Lucas Park
Tentei controlar a aversão daquelas pessoas, que crescia conforme eu olhava para elas. Sei que é errado julgar sem conhecer, mas era algo que se podia sentir pelo ambiente. Aquela soberba fedia, e me lembrar do dossiê de cada um deles, não me fez gostar mais de nenhuma daquelas cabeças vazias.
— Que bom te ver, cara! — disse Ramon Rodriguez, me puxando para um abraço. — Vou te apresentar ao pessoal.
Ele era meu colega de turma na época do colégio. Não me lembrava de sua aparência, nem se éramos muito próximos, mas, segundo as anotações de Dave, podíamos ser considerados melhores amigos.
Olhando para ele, sorrindo para todas as garotas que passavam por nós, parecia ser mais ignorante do que supus ao ver sua foto. Ramon era mais alto que eu, mais forte e muito barulhento. Vestia uma camisa de linho clara, completamente aberta, exibindo seu corpo musculoso, que fazia questão de mostrar para todos. A primeira impressão não poderia ter sido pior. Para mim, ele era apenas uma pilha de músculos e soberba. Esperava que Gabrielle não se relacionasse com esse tipo de pessoa.
Enquanto ele me conduzia pelo restante da casa, fui obrigado a apertar a mão de cada pessoa que cruzava nosso caminho. Todos gritavam mais alto que a música e riam, contando alguma história engraçada que, supostamente, vivemos juntos. Apenas me forcei a rir com eles, fingindo que me lembrava de tudo.
— Qual é desse sotaque, irmão? — perguntou Ramon, rindo. — Vai me fazer perder algumas gatinhas.
— Muito tempo fora de casa — respondi, constrangido.
A verdade é que eu nem havia percebido meu sotaque até desembarcar do avião. Leslie levou um susto quando a cumprimentei, assim como todas as outras pessoas com quem conversei. Me perguntei por que meu pai nunca mencionou nada. Se soubesse, teria contratado um especialista para me ajudar a amenizá-lo. Eu não queria que Gabrielle se sentisse estranha conversando comigo, da mesma forma que me sentia conversando com essas pessoas.
Não estava à vontade, era notável a quilômetros de distância, talvez por esse motivo Ramon se empenhou tanto ao me apresentar para cada uma daquelas pessoas que passavam por nós. Diferente do esperado, apenas aumentava meu desconforto, criando ainda mais aquela sensação de não pertencimento. Eu não fazia parte daquele grupo e também não estava interessado em aderir sua cultura libertina. O que eu faria se ela fosse mais parecida com eles do que comigo?
Ramon me levou para a área da piscina, e o que vi estava muito longe do que imaginei. Na minha cabeça, teríamos uma longa mesa, coberta pelos mais variados pratos típicos, onde todos se sentariam ao redor para comer, conversar e, quem sabe, dançar ou jogar algo divertido depois. Ao invés disso, me deparo com um ensaio de depravação e decadência intelectual. Não sei dizer o que estava visivelmente mais desconcertante, se eram as pessoas beijando umas as outras, independente do sexo, ou se era aquele barulho horrível que chamavam de música. Isso sem mencionar o teor alcoólico que corria em suas correntes sanguíneas. Dave estava certo quando disse que minha visão do que as pessoas ao meu redor faziam estava desatualizada. Nem todos tinham um espírito tão tranquilo quanto o meu.
Aquelas pessoas estavam dançando, pulando, se esfregando umas nas outras. Bebiam aqueles líquidos coloridos e vibrantes como se fossem água, misturando tudo o que viam pela frente. Se beijavam e se apalpavam sem o menor pudor ou nojo. Eu não queria estar no meio de gente assim, que não se importava com exclusividade. Mas e se Gabrielle fizesse parte disso? O que eu faria se tivesse chegado e a encontrado ali, em meio aquela cena vergonhosa, nos braços de um cara qualquer, tendo sua língua dentro da boca dela? Senti meu maxilar enrijecer com meu trincar de dentes involuntário, assim como palma de minha mão doer, com a força que a mantinha fechada.
