Talvez cerca de cem quilos de papéis estavam sobre minha mesa, todos com palavras que descreviam problemas não resolvidos. Problemas que eu deveria dar jeito.
Havia muita coisa para ser solucionado na Revista, mas eu deveria ignorar toda a papelada para continuar cuidando dos preparativos de um casamento que não me agradava nem um pouco.
Ainda tinha que convencer o dono do castelo e providenciar a aliança nas Joalherias Calisto. Deveria ser de lá, única e especialmente feita para Lily.
Essa exigência não sei se foi mesmo de Corey ou dela.
— Senhorita J. ?
Ergui o olhar para ter o vislumbre de um homem moreno, sorriso perfeito e terno chiquérrimo, me encarando com apenas metade do corpo dentro da minha sala. A outra metade ele sempre deixava do lado de fora para aumentar ainda mais as fantasias eróticas dos outros funcionários.
— Olá, Andrew. Em que posso ajudar?
Fiz a pergunta ainda focada em meus papéis, fingi não sucumbir aos efeitos terrivelmente sedutores daquele monumento de homem, fazendo com que meu enorme interesse no seu corpo não transparecesse.
— A Liza teve que faltar, de novo. Temos uma entrevista com um astro do basquete daqui a vinte minutos, e depois temos uma com aquela influencer que o Scott arrumou, e desmarcou na semana passada… Você acha que dá conta de bancar a jornalista de novo?
Puta merda.
Como é que a Liza, melhor jornalista da Revista, conseguiu se dar ao luxo de engravidar em meio a todo esse caos?
Porra. Eu precisava dela, e agora além de ter que bancar a babá que satisfaz os mimos da noiva de Corey, ainda tinha que ouvir uma blogueira falando sobre suas aventuras com um ator gato e famoso, e, falar sobre tudo o que eu mais tinha desinteresse, basquete.
— Não estou com tempo. Mande o Scott fazer isso, ele sabe lidar com essas situações.
Continuei revirando os documentos em minha mesa enquanto sentia os olhos de Andrew me observando.
Quando enfim voltei a lhe encarar, vi o homem gesticulando a cabeça em concordância e sorrindo de lado, do jeito safado e perigoso que fazia uma grande parte das mulheres molharem a calcinha.
Que homem!
Ele voltaria a abrir a boca para dizer algo, e por sorte, foi interrompido por Corey que surgiu atrás dele com uma carranca nada amigável. Quando o moreno percebeu a presença do chefe, fechou a cara e sem ao menos olhar para meu melhor amigo, saiu para longe dali.
Corey, no entanto, entrou em minha pequena sala e fechou a porta, não deixando de fazer uma careta de desgosto.
— Eu não consigo imaginar você caindo na conversa desse desgraçado, e é isso o que me conforta. Porque, sinceramente, se aquele otário não fosse tão bom no trabalho dele, eu já teria o demitido na primeira vez que aprontou pra cima de uma mulher.
— Bom dia pra você também, Rey.
Sorri ao ver que a careta se intensificou ao ouvir o apelido que seus irmãos o chamavam na adolescência.
— Você não sabe como hoje o dia está sendo péssimo. Puta merda! Eu não estou sabendo lidar com as faltas da Liza por causa desses enjôos. — Puxou a cadeira e deixou seu corpo praticamente despencar, quase fazendo os pés retrôs do móvel se abrirem ainda mais.
— Precisamos providenciar alguém a altura. Ela vai ter que ser substituída de um jeito ou de outro quando o bebê nascer. Eu prometi que ia segurar as pontas até a criança completar um ano. Enquanto ela estiver cuidando do filho, vamos ter que nos virar.
Não queria continuar com aquela conversa, tinha muitas coisas pra resolver, inclusive sobre a droga do casamento, mas só de não ter que falar sobre essa merda já era um ponto pra deixar meu dia mais produtivo e satisfatório.
