quadrilha formada por seu pai, minha mãe e alguns acionistas de filiais. Como eu poderia
Gabrielle Para John, havia alguns atos imperdoáveis, e brincar com os sentimentos das pessoas era um deles. O que ele pensaria de mim, se soubesse que eu estava cogitando iniciar uma relação apenas para apunhalar alguém pelas costas mais tarde? Apesar de ter aprendido a nunca fazer promessas que não tinha a intenção de cumprir, ou simplesmente a nunca ludibriar alguém, descobri, com o passar dos anos, que era absurdamente boa nisso. Jullian me advertiu inúmeras vezes por meu comportamento “confundir” seus estagiários. Não era minha culpa que seus mensageiros se apaixonassem tão facilmente, ou que acreditassem tanto em minha inocência, pois inocente nunca fui, tampouco me preocupava em parecer imaculada. O fato é que perdi a conta de quantos estagiários foram demitidos por minha causa, e não por culpa minha, pois culpa eu não tinha. Claro que não. Tentava justificar meus atos a mim mesma, me perguntando se meu pai entenderia se eu explicasse a ele que, o mundo em que viv
Gabrielle — Tem um carro te esperando na portaria — disse Jullian ao telefone. — Vista-se adequadamente para o trabalho. Jullian não me deu brechas para negociação. Eu não fazia ideia de como ele havia me encontrado, nem de como descobriu que eu fugi da festa. Mas isso não importava, eu estava disposta a cumprir minha palavra, independentemente de tê-lo latindo em meu calcanhar. Embora pudesse facilmente ignorá-lo, o incômodo constante de Jullian me fazia lembrar que, apesar de toda a minha independência, ainda estava presa às expectativas dele. Jullian sempre me censurava pela forma como eu me vestia. Para ele, eu simplesmente ignorava as regras de etiqueta. Já que logo teria um cargo de maior visibilidade, deveria me comportar e me vestir como uma dama da mais alta classe. Usar roupas com brilho e decotes estava fora de cogitação. Tudo o que pude fazer com o closet jovial que Murilo havia preparado para mim, foi vestir um vestido tubinho azul-marinho. Embora fosse um
Gabrielle — Está achando engraçado? — disparei, incrédula. — Acredite, Gabrielle, isso me diverte mais do que você imagina — disse Lucas, com um sorriso tranquilo, como se já tivesse vencido a batalha antes mesmo de começar. — Dada a nossa situação, acho que você deveria se comportar de acordo com o cargo que ocupa. Olhei para Jullian, que, por trás de sua carranca, tentava suportar a vontade de rir. Eles estavam se divertindo à minha custa. Eu poderia culpá-los, mas a verdade é que havia procurado por aquilo, uma vez que o sigilo havia sido ideia minha. Eu não queria que descobrissem quem eu era, porque não desejava tratamento especial. Já havia sido o suficiente crescer escondida das pessoas; foi o suficiente ser tratada como quebrável por todos aqueles que conheciam minha identidade. Eu não desejava que me tratassem com formalidade; eu queria que me respeitassem, independentemente de minha identidade. Ao que parecia, Jullian e Lucas estavam ali para me fazer passar p
Gabrielle Confesso que não fiquei nada feliz com minha posição inicial. Na verdade, estava pronta para jogar tudo para o alto no primeiro desacato que sofresse. Foi simplesmente humilhante vestir aquele uniforme da limpeza e passar o restante do dia sorrindo para todos que entravam no prédio, pisando sem o menor respeito no chão que eu havia limpado. Como era possível que existisse esse tipo de emprego? Como era possível alguém passar seis horas lustrando o chão da entrada? John deveria estar louco quando designou esses serviços. Quando recebi aquele uniforme, realmente pensei que passaria meu dia esvaziando as lixeiras de papel picado dos escritórios. Nunca imaginei que Julls me colocaria numa posição tão inferior. Mas estava disposta a suportar. Enquanto limpava o balcão da recepção, percebi que funcionários em minha posição eram simplesmente ignorados. As pessoas que passavam por ali cumprimentavam Alice, a recepcionista, mas me ignoravam completamente, como se eu fosse i