Vasculhei o local com mais atenção. Era um lugar muito bonito. A piscina era grande o suficiente para acomodar todas aquelas pessoas, que pareciam não passar de cinquenta. O piso amadeirado era seguro, mesmo com todos molhados e embriagados. Aquele cheiro de álcool, suor e cigarro fez me estomago revirar. Era dessa forma que aquela geração se divertia? Qual era o problema daqueles jovens? Nunca em minha vida vi tantas almas perdidas em gula e luxuria.
Em uma pequena mesa de canto, havia garrafas de whisky, vodka e energético, além de tubos de ensaio contendo substâncias duvidosas e um pequeno balde de vidro com dezenas de microcápsulas. Ver tudo aquilo acendeu um alerta na minha mente. Eu não permitiria, de forma alguma, que Gabrielle se misturasse com aquele tipo de gente sem a menor decência.
— Aquilo é cocaína? — perguntei a Ramon, que me olhava divertido.
— Claro que não, é só açúcar — mentiu descaradamente, rindo.
Havia algo muito errado com aquelas pessoas. Que ele estava chapado, eu percebi desde o momento em que abriu a porta e me abraçou, mas jamais imaginei que jovens da alta sociedade bebessem, transassem e se drogassem a céu aberto, como se fosse parte do cotidiano. Saber que ela pertencia a esse grupo de jovens foi o maior choque de realidade que tive desde que retornei a essa m*****a cidade. O que John diria se a visse naquela festa? Como Leslie permitiu que ela se misturasse nesse círculo de perdição? Como Jullian pôde incentivar sua participação? Senti o sangue subir de raiva só de pensar com que tipo de gente Gabrielle estava se relacionando durante os anos em que estive ausente.
— Relaxa um pouco, Sr. Park — disse uma garota muito bonita, me entregando um copo. — Ninguém vai te morder, a menos que você queira.
Ela era, de fato, muito bonita. Seus cabelos loiros caíam molhados, escorrendo pelo rosto e pelos ombros. Seus olhos eram de um verde tranquilo, como quem acaba de acordar. Seus lábios estavam levemente borrados por um batom quase apagado. Meus olhos se demoraram um pouco neles, especialmente quando ela mordia delicadamente o lábio inferior. Aquela garota estava claramente se insinuando para mim. Talvez tenha sido essa a razão de Ramon tê-la apresentado. Ela continha o tipo de beleza padronizada, daquela que se espera encontrar em uma capa de revista de moda, daquela que nenhum homem em completa masculinidade cogitaria recusar. Mas como já mencionei, não tenho nenhum interesse em qualquer pessoa que não seja aquela por quem atravessei o mundo.
Me perdi por alguns minutos observando aquela garota. Por aquele curto período de tempo, talvez tenha conseguido compreender e quebrar, pelo menos um, de meus pré-conceitos formulados daquelas pessoas. Aquele tipo de beleza, fácil e acessível, era uma das razões de ter tantas pessoas naquela festa. Apenas queriam se divertir. Meu devaneio foi interrompido quando vi um táxi se aproximando da porta de entrada.
Rapidamente entendi de quem se tratava. Só ela chegaria em um táxi, mesmo tendo sua própria coleção de carros. Ignorei as palavras de Rebecca atrás de mim e deixei-a com Ramon enquanto corria em direção à porta da frente. Passei desconfortavelmente pelas pessoas que, sem perceber, insistiam em bloquear meu caminho, me oferecendo seus copos e corpos. Não queria parecer rude com nenhuma delas, mas as ignorei e continuei meu caminho. Eu precisava ser o primeiro a encontrá-la, ou alguém poderia arrastá-la para o meio daquela loucura.
O momento havia chegado. Eu a veria, e nada poderia impedir isso. Respirei profundamente antes de abrir a porta; não queria parecer nervoso, mas senti minhas mãos suarem e minhas pernas tremerem. Respirei fundo e tentei conter o medo crescente. O que eu faria se ela me rejeitasse novamente?