— Eu tenho tanta coisa pra pensar e agora preciso achar outra jornalista como ela… Sério, é demais pra mim.
Corey esfregou o rosto com as duas mãos, parecendo exausto.
O cabelo claro tinha alguns fios fora do lugar, e os botões das mangas da camisa não estavam fechados em seu melhor estado, ele raramente andava bagunçado, acontecia apenas quando frustração dominava seu estado de espírito.
— Se estiver se referindo ao casamento, não se preocupe que estou fazendo a minha e a sua parte. Logo o principal será resolvido.
Corey me avaliou atento. Eu sabia o que estava fazendo, queria decifrar meus sentimentos sobre aquilo sem ter que fazer perguntas.
— Você não está feliz com isso, não é?! Também ficou do lado da mamãe, achando que o que eu vou fazer é uma loucura insana sem volta e desastrosa.
Lógico que sim. Eu não poderia concordar jamais com um casamento tão repentino.
Porra! Corey nem conhecia direito aquela garota. De onde ela surgiu? O que ela tinha de tão especial? Como ela convenceu meu melhor amigo desapegado ao extremo a se casar, assim, do nada?
Eu não podia concordar com essa loucura, não dentro de mim, mas pra fazer aquele idiota feliz eu faria qualquer merda, até sorriria e diria que estava super orgulhosa de vê-lo começando sua família, longe de mim.
— Você sabe o que é melhor pra si mesmo. Não tenho que opinar, Corey. Sei que vai tomar a decisão certa — falei, mais da boca pra fora.
Ele não pareceu tão feliz, na verdade, nem um pouco feliz.
O homem queria a aceitação de alguém, mas até o momento ninguém da Família havia demonstrado real felicidade com a notícia do casamento. Eu tentei soar convincente, mas nunca consegui mentir para ele tão bem.
Corey respirou fundo, olhou para o teto branco em gesso, chacoalhou a cabeça não sei porquê e voltou a me encarar com aqueles olhos desgraçados que tinha o poder de hipnotizar qualquer um.
Quando eu era mais nova, jurava que se prolongasse muito nosso contato visual, ele poderia ver até a minha alma e poderia me despir totalmente, por dentro e por fora. Foi por isso que nunca mantive a força daquilo por muito tempo, porque sabia que além de errado, fazia me quebrar mais.
— Eu posso passar no seu apartamento depois do trabalho? Acho que preciso do conforto do seu sofá só por alguns minutos.
— Ah claro, e precisa quebrar sua dieta também, não?! Fique sabendo que não vai ter álcool, nem cafeína disponíveis para o senhor, chefinho.
Talvez pela primeira vez no dia Corey sorriu. Um riso simples e frouxo, leve e delicioso de se ouvir.
— Você é o entorpecente que eu mais sou viciado. Se quer me ver em abstinência, diga "não" para o meu pedido de uma simples visita casual.
Também sorri.
Queria realmente afastar Corey, começar esse processo doloroso logo de cara pra evitar mais sofrimento, mas não tinha forças, não tive nunca para afastá-lo de mim quando era necessário porque não aprendi a viver sem ele, desde a infância até nossa maior idade.
Não fui capaz de deixar ele se adaptar a um mundo sem mim, ou vice versa, não me permiti uma adaptação a um mundo sem ele. E ia doer. Quando nossa ligação acabasse, ia doer.
