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6. Ela finalmente chegou

Lucas Park

      Tentei controlar a aversão daquelas pessoas, que crescia conforme eu olhava para elas. Sei que é errado julgar sem conhecer, mas era algo que se podia sentir pelo ambiente. Aquela soberba fedia, e me lembrar do dossiê de cada um deles, não me fez gostar mais de nenhuma daquelas cabeças vazias.

     — Que bom te ver, cara! — disse Ramon Rodriguez, me puxando para um abraço. — Vou te apresentar ao pessoal.

     Ele era meu colega de turma na época do colégio. Não me lembrava de sua aparência, nem se éramos muito próximos, mas, segundo as anotações de Dave, podíamos ser considerados melhores amigos.

     Olhando para ele, sorrindo para todas as garotas que passavam por nós, parecia ser mais ignorante do que supus ao ver sua foto. Ramon era mais alto que eu, mais forte e muito barulhento. Vestia uma camisa de linho clara, completamente aberta, exibindo seu corpo musculoso, que fazia questão de mostrar para todos. A primeira impressão não poderia ter sido pior. Para mim, ele era apenas uma pilha de músculos e soberba. Esperava que Gabrielle não se relacionasse com esse tipo de pessoa.

     Enquanto ele me conduzia pelo restante da casa, fui obrigado a apertar a mão de cada pessoa que cruzava nosso caminho. Todos gritavam mais alto que a música e riam, contando alguma história engraçada que, supostamente, vivemos juntos. Apenas me forcei a rir com eles, fingindo que me lembrava de tudo.

     — Qual é desse sotaque, irmão? — perguntou Ramon, rindo. — Vai me fazer perder algumas gatinhas.

     — Muito tempo fora de casa — respondi, constrangido.

     A verdade é que eu nem havia percebido meu sotaque até desembarcar do avião. Leslie levou um susto quando a cumprimentei, assim como todas as outras pessoas com quem conversei. Me perguntei por que meu pai nunca mencionou nada. Se soubesse, teria contratado um especialista para me ajudar a amenizá-lo. Eu não queria que Gabrielle se sentisse estranha conversando comigo, da mesma forma que me sentia conversando com essas pessoas.

     Não estava à vontade, era notável a quilômetros de distância, talvez por esse motivo Ramon se empenhou tanto ao me apresentar para cada uma daquelas pessoas que passavam por nós. Diferente do esperado, apenas aumentava meu desconforto, criando ainda mais aquela sensação de não pertencimento. Eu não fazia parte daquele grupo e também não estava interessado em aderir sua cultura libertina. O que eu faria se ela fosse mais parecida com eles do que comigo?

     Ramon me levou para a área da piscina, e o que vi estava muito longe do que imaginei. Na minha cabeça, teríamos uma longa mesa, coberta pelos mais variados pratos típicos, onde todos se sentariam ao redor para comer, conversar e, quem sabe, dançar ou jogar algo divertido depois. Ao invés disso, me deparo com um ensaio de depravação e decadência intelectual. Não sei dizer o que estava visivelmente mais desconcertante, se eram as pessoas beijando umas as outras, independente do sexo, ou se era aquele barulho horrível que chamavam de música. Isso sem mencionar o teor alcoólico que corria em suas correntes sanguíneas. Dave estava certo quando disse que minha visão do que as pessoas ao meu redor faziam estava desatualizada. Nem todos tinham um espírito tão tranquilo quanto o meu.

     Aquelas pessoas estavam dançando, pulando, se esfregando umas nas outras. Bebiam aqueles líquidos coloridos e vibrantes como se fossem água, misturando tudo o que viam pela frente. Se beijavam e se apalpavam sem o menor pudor ou nojo. Eu não queria estar no meio de gente assim, que não se importava com exclusividade. Mas e se Gabrielle fizesse parte disso? O que eu faria se tivesse chegado e a encontrado ali, em meio aquela cena vergonhosa, nos braços de um cara qualquer, tendo sua língua dentro da boca dela? Senti meu maxilar enrijecer com meu trincar de dentes involuntário, assim como palma de minha mão doer, com a força que a mantinha fechada.

