Eu não suportava mais tanto barulho. Não suportava mais olhar para aquele desconhecido. Mas o que me deixava mais infeliz, era aquele sentimento de posse que senti brotar em mim, assim como quando éramos crianças. Eu poderia detestar todas as pessoas, implicar com cada uma delas e maltratá-las, mas em nenhum momento em toda minha vida, consegui vê-lo da mesma forma que os demais. Lucas sempre foi importante demais para mim, tão precioso quanto meu pai. O destino me tirou os dois, um após o outro, e mesmo que tivesse me devolvido um, ele já não carregava toda a importância e carga emocional de antigamente, e mesmo se o fizesse, eu não era mais capaz de suportar nenhum volume de sentimentos. Me tornei um invólucro raso, incapaz de conter qualquer sentimento por muito tempo, sem deixá-lo escapar pelas paredes rachadas.
Fiz o que deveria ter feito desde o momento em que cheguei. Me levantei e caminhei pelo gramado, ignorando o chamado de Lucas, que deixei me observando partir. Caminhei até estar bem longe daquela velha casa. Eu não me importava onde iria parar, na verdade, eu não queria parar. Caminhar me faria esquecer tudo o que havia acontecido naquela meia hora que passei ao lado dele. Por que ele havia retornado? Por que ainda estava vivo? Talvez eu devesse tomar as rédeas da situação, e deixar claro que não passávamos de pessoas que se conheceram um dia, afinal, eu não queria ter qualquer contato com ele. Não após ter me ignorado por dez anos.
Tentei espantar de minha mente quaisquer pensamentos que fizesse crescer aquele desejo de voltar para aquela festa e despejar nele toda a minha raiva, todo aquele sentimento ruim e depreciativo que encubei por todos aqueles anos. Definitivamente não seria uma boa ideia ficar tão próxima a ele, pois seria questão de tempo até que ele percebesse o tipo de pessoa que eu havia me tornado, e quando isso acontecesse, talvez sua ausência fosse justificada.
Obriguei minhas pernas a acelerarem, até estar correndo desenfreada, em meio a carros que buzinavam quando eu cortava caminho, ignorando completamente as leis de trânsito. Por que raios ele tinha que morar no centro da cidade? Aquele era o local mais movimentado naquela noite, véspera de natal. Todas aquelas pessoas felizes, caminhando como se não tivessem mais nada para fazer.
Murilo era uma pessoa completamente apaixonante, de pele pálida, olhos azuis e cabelo preto feito carvão, parecia um protagonista de série adolescente, exceto pelo fato de ter trinta anos, o que foi uma verdadeira surpresa quando descobri. Essa era a única razão de eu vê-lo escondida de Jullian. Era proibido qualquer relacionamento que ultrapassassem a diferença de três anos em nossa idade, se Jullian descobrisse que tínhamos dez anos de diferença, tudo estaria perdido, afinal, Murilo e eu tínhamos o mesmo objetivo: encontrar uma forma de me libertar das correntes do império Gold.
Apesar de não ser meu plano original para aquela noite, foi o melhor que conseguir pensar diante dos acontecimentos. Quando toquei sua campainha, mesmo não tendo certeza se havia alguém em casa, ansiei desesperadamente por algum conforto, mesmo que apenas carnal. Ele abriu um sorriso assim que botou os olhos em mim, me abraçando e puxando para dentro de sua cobertura. Murilo havia preenchido o vazio que havia em minha vida, nos encontramos por acaso, logo após a morte de meu pai e agora, ele era meu confidente. Eu realmente não sei o que teria feito se não o encontrasse ali, disposto a suportar meu humor, tanto naquela época quanto nesse dia.
Mas naquele dia, algo estava errado. Soube no exato momento em que encontrei seu olhar que ele não esperava me encontrar, pelo menos não naquela hora da noite, naquele dia em especial. O abraço de Murilo, normalmente tão reconfortante, parecia vazio, quase forçado. Seus braços me cercavam, mas eu sentia o distanciamento, uma frieza que nunca esteve ali antes. Meu coração disparou, e antes que pudesse perguntar o que estava acontecendo, ele sussurrou, quase sem querer: 'Precisamos conversar.' E naquele instante, soube que nada mais seria como antes.