Lucas Park Quando abri a porta, uma onda de emoção percorreu cada célula do meu corpo ao vê-la parada ali, pisando em um pequeno gorro de Natal, xingando o objeto com palavras que eu jamais esperaria ouvir da boca dela. Ela estava adorável usando aquele vestido vermelho, que definitivamente foi a primeira menção ao natal que vi desde que cheguei. Embora tivesse a curiosidade de perguntar o que o gorro havia deito de tão grave, para merecer sua ira, eu não queria ser o próximo de sua lista, portanto guardei para mim. Não pude deixar de sorrir com a cena. — Jingle bells, senhorita Gold — disse a ela. Eu estava tão nervoso, e ao mesmo tempo me divertia com a cena à minha frente, que nem pensei antes de dizer aquelas palavras. Quando ela se virou e encontrou meu olhar, foi como se todo o esforço que empenhei durante aqueles anos estivesse sendo recompensado. Em toda a minha vida, nunca estive diante de alguém tão bonita quanto ela. Seu rosto era sereno, impecável, e eu pode
Lucas Park Antes que Gabrielle pudesse levar o copo à boca, o tomei de sua mão. — Eu não faria isso se fosse você — disse a ela, tentando manter a calma. Sua reação foi inesperada. Gabrielle me lançou um olhar de incredulidade e raiva. Raiva? Por eu tentar salvá-la daquele cara nojento? Ela não fazia ideia de quem eram essas pessoas, pelo menos era o que eu esperava. Não podia acreditar que aceitou aquele copo e iria beber sem sequer questionar o que estava dentro. Não se importava com sua própria segurança e integridade? Mas, pelo olhar que me lançou, parecia que eu era o errado ali, e não ela. — Pensando bem, seria interessante vê-la se divertindo — devolvi o copo a ela, com relutância. — Essa é a sua ideia de diversão? — apontou para as pessoas na piscina, com um tom ácido. Ela não podia estar mais equivocada. Não havia nada de divertido naquele cenário, pelo menos não para mim. Eu apenas devolvi o copo para evitar uma discussão que ela claramente esta
Lucas Park Passei tanto tempo sofrendo — física e psicologicamente — me preparando, me privando de uma vida normal, tudo para estar apto a me colocar novamente diante dela. Em nenhum momento cogitei a possibilidade de que ela me rejeitaria. Mas, talvez, fosse merecido. — Me perdoe por nunca ter retornado suas ligações — comecei, com a voz mais baixa do que pretendia. Era a conversa que eu vinha ensaiando há tanto tempo. — Eu só achei que você ficaria bem sem mim. Você sempre pareceu ficar. Ela forçou um sorriso que não alcançou os olhos. — Estou muito bem, obrigada — respondeu, seca. — Já pode me deixar em paz agora. Cada palavra dela, envolta naquele sorriso falso, fez meu coração se apertar com a culpa. Eu a tinha magoado de formas que nem conseguia medir. E agora, ver o peso que aquilo tudo ainda carregava para ela era como uma punhalada lenta. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu realmente não tivesse me esforçado o suficiente. Pude ver em seus olhos
Lucas Park — Deixe-a ir — disse Ramon, posicionando-se ao meu lado. — Aguentou mais do que eu esperava. Apenas pensar que aquele cara conhecia mais dela do que eu, fez meu sangue ferver. Julgando por seu comentário, ele costumava convidá-la para aquele tipo de festa com frequência, e, graças a Deus, ela não permanecia por muito tempo. Então, ele estava nos observando? Estava cronometrando o tempo em que passávamos juntos? Por quê? Eu não queria pensar nele se aproximando dela de nenhuma forma possível. Como alguém como ele poderia dizer para eu deixá-la ir? Como teve a audácia de me impedir de segui-la? Sem nem mesmo perceber, senti a dor de minhas unhas cravarem na palma das minhas mãos. Definitivamente, não havia me preparado o suficiente para aquele encontro, e ter alguém que passou todos aqueles anos próximo a ela, me dizendo como ela se comportava, me deixou mais irritado do que supus que poderia ficar. Ramon estava testando minha paciência em um nível que ninguém