Jazz ressoando pelo apartamento inteiro e o cheiro suave de um ótimo vinho tinto me inebriando, essa era de longe a descrição da minha noite perfeita. Não precisava de muito para me sentir satisfeita, para sentir paz.Passei o dia inteiro me desdobrando em mil para fazer tudo o que era possível na Hayans. Fiz mais umas trezentas ligações para resolver assuntos do casamento e tive uns quinhentos picos de raiva em cada uma delas. Mas a noite me pertencia. Não me permitiria continuar sofrendo mais, os últimos dias tinham feito o belo trabalho de me deixar em cacos. Bastava.— Ah, e teve aquela vez que meu pai pegou o Scott transando com uma garota no escritório dele na mansão. Acho que nunca vi Paul Legard tão decepcionado... Sendo assim, meus irmãos ganham de mim em "motivos para serem deserdados" — concluiu, bebendo o último gole do líquido tinto em sua taça.Eu não deveria deixar Corey beber, mas o final de semana estava próximo então, foda-se.— Depois dessa noite as coisas ficaram
— Corey, entenda uma só coisa: homem casado só dorme na casa de uma mulher que não seja a sua... Uma única mulher e uma única casa.— Posso saber em qual? — Cruzou os braços e já começou a ficar irritado.— A da sua mãe, óbvio. No mais, dormir no apartamento da melhor amiga está proibido. É assim que os relacionamentos são, bobão. — Me movimentei para deixar a cumbuca vazia no chão e fingi prestar atenção nas notícias.— Tá dizendo que eu não vou ser bem vindo aqui quando me casar? Você vai me excluir da sua vida? — Agora sim estava irritado.— É uma das consequências... Eu posso lidar com os boatos de que nós dois transamos, mas não posso lidar com o de que eu serei sua amante. Tudo tem limite. Você continuar vindo aqui só vai fazer as pessoas falarem mais bobagens do que já falam — expliquei, paciente.— As pessoas que importam sabem muito bem que nunca tivemos nada — replicou em um tom mais alto, indignado.— A sua noiva agora é uma das pessoas que importam, e ela não tem noção de
Estava digitando as últimas palavras do relatório que precisava ser entregue na manhã seguinte quando escutei o barulho da porta da sala se abrindo.Droga. Ele era sempre tão barulhento.Levantei o olhar para a porta fechada do meu quarto e Corey me encarou com o cenho franzido, como se perguntasse internamente quem estava às quase duas da manhã no meu apartamento.— Olha só, não sai desse quarto de jeito nenhum! — ordenei, me levantando rapidamente para correr até a sala e impedir a desgraça de acontecer.— Mas quem é? A Mia? — Elevou o tronco e se apoiou nos cotovelos, ficando em uma posição tão sexy e provocativa.Ah se não fosse o Corey...— Provavelmente — menti.Caminhei com passos apressados até a sala, rezando internamente para conseguir mandar o homem ir embora antes que o teimoso do meu melhor amigo fosse atrás de mim, no entanto, quando cheguei no cômodo não mais escuro, iluminado pela luz do abajur, não precisou de dois segundos para ser pega pela cintura e jogada sobre a
— Muito interessante essa ceninha de vocês dois, Chloe. Você está namorando e não passou pela sua cabeça me contar?— Ele não é meu namorado, Corey. O que acontece entre nós é sexo casual, e só. — Puxei a camisola para cima, tentando não deixar que meus seios fossem vistos.— Sexo casual. Sério? Você gosta que ele faça sexo casual com você nessa mesinha? — Se aproximou ainda mais e praticamente me encurralou ali, espalmando as mãos sobre a madeira fria, lado a lado de meu corpo quase descoberto. — Me diz, quantas vezes ele já te comeu aqui? — Soou tão rude que eu quase não o reconheci. Corey não era assim.— Talvez quatro ou cinco vezes nessa mesa. Duas no sofá e três na bancada da cozinha — respondi no mesmo tom estúpido que ele. — Me comeu gostoso em cada canto do apartamento, só nunca foi para a minha cama porque ele não passa de sexo casual, de um cara que não vai durar muito tempo na minha vida, porque eu sou previsível, certo? Eu afasto os homens de mim.Corey estava tão perto,