Lucas Park Finalmente, havia chegado o dia. Eu a veria, estaria ao lado dela, e, ao contrário daquela manhã decepcionante, Gabrielle não poderia fugir. Passei horas acordado durante o voo, me preparando, repassando mentalmente tudo o que eu diria a ela quando nos encontrássemos. Ensaiei dezenas de vezes como deveria me apresentar, escolhi cuidadosamente a roupa que iria vestir e calculei o tom exato que deveria usar para não a assustar. E apesar de ter minhas mãos suando e minhas pernas tremulas, eu não poderia permitir que ela percebesse meu nervosismo, pois poderia interpretar de forma errada. De nenhuma forma ela poderia ter a impressão de que eu não queria estar ali, com ela. A verdade é que eu sabia que não nos víamos havia cerca de 10 anos, e que não sabia absolutamente nada sobre quem ela havia se tornado. Talvez ela fosse parecida com as outras garotas da sua idade e status, o que me deixaria um pouco decepcionado. As garotas com quem tive contato, daquelas que tinha
Lucas Park Tentei controlar a aversão daquelas pessoas, que crescia conforme eu olhava para elas. Sei que é errado julgar sem conhecer, mas era algo que se podia sentir pelo ambiente. Aquela soberba fedia, e me lembrar do dossiê de cada um deles, não me fez gostar mais de nenhuma daquelas cabeças vazias. — Que bom te ver, cara! — disse Ramon Rodriguez, me puxando para um abraço. — Vou te apresentar ao pessoal. Ele era meu colega de turma na época do colégio. Não me lembrava de sua aparência, nem se éramos muito próximos, mas, segundo as anotações de Dave, podíamos ser considerados melhores amigos. Olhando para ele, sorrindo para todas as garotas que passavam por nós, parecia ser mais ignorante do que supus ao ver sua foto. Ramon era mais alto que eu, mais forte e muito barulhento. Vestia uma camisa de linho clara, completamente aberta, exibindo seu corpo musculoso, que fazia questão de mostrar para todos. A primeira impressão não poderia ter sido pior. Para mim, e
Lucas Park Quando abri a porta, uma onda de emoção percorreu cada célula do meu corpo ao vê-la parada ali, pisando em um pequeno gorro de Natal, xingando o objeto com palavras que eu jamais esperaria ouvir da boca dela. Ela estava adorável usando aquele vestido vermelho, que definitivamente foi a primeira menção ao natal que vi desde que cheguei. Embora tivesse a curiosidade de perguntar o que o gorro havia deito de tão grave, para merecer sua ira, eu não queria ser o próximo de sua lista, portanto guardei para mim. Não pude deixar de sorrir com a cena. — Jingle bells, senhorita Gold — disse a ela. Eu estava tão nervoso, e ao mesmo tempo me divertia com a cena à minha frente, que nem pensei antes de dizer aquelas palavras. Quando ela se virou e encontrou meu olhar, foi como se todo o esforço que empenhei durante aqueles anos estivesse sendo recompensado. Em toda a minha vida, nunca estive diante de alguém tão bonita quanto ela. Seu rosto era sereno, impecável, e eu pode
Lucas Park Antes que Gabrielle pudesse levar o copo à boca, o tomei de sua mão. — Eu não faria isso se fosse você — disse a ela, tentando manter a calma. Sua reação foi inesperada. Gabrielle me lançou um olhar de incredulidade e raiva. Raiva? Por eu tentar salvá-la daquele cara nojento? Ela não fazia ideia de quem eram essas pessoas, pelo menos era o que eu esperava. Não podia acreditar que aceitou aquele copo e iria beber sem sequer questionar o que estava dentro. Não se importava com sua própria segurança e integridade? Mas, pelo olhar que me lançou, parecia que eu era o errado ali, e não ela. — Pensando bem, seria interessante vê-la se divertindo — devolvi o copo a ela, com relutância. — Essa é a sua ideia de diversão? — apontou para as pessoas na piscina, com um tom ácido. Ela não podia estar mais equivocada. Não havia nada de divertido naquele cenário, pelo menos não para mim. Eu apenas devolvi o copo para evitar uma discussão que ela claramente esta
