Um dos maiores benefícios de não ser quem se diz ser é não precisar se importar com certos problemas.
Ontem quando estava saindo, esqueci a merda da chave do meu escritório. Me preocupei por uns instantes mas depois lembrei que nele não há nada que possa me incriminar, e o que me irrita é que não sei como esqueci esse molho de chaves. Depois de sair de casa e dirigir até o hospital, caminhava assobiando pelos corredores. Parecia que nada poderia tirar a minha paz, e realmente parecia, pois ultimamente sinto como se estivesse sempre de bem com a vida. Afinal, quem não estaria? Já fui advogado, copiloto de avião, corretor, juíz… nem lembro mais de todas as profissões que já aderi, legalmente? Não. Mas minha conta bancária faz tudo parecer que valeu a pena. Por mais que eu tivesse conseguido tanto dinheiro fingindo ser profissionalizado em profissões de bom salário, falsificando cheques e certificados e também conseguido todas as mulheres que eu queria, algo estava faltando. Acho que entendi o recado, se a vida fosse toda do jeito que queremos não teria graça. Agora faz sentido, porque consegui tudo o que eu queria mas não estava satisfeito. A famosa ânsia de possuir e o tédio de ter. Caminhei pelos corredores brancos do hospital indo até à recepção, peguei as chaves do meu consultório. Aquela garota. Simplemente aquela garota. Ela me fez estremecer, nunca senti isso antes. Já me envolvi com muitas mulheres, mas nenhuma me causou sequer um estremecimento como aquela garota causou apenas com um olhar. Talvez eu estivesse entediado, ou talvez não. Mas eu queria ela. Talvez só por testar, mas não tinha problema. Porém… Era errado, eu sabia. Ela parecia ser uma adolescente, mas não era, é óbvio. Mas era muito mais jovem do que eu, e se eu fechar os olhos e me concentrar consigo imaginar como a pele dela deve ser macia. — Bom dia. — Cumprimento as pessoas da fila a minha espera e entro dentro do escritório escorando as costas e apoiando a cabeça na porta. Seguro o punho no rosto tentando afastar qualquer pensamento extremamente errado. Suspiro pesado e dou algumas batidinhas no rosto tentando me espertar. Respiro fundo e começo a atender os pacientes depois de arrumar minhas coisas. Você deve se perguntar, se eu não sou um médico de verdade, como atendo os pacientes? Base do improviso. — Tenha um bom dia, senhora. — Desejo a última paciente que eu estava atendendo e espero pelo próximo. Rabisco algumas coisas que tirei da internet sobre a última consulta com aquela senhora em uma folha, caso eu precise usar uma outra vez em uma situação que se encaixe. A porta é aberta e não ergui a cabeça por uns segundos concentrado em terminar minhas anotações, mas quando um cheiro feminino e doce invade o consultório não pude evitar de olhar para a porta. A garota de mais cedo caminha até à cadeira em minha frente e senta. Meu corpo fica burro, só sei encará-la e admirar o quanto ela é bonita. — Bom dia, Doutor Gunnar. — Ela sorri fraco. Demoro responder e ela ergue as sobrancelhas como se julgasse a minha paralisia. — Ah… Bom dia, senhorita… — Ia chamá-la pelo sobrenome mas esqueci que não sabia. — Sammy, me chame de Sammy. — Claro, Sammy. — Cerro os punhos e respiro fundo. — Em que posso ajudar? Evito encará-la, mexo em coisas aleatórias sobre a mesa enquanto a ouço. — É que nos últimos tempos tenho me sentido mal, sabe? Sinto uma fraqueza, uma fadiga, minha cabeça dói um pouco, e também tenho tido tonturas frequentemente. — Hum. — Assenti olhando em seus olhos rapidamente com curiosidade mas desvio rápido após sentir um frio na barriga. — Qual seu peso e altura? — 1,70 de altura e 55 quilos. Levanto da cadeira caminhando até ela, me aproximo um pouco a vendo de cima. — Fique sentada e olhe para mim. — Peço e puxo um pouco a pele da sua bochecha para baixo abrindo bem seus olhos. Ela me obedece e fica me olhando, a fico encarando por uns segundos, balanço a cabeça tentando afastar qualquer pensamento e quando abaixo um pouco o olhar como um imã meus olhos vão direto para o seu decote nada ousado mas visto de cima fica obsceno demais. Saio rapidamente de perto dela caminhando até à minha cadeira novamente, digito em meu computador a solicitação de um exame de sangue. — Me parece ser uma anemia leve, vou pedir uns exames de sangue. — Disse engolindo em seco. — Está bem. — Ela riu fraco me fazendo encará-la, mesmo sem entender sorri de volta. Tirei os papéis imprimidos da impressora e os coloquei em cima da mesa, peguei a minha caneta e a encarei tentando me concentrar. As mãos tensas tentando segurar uma caneta e escrever sem tremer, parecia até humilhante. — Vou precisar colocar seus dados. — Avisei. — Tudo bem. — Deu de ombros e falou com aquela voz suave. — Idade e data de nascimento. — 19 anos e 18 de outubro de 2005. — Ela se endireitou na cadeira despojadamente. — Filiação? — Não conheço meus pais. — Ela responde me fazendo encará-la. — Me abandonaram meses depois que eu nasci, cresci em um orfanato. — Ah, desculpa. — Não, tudo bem. — Endereço? — A encarei prestando bem atenção na resposta. Ela lambe os lábios e os morde enquanto encara algum ponto fixo como se pensasse. Fico hipnotizado a observando. — Rua das Palmeiras, 231, Bairro das árvores, Cidades do Sol. — Um número para contato. — Pedi a encarando fixamente. — (31) 