O sol majestoso já estava se pondo quando cheguei na casa de Marisa Legard, ou melhor dizendo, na mansão Legard tão bem conhecida por mim. Havia muitos carros no estacionamento e um em especial me chamou a atenção. Era na cor rosa bebê, bem a cara da tal Lily. Conversei com a mulher uma única vez desde que Corey a apresentou. A loira me tratou como uma mera funcionária, e hoje, para sua surpresa, ela entenderia qual o meu posto na Família e qual o lugar que eu ocupava na mesa de jantar. Sim, isso era de grande importância, ela veria que sim.Não demorei para sair do táxi e caminhar em direção à escada, subindo lentamente cada degrau bem pintado para chegar até a porta de uns quatro metros, pesada e linda. A empurrei e adentrei o salão de entrada, avistando a imensa escada de mármore branco e os sofás chiquérrimos que adornavam o cômodo. Marisa tinha um dom incrível para decorar ambientes, não era atoa que iniciou sua carreira na Hayans como a designer de interiores que comandava
— É um prazer, Chloe.Estendi a mão para um aperto formal e ela retribuiu, parecendo muito gentil. Aproveitei para cumprimentar Lily também, com outro aperto de mão, e Corey não se contentou apenas com esse mesmo cumprimento que fui lhe dar, ele teve que me puxar pela cintura ignorando todas as pessoas ali, tocando minhas costas com a pele exposta pelo decote, e beijando meu rosto com uma demora perceptível e quase incômoda. Então, bem a contragosto, me desvencilhei dele para beijar Paul e Jason, meu pai adotivo e meu irmão do meio. Todos devidamente cumprimentados, e eu deixando bem destacado o meu papel ali. Se Lily achava que eu era só uma funcionária da Hayans e melhor amiga do seu noivo, percebeu que tinha se enganado.— Bom, todos estão no jardim. Vamos nos juntar a eles já que as majestades chegaram — Jason se referiu a mim e a mãe, saindo da cozinha acompanhado de Paul sem mais esperar.Fiquei intacta ao lado de Marisa enquanto um silêncio reinou por alguns segundos. A noi
Com toda a coragem que me sobrou, estufei o peito e dei mais alguns passos, fechando a porta atrás de mim. O cômodo estava do mesmo jeito que deixei quando me mudei há três anos. A cama de casal com o cobre leito branco e flores azuis estampando ele. Vários travesseiros na mesma estampa espalhados pela cama e poucos móveis espelhados pelo quarto. Sempre gostei de coisas simples e básicas. Uma cômoda e um armário grande eram suficientes para viver ali.Ainda trêmula, me aproximei de um criado mudo que nunca esteve ali antes, estranhando o móvel e seus "adornos".Havia três porta retratos em cima dele e pela escuridão do quarto não pude ver quais eram aquelas fotos. Não sei porquê preferi deixar só a luz da lua iluminar o cômodo, mas continuei sem acender a lâmpada. Quando estava próxima o bastante para identificar as fotografias, petrifiquei no lugar. Meus pés se fixaram no chão contra minha vontade, e meu corpo paralisou, quase junto à minha respiração.Que porra estava acontecen
Havia algo dentro de mim que me incomodava, algo como um bolo na garganta, um nó no cérebro e um aperto no peito, mas afinal, motivos não me faltavam para estar mal. Além do fato de ter tido um surto psicótico minutos antes, Jason já havia me lançado umas trezentas indiretas e sua língua enorme e afiada já havia proferido coisas cruéis, como sempre.Me remexi na cadeira de estofado macio e permaneci com a cara fechada, olhando para Lily e Corey que conversavam alegremente com a mãe da mulher, em uma mesa ao lado. Marisa se recusou a permanecer com eles, porém Paul foi bem expressivo e com apenas olhares os dois chegaram a conclusão de que desfazer das duas não era uma possibilidade. A garota tinha uma família pequena, chamou só algumas amigas para a festa e pelo que entendi, seu pai estava em uma viagem de negócios. Então, os meus pais, apesar de não estarem tão felizes, faziam a recepção das mulheres da melhor forma possível.— Chloe?Meu corpo deu um leve sobressalto ao ouvir a