Gabrielle SOBRE A POSSE ABSOLUTA DO CONGLOMERADO GOLD Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências: 2. A herdeira deverá se relacionar com pessoas de sua própria faixa etária, não ultrapassando a diferença de 3 (três) anos; salvo relacionamentos empresariais. Fui acordada pelos raios do sol clareando meu rosto. Ainda com os olhos fechados, tateei o colchão e não encontrei o que estava procurando. Antes que pudesse chamá-lo, fui invadida pelo cheiro doce de um bolo recém-assado. Pulei rapidamente da cama e corri, cambaleando até a cozinha. Ele estava concentrado, derramando calda de chocolate sobre o bolo quente. Não sei o que me dava mais apetite: o cheiro doce do chocolate — que, embora eu não apreciasse o gosto exageradamente açucarado, trazia lembranças da infância que eu sequer sabia que tinha — ou ver Murilo, vestindo somente uma calça de mol
Gabrielle Nada pude fazer, a não ser sorrir. Apesar de não ser capaz de sondar meus pensamentos, tampouco de presumir minhas ações, sua habilidade de ler minhas expressões mais vazias era realmente louvável. E, de forma alguma, ele se importava com o que descobria ao meu respeito. Éramos compatíveis, afinal. Eu não perguntaria sobre o seu passado, e em troca, ele me daria tudo o que pudesse me oferecer. Jamais recusaria essa oferta. Após tomarmos o café, decidi que estava na hora de darmos início ao que realmente importava. Murilo e eu sabíamos claramente qual era a intenção de Dave: usar Lucas para facilitar as transações empresariais conosco e, consequentemente, roubar o império que meu pai tanto lutou para construir. Uma vez que conhecemos a arma de nosso inimigo, fica mais fácil resistir ao bombardeio. O único problema era que Murilo tinha certeza de que Lucas não fazia parte da quadrilha formada por seu pai, minha mãe e alguns acionistas de filiais. Como eu poderia
Gabrielle Para John, havia alguns atos imperdoáveis, e brincar com os sentimentos das pessoas era um deles. O que ele pensaria de mim, se soubesse que eu estava cogitando iniciar uma relação apenas para apunhalar alguém pelas costas mais tarde? Apesar de ter aprendido a nunca fazer promessas que não tinha a intenção de cumprir, ou simplesmente a nunca ludibriar alguém, descobri, com o passar dos anos, que era absurdamente boa nisso. Jullian me advertiu inúmeras vezes por meu comportamento “confundir” seus estagiários. Não era minha culpa que seus mensageiros se apaixonassem tão facilmente, ou que acreditassem tanto em minha inocência, pois inocente nunca fui, tampouco me preocupava em parecer imaculada. O fato é que perdi a conta de quantos estagiários foram demitidos por minha causa, e não por culpa minha, pois culpa eu não tinha. Claro que não. Tentava justificar meus atos a mim mesma, me perguntando se meu pai entenderia se eu explicasse a ele que, o mundo em que viv
Gabrielle — Tem um carro te esperando na portaria — disse Jullian ao telefone. — Vista-se adequadamente para o trabalho. Jullian não me deu brechas para negociação. Eu não fazia ideia de como ele havia me encontrado, nem de como descobriu que eu fugi da festa. Mas isso não importava, eu estava disposta a cumprir minha palavra, independentemente de tê-lo latindo em meu calcanhar. Embora pudesse facilmente ignorá-lo, o incômodo constante de Jullian me fazia lembrar que, apesar de toda a minha independência, ainda estava presa às expectativas dele. Jullian sempre me censurava pela forma como eu me vestia. Para ele, eu simplesmente ignorava as regras de etiqueta. Já que logo teria um cargo de maior visibilidade, deveria me comportar e me vestir como uma dama da mais alta classe. Usar roupas com brilho e decotes estava fora de cogitação. Tudo o que pude fazer com o closet jovial que Murilo havia preparado para mim, foi vestir um vestido tubinho azul-marinho. Embora fosse um