9 5432-1098. Garota. Ela é surreal, chega até a ser irônico da minha parte me sentir culpado por me sentir atraído por uma garota umas duas décadas mais nova sendo o criminoso que sou. Mas a sensação de pensar em tê-lá em meus braços, me deixa desnorteado. E não penso nem por um lado sexual, mas carinhoso. A desejo com carinho. Suponho que com garotas mais jovens é tudo novo, tudo é mágico e se vai ao céu com elas. Elas são curiosas, gostam da sensação de serem manipuladas, gostam do domínio sobre elas e de aprender coisas novas. Nunca me envolvi com mulheres mais jovens, apenas com mulheres mais velhas desde que fugi de casa aos 16 anos. — Pronto, posso ajudar em mais alguma coisa? — Encarei seus lábios rosados por longos segundos e foquei em seus olhos fixamente fazendo um grande esforço para me concentrar novamente. — Apenas isso. — Falou baixo quase em um murmúrio. — Está bem, tenha um bom dia. — Céus, o que eu posso fazer para tocar nessa mulher!? — Obrigada. — Ela sorriu de canto, levantou levando a solicitado de exames de sangue e saiu pela porta. Tombo a cabeça para trás gemendo em um murmúrio enquanto esfrego o rosto. — Bom dia, Doutor. — Uma outra paciente entra sem me deixar respirar por muito tempo. — Bom dia, em que posso ajudar? — Me endireito na cadeira rapidamente e ela faz um barulho alto.— É sério, por favor, me atenda. Por que isso do nada? Me atende, por favor. — Ouço a voz de Eric na mensagem que ele deixou na caixa postal. Encaro o teto enquanto isso, me corroendo de raiva, não só dos ataques desnecessários dele mas da incapacidade dele de enxergar o próprio erro.— O que o seu pai diria se soubesse da garota rebelde que você se tornou? Porque isso que está fazendo é ser subversiva ao legado dele. — E Eric continua.“Subversiva ao legado dele” Porque saí da casa do meu namorado e não atendo as ligações dele? Fala sério, como eu consegui suportar esse garoto idiota por tanto tempo? Viro para o lado encarando a janela de vidro, vejo as paredes de algumas casas iluminadas pela luz da lua e as folhas de algumas árvores brilharem.Me cubro do pescoço para baixo com a minha coberta e me aqueço sob o frio que arrepia a minha espinha e observando a janela acabo adormecendo.Eu estava me saindo bem, mas me sentia diferente, estranhamente. Mas acredito que seja muito bom,
Rua das Palmeiras, 231, Bairro das árvores, Cidades do Sol. Eu tinha tudo, praticamente tudo. Mas aparentemente me faltava alguém para compartilhar essa vida, e não era apenas para foder nas madrugadas. Esse meu discurso parece carente demais, então deixa para lá.Talvez eu estivesse carente mesmo, isso explicaria eu ter pegado o carro e dirigido até o endereço e parado em frente à casa.231, é a casa que observo nesse exato momento. Queria entrar lá, queria confirmar se é essa casa que ela mora. Depois queria transar com ela, até a fraqueza me fazer parar. Dormir juntos depois também seria uma boa.Talvez eu fosse mesmo um psicopata, e esteja agindo como um. Mas observar aquela casa era como preencher um vazio, como recarregar as energias.Me perguntava se ela morava sozinha, qual era o perfume que ela usava, qual a cor das calcinhas, se dormia em uma cama de casal, como eram as roupas de cama… estou sendo psicopata novamente, esquece.Um carro chega em frente à sua casa, buzina mei
Abro os olhos devagar sentindo os olhos arderem com a claridade do sol no meu rosto, tento levantar e a cabeça dói. Enche a cara, toma um porre de novo, idiota. Jogo novamente a cabeça no travesseiro, o corpo sobre colchão e gemo de dor segurando a cabeça com as mãos como se isso fosse ajudar a minha cabeça a parar de doer.— Que merda… ah… — Resmungo em um gemido de dor não conseguindo nem ao menos abrir os olhos.Tento levantar da cama devagar e quando olho para o criado mudo ao lado da cama, vejo um copo de água com uma cartela de remédios em cima dando aquele ar carinhoso. Ergui uma sobrancelha, fiquei confusa e sem entender,mas apenas tiro o comprimido da cartela e o engulo com auxílio da água esperando que minha dor passasse.Checo a hora em meu relógio de ponteiros em cima do criado mudo vendo que já está bem tarde, não é de mim acordar assim tão tarde.Piso com os pés quentes no chão gelado e caminho escadas abaixo sentindo cheiro de panquecas vindo da cozinha. Meu estômago
Encaro meu reflexo no espelho, prestando atenção aos mínimos detalhes. Faço questão de enaltecer cada um deles, mas sem parecer madura demais.Dou uma sacudida nos cabelos ondulados com babyliss bem caprichado, do outro lado do quarto Eric me observa com seu olhar de admiração deitado sobre o colchão.— Está bonita. — Ele elogia fitando o teto com o corpo estremecido e cheio de agonia.— Esse é o propósito. — Meu tom de voz saiu mais irônico. — Ei. — Chamei sua atenção fazendo com que ele olhasse para mim. — Está tudo bem, pare de ser ciumento. Eric me encara com o rosto tenso aparentemente cheio de raiva, mas se contendo ao máximo. Ele pega uma bola de beisebol dentro do criado mudo ao lado da cama e arremessa no teto a pegando de volta quando cai, acredito que foi o jeito dele de controlar a própria raiva.— Para você está tudo bem, não é você que está vendo a sua namorada se arrumar toda para encontrar um médico. — Fez um drama, levantou da cama e caminhou até o banheiro se tranca