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4. Eu só queria sair dali

     Eu não suportava mais tanto barulho. Não suportava mais olhar para aquele desconhecido. Mas o que me deixava mais infeliz, era aquele sentimento de posse que senti brotar em mim, assim como quando éramos crianças. Eu poderia detestar todas as pessoas, implicar com cada uma delas e maltratá-las, mas em nenhum momento em toda minha vida, consegui vê-lo da mesma forma que os demais. Lucas sempre foi importante demais para mim, tão precioso quanto meu pai. O destino me tirou os dois, um após o outro, e mesmo que tivesse me devolvido um, ele já não carregava toda a importância e carga emocional de antigamente, e mesmo se o fizesse, eu não era mais capaz de suportar nenhum volume de sentimentos. Me tornei um invólucro raso, incapaz de conter qualquer sentimento por muito tempo, sem deixá-lo escapar pelas paredes rachadas.

     Fiz o que deveria ter feito desde o momento em que cheguei. Me levantei e caminhei pelo gramado, ignorando o chamado de Lucas, que deixei me observando partir. Caminhei até estar bem longe daquela velha casa. Eu não me importava onde iria parar, na verdade, eu não queria parar. Caminhar me faria esquecer tudo o que havia acontecido naquela meia hora que passei ao lado dele. Por que ele havia retornado? Por que ainda estava vivo? Talvez eu devesse tomar as rédeas da situação, e deixar claro que não passávamos de pessoas que se conheceram um dia, afinal, eu não queria ter qualquer contato com ele. Não após ter me ignorado por dez anos.

     Tentei espantar de minha mente quaisquer pensamentos que fizesse crescer aquele desejo de voltar para aquela festa e despejar nele toda a minha raiva, todo aquele sentimento ruim e depreciativo que encubei por todos aqueles anos. Definitivamente não seria uma boa ideia ficar tão próxima a ele, pois seria questão de tempo até que ele percebesse o tipo de pessoa que eu havia me tornado, e quando isso acontecesse, talvez sua ausência fosse justificada.

     Obriguei minhas pernas a acelerarem, até estar correndo desenfreada, em meio a carros que buzinavam quando eu cortava caminho, ignorando completamente as leis de trânsito. Por que raios ele tinha que morar no centro da cidade? Aquele era o local mais movimentado naquela noite, véspera de natal. Todas aquelas pessoas felizes, caminhando como se não tivessem mais nada para fazer.

Murilo era uma pessoa completamente apaixonante, de pele pálida, olhos azuis e cabelo preto feito carvão, parecia um protagonista de série adolescente, exceto pelo fato de ter trinta anos, o que foi uma verdadeira surpresa quando descobri. Essa era a única razão de eu vê-lo escondida de Jullian. Era proibido qualquer relacionamento que ultrapassassem a diferença de três anos em nossa idade, se Jullian descobrisse que tínhamos dez anos de diferença, tudo estaria perdido, afinal, Murilo e eu tínhamos o mesmo objetivo: encontrar uma forma de me libertar das correntes do império Gold.

     Apesar de não ser meu plano original para aquela noite, foi o melhor que conseguir pensar diante dos acontecimentos. Quando toquei sua campainha, mesmo não tendo certeza se havia alguém em casa, ansiei desesperadamente por algum conforto, mesmo que apenas carnal. Ele abriu um sorriso assim que botou os olhos em mim, me abraçando e puxando para dentro de sua cobertura. Murilo havia preenchido o vazio que havia em minha vida, nos encontramos por acaso, logo após a morte de meu pai e agora, ele era meu confidente. Eu realmente não sei o que teria feito se não o encontrasse ali, disposto a suportar meu humor, tanto naquela época quanto nesse dia.

     Mas naquele dia, algo estava errado. Soube no exato momento em que encontrei seu olhar que ele não esperava me encontrar, pelo menos não naquela hora da noite, naquele dia em especial. O abraço de Murilo, normalmente tão reconfortante, parecia vazio, quase forçado. Seus braços me cercavam, mas eu sentia o distanciamento, uma frieza que nunca esteve ali antes. Meu coração disparou, e antes que pudesse perguntar o que estava acontecendo, ele sussurrou, quase sem querer: 'Precisamos conversar.' E naquele instante, soube que nada mais seria como antes.

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