02 Dantas

Um dos maiores benefícios de não ser quem se diz ser é não precisar se importar com certos problemas. O Ethan Gunnar não precisa se preocupar com os problemas do Dantas, mesmo que ambos sejam a mesma pessoa. Eu posso ser o Doutor Ethan Gunnar, e também posso ser o falsificador Dantas, mas ninguém precisa saber.

Ontem quando estava saindo, esqueci a merda da chave do meu consultório. Me preocupei por uns instantes mas depois lembrei que nele não há nada que possa me incriminar, e o que me irrita é que não sei como esqueci esse molho de chaves.

Depois de sair de casa e dirigir até o hospital, caminhava assobiando pelos corredores. Parecia que nada poderia tirar a minha paz, e realmente parecia, pois ultimamente sinto como se estivesse sempre de bem com a vida.

Afinal, quem não estaria?

Já fui advogado, copiloto de avião, corretor, pediatra… nem lembro mais de todas as profissões que já aderi, legalmente? Não. Mas minha conta bancária faz tudo parecer que valeu a pena. Cada uma das profissões em um local diferente, e com um nome diferente, como se estivesse sempre recomeçando.

Por mais que eu tivesse conseguido tanto dinheiro fingindo ser profissionalizado em profissões de bom salário, falsificando cheques e certificados, também conseguido todas as mulheres que eu queria, algo estava faltando.

Acho que entendi o recado, se a vida fosse toda do jeito que queremos não teria graça. Agora faz sentido, porque consegui tudo o que eu queria mas não estava satisfeito. A famosa ânsia de possuir e o tédio de ter.

Caminhei pelos corredores brancos do hospital indo até à recepção, peguei as chaves do meu consultório.

Aquela garota. Simplemente aquela garota.

Ela me fez estremecer, nunca senti isso antes. Já me envolvi com muitas mulheres, mas nenhuma me causou sequer um estremecimento como aquela garota causou apenas com um olhar. Ainda que fosse um olhar cheio de timidez, parecia que me instigava mais.

Talvez eu estivesse entediado, ou talvez não. Mas eu queria ela. Talvez só por testar, mas não tinha problema. Porém…

Era errado, eu sabia. Ela parecia ser uma adolescente, mas não era, é óbvio. Mas era muito mais jovem do que eu, e se eu fechar os olhos e me concentrar consigo imaginar como a pele dela deve ser macia.

— Bom dia. — Cumprimento as pessoas da fila a minha espera e entro dentro do consultório escorando as costas e apoiando a cabeça na porta. Seguro o punho no rosto tentando afastar qualquer pensamento extremamente errado.

Suspiro pesado e dou algumas batidinhas no rosto tentando me espertar. Respiro fundo e começo a atender os pacientes depois de arrumar minhas coisas de cima da mesa.

Você deve se perguntar, se eu não sou um médico de verdade, como atendo os pacientes? Base do improviso e muitas temporadas de Grey's Anatomy.

— Tenha um bom dia, senhora. — Desejo a última paciente que eu estava atendendo e espero pelo próximo.

Rabisco algumas coisas que tirei da internet sobre a última consulta com aquela senhora em uma folha, caso eu precise usar uma outra vez em uma situação que se encaixe.

A porta é aberta e não ergui a cabeça por uns segundos concentrado em terminar minhas anotações, mas quando um cheiro feminino e doce invade o consultório não pude evitar de olhar para a porta e de alguma forma eu já sabia quem era, o cheiro era familiar, eu senti hoje mais cedo.

A garota de mais cedo caminha até à cadeira em minha frente e senta. Meu corpo fica burro, só sei encará-la e admirar o quanto ela é bonita.

— Bom dia, Doutor Gunnar. — Ela sorri fraco. Demoro responder e ela ergue as sobrancelhas como se julgasse a minha paralisia.

— Ah… Bom dia, senhorita… — Ia chamá-la pelo sobrenome mas ela interrompeu a minha fala.

— Sammy, me chame de Sammy.

— Claro, Sammy. — Cerro os punhos e respiro fundo. — Em que posso ajudar?

Evito encará-la, mexo em coisas aleatórias sobre a mesa enquanto a ouço.

