— Dave me pediu para cuidar de você — confessou
Havíamos passado tanto tempo juntos no passado, que algumas perguntas não precisavam serem feitas. Dave era pai de Lucas, também era melhor amigo e sócio de meu pai, por esse motivo, passamos nossa infância inteira juntos. A mãe de Lucas havia morrido ao dar à luz, então eu emprestei a minha, simples assim. Crianças são tão ingênuas.
— Como tem passado Gabrielle? — iniciou ele — Você esteve fugindo de mim desde que retornei.
— Não sou uma pessoa nostálgica — confessei — Sinto muito se não te ofereci a recepção que gostaria.
Ele sorriu. Não um sorriso de deboche. Ele realmente sorriu. Um sorriso envergonhado, quase escondido, que ao que parecia, eu não deveria ter notado. Ainda havia covas em suas bochechas, assim como quando éramos crianças. Olhar para ele sorrindo fez surgir um mix de emoções que eu nem sabia que era possível para alguém como eu. Senti falta daqueles dias em que passamos horas brincando e conversando em meu jardim, de quando dormíamos durante um filme, de quando ele contava piadas sem graça e eu me obrigava a rir, apenas para vê-lo rir de volta e assim poder ver aquelas covas. Ao mesmo tempo, senti meu rosto queimar e minhas mãos de fecharem apertas, precisando respirar fundo para não perder o controle e socar sua cara, como estava desejando desde a m*****a hora que ele abria aquela porta.
Ele parecia ter lembrado de alguma coisa, ou talvez só tenha sentido o mesmo que eu, o que o fez fechar a cara em uma carranca. Pelo menos seu humor não havia mudado depois de tanto tempo. Continuava me deixando confusa com suas reações.
Lucas sempre foi dono de um humor ácido, que por vezes me constrangia. Senti falta de alguém me tratar como uma garota qualquer depois de sua partida, afinal, ele era meu único amigo de infância. Por conta da situação financeira de meu pai, ele optou por me esconder do mundo, sendo assim, não frequentei jardim de infância, pois ele acreditava que eu não conseguiria manter a verdade longe das outras pessoas, pelo menos não até eu ter idade o suficiente para entender a minha posição. A verdade é que nunca tive um temperamento bom, nem mesmo quando criança, sempre fui malvada, mal humorada e organizada demais para minha idade, o que desagradava as outras crianças com quem pudesse me relacionar. O problema maior é que nunca me interessei por pessoas. Pessoas me deixavam entediadas. Exceto Lucas.
Quando criança, ele costumava ser gordinho, baixinho e assimétrico. Seu cabelo era cortado estilo militar, o que parecia muito radical para uma criança; seus olhos eram grandes e redondos, assim como seu rosto. Todos os dias aparecia em minha casa, na hora do café da manhã, sempre me levando biscoitos caseiros, que era a única coisa que ele conseguia fazer sozinho e corretamente. Usava um gorro caído, igual ao do Wally, e sempre usava um anel com um pequeno brilhante, em seu dedão esquerdo. Ele e seu pai precisaram voltar para a Coreia, após a morte de seu avô, para cuidar de alguns problemas na empresa da família. Eu tinha dez anos quando nos vimos pela última vez.
Uma semana atrás, ele simplesmente retornou, e como se nada tivesse acontecido, apareceu em minha casa, levando biscoitos caseiros, na hora do café da manhã. O choque foi tanto, que ao vê-lo entrando na cozinha acompanhado por minha mãe, simplesmente me levantei da mesa e deixei aquela casa, levando comigo somente a roupa do corpo. A verdade é que estava tão ressentida com ele, que sequer suportei estar em sua presença. Em todos aqueles anos, ele nunca me escreveu, nunca respondeu meus emails, sequer atendeu minhas ligações. Para mim, aquela pessoa havia morrido.
— Me perdoe, por nunca retornar suas ligações — disse ele, como em resposta aos meus pensamentos — Eu só achei que ficaria bem sem mim. Você sempre ficou.
— Estou muito bem, obrigada — sorri forçadamente — Já pode me deixar em paz agora.
— É tão difícil assim olhar para mim? — perguntou calmamente — Ou será que minha pronúncia não está sendo clara o suficiente para te manter interessada?
— Sim, é difícil olhar para você — confessei rispidamente — Assim como é difícil ouvir seu sotaque sem sentir repulsa.