     Vasculhei o local com mais atenção. Era um lugar muito bonito. A piscina era grande o suficiente para acomodar todas aquelas pessoas, que pareciam não passar de cinquenta. O piso amadeirado era seguro, mesmo com todos molhados e embriagados. Aquele cheiro de álcool, suor e cigarro fez me estomago revirar. Era dessa forma que aquela geração se divertia? Qual era o problema daqueles jovens? Nunca em minha vida vi tantas almas perdidas em gula e luxuria.

     Em uma pequena mesa de canto, havia garrafas de whisky, vodka e energético, além de tubos de ensaio contendo substâncias duvidosas e um pequeno balde de vidro com dezenas de microcápsulas. Ver tudo aquilo acendeu um alerta na minha mente. Eu não permitiria, de forma alguma, que Gabrielle se misturasse com aquele tipo de gente sem a menor decência.

     — Aquilo é cocaína? — perguntei a Ramon, que me olhava divertido.

     — Claro que não, é só açúcar — mentiu descaradamente, rindo.

Havia algo muito errado com aquelas pessoas. Que ele estava chapado, eu percebi desde o momento em que abriu a porta e me abraçou, mas jamais imaginei que jovens da alta sociedade bebessem, transassem e se drogassem a céu aberto, como se fosse parte do cotidiano. Saber que ela pertencia a esse grupo de jovens foi o maior choque de realidade que tive desde que retornei a essa m*****a cidade. O que John diria se a visse naquela festa? Como Leslie permitiu que ela se misturasse nesse círculo de perdição? Como Jullian pôde incentivar sua participação? Senti o sangue subir de raiva só de pensar com que tipo de gente Gabrielle estava se relacionando durante os anos em que estive ausente.

     — Relaxa um pouco, Sr. Park — disse uma garota muito bonita, me entregando um copo. — Ninguém vai te morder, a menos que você queira.

     Ela era, de fato, muito bonita. Seus cabelos loiros caíam molhados, escorrendo pelo rosto e pelos ombros. Seus olhos eram de um verde tranquilo, como quem acaba de acordar. Seus lábios estavam levemente borrados por um batom quase apagado. Meus olhos se demoraram um pouco neles, especialmente quando ela mordia delicadamente o lábio inferior. Aquela garota estava claramente se insinuando para mim. Talvez tenha sido essa a razão de Ramon tê-la apresentado. Ela continha o tipo de beleza padronizada, daquela que se espera encontrar em uma capa de revista de moda, daquela que nenhum homem em completa masculinidade cogitaria recusar.  Mas como já mencionei, não tenho nenhum interesse em qualquer pessoa que não seja aquela por quem atravessei o mundo.

     Me perdi por alguns minutos observando aquela garota. Por aquele curto período de tempo, talvez tenha conseguido compreender e quebrar, pelo menos um, de meus pré-conceitos formulados daquelas pessoas. Aquele tipo de beleza, fácil e acessível, era uma das razões de ter tantas pessoas naquela festa. Apenas queriam se divertir. Meu devaneio foi interrompido quando vi um táxi se aproximando da porta de entrada.

     Rapidamente entendi de quem se tratava. Só ela chegaria em um táxi, mesmo tendo sua própria coleção de carros. Ignorei as palavras de Rebecca atrás de mim e deixei-a com Ramon enquanto corria em direção à porta da frente. Passei desconfortavelmente pelas pessoas que, sem perceber, insistiam em bloquear meu caminho, me oferecendo seus copos e corpos. Não queria parecer rude com nenhuma delas, mas as ignorei e continuei meu caminho. Eu precisava ser o primeiro a encontrá-la, ou alguém poderia arrastá-la para o meio daquela loucura.

     O momento havia chegado. Eu a veria, e nada poderia impedir isso. Respirei profundamente antes de abrir a porta; não queria parecer nervoso, mas senti minhas mãos suarem e minhas pernas tremerem. Respirei fundo e tentei conter o medo crescente. O que eu faria se ela me rejeitasse novamente?

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