— É que nos últimos tempos tenho me sentido mal, sabe? Sinto uma fraqueza, uma fadiga, minha cabeça dói um pouco, e também tenho tido tonturas frequentemente.

— Hum. — Assenti olhando em seus olhos rapidamente com curiosidade mas desvio rápido após sentir um frio na barriga. — Qual seu peso e altura?

— 1,70 de altura e 55 quilos.

Levanto da cadeira caminhando até ela, me aproximo um pouco a vendo de cima e seus olhos se esforçam para encarar o meu rosto enquanto se mantém sentada.

— Fique sentada e olhe para mim. — Peço e puxo um pouco a pele da sua bochecha para baixo abrindo bem seus olhos e aponto a minha lanterna para seus olhos.

Ela me obedece e fica me olhando, a fico encarando por uns segundos, balanço a cabeça tentando afastar qualquer pensamento e quando abaixo um pouco o olhar como um imã meus olhos vão direto para o seu decote nada ousado mas visto de cima fica obsceno demais. Desviei o olhar por respeito e saio rapidamente de perto dela caminhando até à minha cadeira novamente, digito em meu computador a solicitação de um exame de sangue.

— Me parece ser uma anemia leve, vou pedir uns exames de sangue. — Disse engolindo em seco.

— Está bem. — Ela riu fraco me fazendo encará-la, mesmo sem entender o motivo da risada eu sorri de volta.

Tirei os papéis imprimidos da impressora e os coloquei em cima da mesa depois de grampear, peguei a minha caneta e a encarei tentando me concentrar. Com as mãos tensas tentando segurar uma caneta e escrever sem tremer, parecia até humilhante.

— Vou precisar colocar seus dados. — Avisei.

— Tudo bem. — Deu de ombros e falou com aquela voz suave.

— Idade e data de nascimento.

— 20 anos e 18 de outubro de 2005. — Ela se endireitou na cadeira despojadamente.

— Filiação?

— Não conheço meus pais. — Ela responde me fazendo encará-la assustado. — Me abandonaram meses depois que eu nasci, cresci em um orfanato.

— Ah, desculpa.

— Não, tudo bem.

— Endereço? — A encarei prestando bem atenção na resposta.

Ela lambe os lábios e os morde enquanto encara algum ponto fixo como se pensasse. Fico hipnotizado a observando.

— Rua da Cunha, 231, Bairro da Lona

— Um número para contato. — Pedi a encarando fixamente.

— (31) 9 5432-1098.

Garota. Ela é surreal, chega até a ser irônico da minha parte me sentir culpado por me sentir atraído por uma garota uma década mais nova sendo o criminoso que sou. Mas a sensação de pensar em tê-lá em meus braços, me deixa desnorteado. E não penso nem por um lado sexual, mas carinhoso. A desejo com carinho.

Suponho que com garotas mais jovens é tudo novo, tudo é mágico e se vai ao céu com elas. Elas são curiosas, gostam da sensação de serem manipuladas, gostam do domínio sobre elas e de aprender coisas novas.

Nunca me envolvi com mulheres mais jovens, apenas com mulheres mais velhas desde que fugi de casa aos 16 anos. Será que essa poderia ser uma primeira vez?

— Pronto, posso ajudar em mais alguma coisa? — Encarei seus lábios rosados por longos segundos e foquei em seus olhos fixamente fazendo um grande esforço para me concentrar novamente.

— Apenas isso. — Falou baixo quase em um murmúrio.

— Está bem, tenha um bom dia. — Céus, o que eu posso fazer para tocar nessa mulher!?

— Obrigada. — Ela sorriu de canto, levantou levando a solicitação de exames de sangue e saiu pela porta.

Tombo a cabeça para trás quando ela vai embora gemendo em um murmúrio enquanto esfrego o rosto.

— Bom dia, Doutor. — Uma outra paciente entra sem me deixar respirar por muito tempo e acabo me assustando. Devo ter esquecido completamente que ainda entrariam mais pessoas.

— Bom dia, em que posso ajudar? — Me endireito na cadeira rapidamente e a cadeira faz um barulho alto, barulho esse que apenas fingi não ter escutado.

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