A verdade não era essa, eu sabia perfeitamente que sua voz e sotaque eram encantadores, assim como sabia, que o fato de me sentir incomodada com sua presença, seja por sua aparência ridiculamente convidativa, pois conhecia o suficiente de mim para saber que, se ele continuasse com suas investidas, independente do rancor que eu pudesse sentir contra sua pessoa, seu corpo compensaria e expulsaria quaisquer pensamentos que não tivesse como foco o tato. Ou talvez, meu ressentimento fosse forte o suficiente para perdurar pelo resto de nossas vidas, mesmo se ele implorasse miseravelmente. Seria muito difícil conviver com aquela pessoa, se pelo menos ele se mantivesse calado, eu teria alguma chance.
— Por que foi até minha casa? — Eu queria uma resposta sincera, a qual eu sabia que teria.
— Eu te devo uma explicação, e fui até lá para dá-la a você e a sua família. ― respondeu ele, calmamente, olhando em meus olhos.
— Você não estava lá quando eu precisei de você — confessei — Explicação nenhuma me fará mudar de opinião.
Eu não suportava mais tanto barulho. Não suportava mais olhar para aquele desconhecido. Mas o que me deixava mais infeliz, era aquele sentimento de posse que senti brotar em mim, assim como quando éramos crianças. Eu poderia detestar todas as pessoas, implicar com cada uma delas e maltratá-las, mas em nenhum momento em toda minha vida, consegui vê-lo da mesma forma que os demais. Lucas sempre foi importante demais para mim, tão precioso quanto meu pai. O destino me tirou os dois, um após o outro, e mesmo que tivesse me devolvido um, ele já não carregava toda a importância e carga emocional de antigamente, e mesmo se o fizesse, eu não era mais capaz de suportar nenhum volume de sentimentos. Me tornei um invólucro raso, incapaz de conter qualquer sentimento por muito tempo, sem deixá-lo escapar pelas paredes rachadas. Fiz o que deveria ter feito desde o momento em que cheguei. Me levantei e caminhei pelo gramado, ignorando o chamado de Lucas, que deixei me observando partir. C
Lucas Park Finalmente, havia chegado o dia. Eu a veria, estaria ao lado dela, e, ao contrário daquela manhã decepcionante, Gabrielle não poderia fugir. Passei horas acordado durante o voo, me preparando, repassando mentalmente tudo o que eu diria a ela quando nos encontrássemos. Ensaiei dezenas de vezes como deveria me apresentar, escolhi cuidadosamente a roupa que iria vestir e calculei o tom exato que deveria usar para não a assustar. E apesar de ter minhas mãos suando e minhas pernas tremulas, eu não poderia permitir que ela percebesse meu nervosismo, pois poderia interpretar de forma errada. De nenhuma forma ela poderia ter a impressão de que eu não queria estar ali, com ela. A verdade é que eu sabia que não nos víamos havia cerca de 10 anos, e que não sabia absolutamente nada sobre quem ela havia se tornado. Talvez ela fosse parecida com as outras garotas da sua idade e status, o que me deixaria um pouco decepcionado. As garotas com quem tive contato, daquelas que tinha
Lucas Park Tentei controlar a aversão daquelas pessoas, que crescia conforme eu olhava para elas. Sei que é errado julgar sem conhecer, mas era algo que se podia sentir pelo ambiente. Aquela soberba fedia, e me lembrar do dossiê de cada um deles, não me fez gostar mais de nenhuma daquelas cabeças vazias. — Que bom te ver, cara! — disse Ramon Rodriguez, me puxando para um abraço. — Vou te apresentar ao pessoal. Ele era meu colega de turma na época do colégio. Não me lembrava de sua aparência, nem se éramos muito próximos, mas, segundo as anotações de Dave, podíamos ser considerados melhores amigos. Olhando para ele, sorrindo para todas as garotas que passavam por nós, parecia ser mais ignorante do que supus ao ver sua foto. Ramon era mais alto que eu, mais forte e muito barulhento. Vestia uma camisa de linho clara, completamente aberta, exibindo seu corpo musculoso, que fazia questão de mostrar para todos. A primeira impressão não poderia ter sido pior. Para mim, e
Lucas Park Quando abri a porta, uma onda de emoção percorreu cada célula do meu corpo ao vê-la parada ali, pisando em um pequeno gorro de Natal, xingando o objeto com palavras que eu jamais esperaria ouvir da boca dela. Ela estava adorável usando aquele vestido vermelho, que definitivamente foi a primeira menção ao natal que vi desde que cheguei. Embora tivesse a curiosidade de perguntar o que o gorro havia deito de tão grave, para merecer sua ira, eu não queria ser o próximo de sua lista, portanto guardei para mim. Não pude deixar de sorrir com a cena. — Jingle bells, senhorita Gold — disse a ela. Eu estava tão nervoso, e ao mesmo tempo me divertia com a cena à minha frente, que nem pensei antes de dizer aquelas palavras. Quando ela se virou e encontrou meu olhar, foi como se todo o esforço que empenhei durante aqueles anos estivesse sendo recompensado. Em toda a minha vida, nunca estive diante de alguém tão bonita quanto ela. Seu rosto era sereno, impecável, e eu pode
Lucas Park Antes que Gabrielle pudesse levar o copo à boca, o tomei de sua mão. — Eu não faria isso se fosse você — disse a ela, tentando manter a calma. Sua reação foi inesperada. Gabrielle me lançou um olhar de incredulidade e raiva. Raiva? Por eu tentar salvá-la daquele cara nojento? Ela não fazia ideia de quem eram essas pessoas, pelo menos era o que eu esperava. Não podia acreditar que aceitou aquele copo e iria beber sem sequer questionar o que estava dentro. Não se importava com sua própria segurança e integridade? Mas, pelo olhar que me lançou, parecia que eu era o errado ali, e não ela. — Pensando bem, seria interessante vê-la se divertindo — devolvi o copo a ela, com relutância. — Essa é a sua ideia de diversão? — apontou para as pessoas na piscina, com um tom ácido. Ela não podia estar mais equivocada. Não havia nada de divertido naquele cenário, pelo menos não para mim. Eu apenas devolvi o copo para evitar uma discussão que ela claramente esta
Lucas Park Passei tanto tempo sofrendo — física e psicologicamente — me preparando, me privando de uma vida normal, tudo para estar apto a me colocar novamente diante dela. Em nenhum momento cogitei a possibilidade de que ela me rejeitaria. Mas, talvez, fosse merecido. — Me perdoe por nunca ter retornado suas ligações — comecei, com a voz mais baixa do que pretendia. Era a conversa que eu vinha ensaiando há tanto tempo. — Eu só achei que você ficaria bem sem mim. Você sempre pareceu ficar. Ela forçou um sorriso que não alcançou os olhos. — Estou muito bem, obrigada — respondeu, seca. — Já pode me deixar em paz agora. Cada palavra dela, envolta naquele sorriso falso, fez meu coração se apertar com a culpa. Eu a tinha magoado de formas que nem conseguia medir. E agora, ver o peso que aquilo tudo ainda carregava para ela era como uma punhalada lenta. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu realmente não tivesse me esforçado o suficiente. Pude ver em seus olhos
Lucas Park — Deixe-a ir — disse Ramon, posicionando-se ao meu lado. — Aguentou mais do que eu esperava. Apenas pensar que aquele cara conhecia mais dela do que eu, fez meu sangue ferver. Julgando por seu comentário, ele costumava convidá-la para aquele tipo de festa com frequência, e, graças a Deus, ela não permanecia por muito tempo. Então, ele estava nos observando? Estava cronometrando o tempo em que passávamos juntos? Por quê? Eu não queria pensar nele se aproximando dela de nenhuma forma possível. Como alguém como ele poderia dizer para eu deixá-la ir? Como teve a audácia de me impedir de segui-la? Sem nem mesmo perceber, senti a dor de minhas unhas cravarem na palma das minhas mãos. Definitivamente, não havia me preparado o suficiente para aquele encontro, e ter alguém que passou todos aqueles anos próximo a ela, me dizendo como ela se comportava, me deixou mais irritado do que supus que poderia ficar. Ramon estava testando minha paciência em um nível que ninguém
Gabrielle SOBRE A POSSE ABSOLUTA DO CONGLOMERADO GOLD Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências: 2. A herdeira deverá se relacionar com pessoas de sua própria faixa etária, não ultrapassando a diferença de 3 (três) anos; salvo relacionamentos empresariais. Fui acordada pelos raios do sol clareando meu rosto. Ainda com os olhos fechados, tateei o colchão e não encontrei o que estava procurando. Antes que pudesse chamá-lo, fui invadida pelo cheiro doce de um bolo recém-assado. Pulei rapidamente da cama e corri, cambaleando até a cozinha. Ele estava concentrado, derramando calda de chocolate sobre o bolo quente. Não sei o que me dava mais apetite: o cheiro doce do chocolate — que, embora eu não apreciasse o gosto exageradamente açucarado, trazia lembranças da infância que eu sequer sabia que tinha — ou ver Murilo, vestindo somente uma calça de mol