Lucas Park Passei tanto tempo sofrendo — física e psicologicamente — me preparando, me privando de uma vida normal, tudo para estar apto a me colocar novamente diante dela. Em nenhum momento cogitei a possibilidade de que ela me rejeitaria. Mas, talvez, fosse merecido. — Me perdoe por nunca ter retornado suas ligações — comecei, com a voz mais baixa do que pretendia. Era a conversa que eu vinha ensaiando há tanto tempo. — Eu só achei que você ficaria bem sem mim. Você sempre pareceu ficar. Ela forçou um sorriso que não alcançou os olhos. — Estou muito bem, obrigada — respondeu, seca. — Já pode me deixar em paz agora. Cada palavra dela, envolta naquele sorriso falso, fez meu coração se apertar com a culpa. Eu a tinha magoado de formas que nem conseguia medir. E agora, ver o peso que aquilo tudo ainda carregava para ela era como uma punhalada lenta. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu realmente não tivesse me esforçado o suficiente. Pude ver em seus olhos
Lucas Park — Deixe-a ir — disse Ramon, posicionando-se ao meu lado. — Aguentou mais do que eu esperava. Apenas pensar que aquele cara conhecia mais dela do que eu, fez meu sangue ferver. Julgando por seu comentário, ele costumava convidá-la para aquele tipo de festa com frequência, e, graças a Deus, ela não permanecia por muito tempo. Então, ele estava nos observando? Estava cronometrando o tempo em que passávamos juntos? Por quê? Eu não queria pensar nele se aproximando dela de nenhuma forma possível. Como alguém como ele poderia dizer para eu deixá-la ir? Como teve a audácia de me impedir de segui-la? Sem nem mesmo perceber, senti a dor de minhas unhas cravarem na palma das minhas mãos. Definitivamente, não havia me preparado o suficiente para aquele encontro, e ter alguém que passou todos aqueles anos próximo a ela, me dizendo como ela se comportava, me deixou mais irritado do que supus que poderia ficar. Ramon estava testando minha paciência em um nível que ninguém
Gabrielle SOBRE A POSSE ABSOLUTA DO CONGLOMERADO GOLD Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências: 2. A herdeira deverá se relacionar com pessoas de sua própria faixa etária, não ultrapassando a diferença de 3 (três) anos; salvo relacionamentos empresariais. Fui acordada pelos raios do sol clareando meu rosto. Ainda com os olhos fechados, tateei o colchão e não encontrei o que estava procurando. Antes que pudesse chamá-lo, fui invadida pelo cheiro doce de um bolo recém-assado. Pulei rapidamente da cama e corri, cambaleando até a cozinha. Ele estava concentrado, derramando calda de chocolate sobre o bolo quente. Não sei o que me dava mais apetite: o cheiro doce do chocolate — que, embora eu não apreciasse o gosto exageradamente açucarado, trazia lembranças da infância que eu sequer sabia que tinha — ou ver Murilo, vestindo somente uma calça de mol
Gabrielle Nada pude fazer, a não ser sorrir. Apesar de não ser capaz de sondar meus pensamentos, tampouco de presumir minhas ações, sua habilidade de ler minhas expressões mais vazias era realmente louvável. E, de forma alguma, ele se importava com o que descobria ao meu respeito. Éramos compatíveis, afinal. Eu não perguntaria sobre o seu passado, e em troca, ele me daria tudo o que pudesse me oferecer. Jamais recusaria essa oferta. Após tomarmos o café, decidi que estava na hora de darmos início ao que realmente importava. Murilo e eu sabíamos claramente qual era a intenção de Dave: usar Lucas para facilitar as transações empresariais conosco e, consequentemente, roubar o império que meu pai tanto lutou para construir. Uma vez que conhecemos a arma de nosso inimigo, fica mais fácil resistir ao bombardeio. O único problema era que Murilo tinha certeza de que Lucas não fazia parte da quadrilha formada por seu pai, minha mãe e alguns acionistas de filiais. Como eu poderia