3. Primeiro contato

— Dave me pediu para cuidar de você — confessou

     Havíamos passado tanto tempo juntos no passado, que algumas perguntas não precisavam serem feitas. Dave era pai de Lucas, também era melhor amigo e sócio de meu pai, por esse motivo, passamos nossa infância inteira juntos. A mãe de Lucas havia morrido ao dar à luz, então eu emprestei a minha, simples assim. Crianças são tão ingênuas.

     — Como tem passado Gabrielle? — iniciou ele — Você esteve fugindo de mim desde que retornei.

     — Não sou uma pessoa nostálgica — confessei — Sinto muito se não te ofereci a recepção que gostaria.

Ele sorriu. Não um sorriso de deboche. Ele realmente sorriu. Um sorriso envergonhado, quase escondido, que ao que parecia, eu não deveria ter notado. Ainda havia covas em suas bochechas, assim como quando éramos crianças. Olhar para ele sorrindo fez surgir um mix de emoções que eu nem sabia que era possível para alguém como eu. Senti falta daqueles dias em que passamos horas brincando e conversando em meu jardim, de quando dormíamos durante um filme, de quando ele contava piadas sem graça e eu me obrigava a rir, apenas para vê-lo rir de volta e assim poder ver aquelas covas. Ao mesmo tempo, senti meu rosto queimar e minhas mãos de fecharem apertas, precisando respirar fundo para não perder o controle e socar sua cara, como estava desejando desde a m*****a hora que ele abria aquela porta.

     Ele parecia ter lembrado de alguma coisa, ou talvez só tenha sentido o mesmo que eu, o que o fez fechar a cara em uma carranca. Pelo menos seu humor não havia mudado depois de tanto tempo. Continuava me deixando confusa com suas reações.

     Lucas sempre foi dono de um humor ácido, que por vezes me constrangia. Senti falta de alguém me tratar como uma garota qualquer depois de sua partida, afinal, ele era meu único amigo de infância. Por conta da situação financeira de meu pai, ele optou por me esconder do mundo, sendo assim, não frequentei jardim de infância, pois ele acreditava que eu não conseguiria manter a verdade longe das outras pessoas, pelo menos não até eu ter idade o suficiente para entender a minha posição. A verdade é que nunca tive um temperamento bom, nem mesmo quando criança, sempre fui malvada, mal humorada e organizada demais para minha idade, o que desagradava as outras crianças com quem pudesse me relacionar. O problema maior é que nunca me interessei por pessoas. Pessoas me deixavam entediadas. Exceto Lucas.

     Quando criança, ele costumava ser gordinho, baixinho e assimétrico. Seu cabelo era cortado estilo militar, o que parecia muito radical para uma criança; seus olhos eram grandes e redondos, assim como seu rosto. Todos os dias aparecia em minha casa, na hora do café da manhã, sempre me levando biscoitos caseiros, que era a única coisa que ele conseguia fazer sozinho e corretamente. Usava um gorro caído, igual ao do Wally, e sempre usava um anel com um pequeno brilhante, em seu dedão esquerdo. Ele e seu pai precisaram voltar para a Coreia, após a morte de seu avô, para cuidar de alguns problemas na empresa da família. Eu tinha dez anos quando nos vimos pela última vez.

     Uma semana atrás, ele simplesmente retornou, e como se nada tivesse acontecido, apareceu em minha casa, levando biscoitos caseiros, na hora do café da manhã. O choque foi tanto, que ao vê-lo entrando na cozinha acompanhado por minha mãe, simplesmente me levantei da mesa e deixei aquela casa, levando comigo somente a roupa do corpo. A verdade é que estava tão ressentida com ele, que sequer suportei estar em sua presença. Em todos aqueles anos, ele nunca me escreveu, nunca respondeu meus emails, sequer atendeu minhas ligações. Para mim, aquela pessoa havia morrido.

     — Me perdoe, por nunca retornar suas ligações — disse ele, como em resposta aos meus pensamentos — Eu só achei que ficaria bem sem mim. Você sempre ficou.

     — Estou muito bem, obrigada — sorri forçadamente — Já pode me deixar em paz agora.

     — É tão difícil assim olhar para mim? — perguntou calmamente — Ou será que minha pronúncia não está sendo clara o suficiente para te manter interessada?

     — Sim, é difícil olhar para você — confessei rispidamente — Assim como é difícil ouvir seu sotaque sem sentir repulsa.

     A verdade não era essa, eu sabia perfeitamente que sua voz e sotaque eram encantadores, assim como sabia, que o fato de me sentir incomodada com sua presença, seja por sua aparência ridiculamente convidativa, pois conhecia o suficiente de mim para saber que, se ele continuasse com suas investidas, independente do rancor que eu pudesse sentir contra sua pessoa, seu corpo compensaria e expulsaria quaisquer pensamentos que não tivesse como foco o tato. Ou talvez, meu ressentimento fosse forte o suficiente para perdurar pelo resto de nossas vidas, mesmo se ele implorasse miseravelmente. Seria muito difícil conviver com aquela pessoa, se pelo menos ele se mantivesse calado, eu teria alguma chance.

     — Por que foi até minha casa? — Eu queria uma resposta sincera, a qual eu sabia que teria.

     — Eu te devo uma explicação, e fui até lá para dá-la a você e a sua família. ― respondeu ele, calmamente, olhando em meus olhos.

     — Você não estava lá quando eu precisei de você — confessei — Explicação nenhuma me fará mudar de opinião.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo