Encaro meu reflexo no espelho, prestando atenção aos mínimos detalhes. Faço questão de enaltecer cada um deles, mas sem parecer madura demais.
Dou uma sacudida nos cabelos ondulados graças ao babyliss bem caprichado, do outro lado do quarto Eric me observa com seu olhar de admiração deitado sobre o colchão. — Está bonita. — Ele elogia voltando a fitar o teto com o corpo estremecido e cheio de agonia. — Esse é o propósito. — Meu tom de voz saiu meio irônico. — Ei. — Chamei sua atenção fazendo com que ele olhasse para mim outra vez. — Está tudo bem, pare de ser ciumento. Eric me encara com o rosto tenso aparentemente sentindo incômodo, mas se contendo ao máximo. Ele pega uma bola de beisebol dentro do criado mudo ao lado da cama e arremessa no teto a pegando de volta quando cai, acredito que foi o jeito dele de controlar a própria raiva. — Para você está tudo bem, não é você que está vendo a sua namorada se arrumar toda para encontrar um médico. — Fez um drama, levantou da cama e caminhou até o banheiro se trancando lá. Já estou cansada disso. Por que todos os homens precisam ser assim? Por que ele tem que agir como se eu fosse propriedade dele? Levantei da cadeira em frente à penteadeira e caminhei até o guarda-roupa, peguei todas as minhas roupas dos cabides e joguei em cima da cama. Peguei minha mala dentro de uma das portas, e a joguei aberta em cima da cama. Dobrei minhas roupas de qualquer jeito e joguei dentro das malas, eram poucas, não tinha problema jogar de qualquer forma já que eram tão poucas que não ocuparia tanto espaço assim dentro da mala. Ouço a porta do banheiro ser aberta atrás de mim e os passos pesados de Eric se aproximarem de onde estou. Meu corpo é arremessado contra a parede e o corpo dele prensa o meu me obrigando a encará-lo. — O que está fazendo!? — Esbraveja me olhando com os olhos quase saltando para fora. — Estou indo embora para a minha casa nova, não posso? Qual a merda do teu problema? Eu ia ter que ir de um jeito ou de outro. — Bati em seu peito o fazendo caminhar para trás. — Estou cansada de você e de toda essa merda. De você se metendo em tudo sobre a minha vida e agora até mesmo no meu trabalho. Caminho de volta até à cama terminando de fechar a mala e saindo para fora do quarto. Desci as escadas enquanto ouvia Eric caminhando rapidamente atrás de mim, me chamava e tentava desesperadamente me acompanhar. — O que isso quer dizer, amor? — Ele questionou. — Me esquece! — Foi a última coisa que falei antes de bater a porta, caminhar até o carro, colocar a mala no porta-malas e ir embora. Eric me irritava constantemente, já estava cansada disso, parecia ser do nada eu ir embora assim, mas não era. Na verdade foi como acumular um milhão de coisas e situações que te irritam até chegar uma hora que você não consegue suportar mais e acaba explodindo. Não sei se queria vê-lo novamente, mas eu pensaria nisso depois, agora era a hora de focar no meu trabalho e em mim mesma. A partir de agora eu não era mais eu mesma, estou indo em uma missão e a partir desse momento, eu me chamo Sammy Jenkins. Dirigi até à minha casa, vi no relógio que ainda tinha umas horas até a minha consulta. Arrumei as minhas coisas, dei uma organizada na minha casa que estava uma zona já que eu havia acabado de me mudar, esperei até a hora marcada e saí novamente, só que dessa vez em direção ao hospital. Ao chegar lá, me deparei com uma fila de cadeiras, a tal fila de espera. Não haviam uma multidão de pessoas mas também não haviam poucas, então fui até à recepção. — Bom dia, em que posso ajudar? — A recepcionista questionou com aquele tom de voz simpático que bem sabemos como é, a típica “enfermagem por amor”. — Bom dia, quero uma consulta com o médico. — Pedi apoiada em uma perna e os braços sobre o balcão. — Tem a enfermeira também. — Sugeriu com o tom de voz neutro, era antipática mas ao mesmo tempo simpática. — Quero uma consulta com o médico. — Repeti forçando um sorriso amigável que dizia “está surda? Não está ouvindo o que estou falando?”. — Eu estava apenas sugerindo, moça. É que a enfermeira já está atendendo e o médico não chegou ainda. — Seu olhar se direcionou para trás de mim e então sorriu simpática para alguém. — Ah, ele chegou. Olha ele aí. Olho por cima do ombro e me assusto ao ver o médico atrás de mim em pé, duro feito uma estátua com as mãos enfiadas dentro dos bolsos. Meu corpo vira para trás assustado ficando de frente para ele em um estremecimento pelo susto, deixo as mãos apoiadas no balcão enquanto o encaro. Ele me olha sorrindo com os olhos, meu corpo aquece e consigo notar pelo seu olhar que vai dos meus pés até os meus olhos que ele é um tremendo mulherengo. O encaro engolindo em seco. — Bom dia, Doutor Gunnar. — A recepcionista cumprimenta. — Bom dia, senhorita Villar. — Ele respondeu enquanto ainda me olhava. — Bom dia, senhorita… Ele me cumprimenta também fazendo referência por não saber meu sobrenome me fazendo ter um choque de realidade e acordar dos pensamentos. — Ah, Jenkins. Senhorita Jenkins. Bom dia, Doutor. — Respondo. — Me dê seus documentos, garota. — A recepcionista pediu me fazendo voltar minha atenção para ela. Abro minha bolsa e entrego minha documentação para que ela faça o trabalho dela. Mas ainda de costas para aquele homem ainda conseguia até mesmo ouvir sua respiração, ele tinha algo chamativo, algo que sugava a atenção ao seu redor e não era só por causa do cabelo loiro e os olhos azuis. Ele tinha algo, algo que intrigava. — Eliza, esqueci a chave do meu consultório ontem. Você encontrou? — Ele se aproximou e apoiou os braços no balcão, nossos braços roçaram um no outro pareceu até ter sido de propósito e senti um arrepio agonizante. — Está aqui, Senhor Ethan. Vou pegar, calma. — Ela levantou da cadeira giratória e caminhou até uma das gavetas, abriu uma delas e tirou algo de dentro dela. Nesse meio tempo senti o olhar do médico pousar sobre mim, o olhei de relance algumas vezes e desviei rápido por não conseguir encará-lo. — Aqui está, Doutor. — A recepcionista estendeu um chaveiro com algumas chaves entre os dedos e ele o pegou. — Obrigado. — Ele agradeceu e antes de sair me olhou uma última vez. Olho para a mulher em minha frente e ela está concentrada no computador, digita algumas teclas, sequer percebeu, opto por pensar que foi coisa da minha cabeça e então ela estende meus documentos de volta. Os pego e guardo dentro da bolsa. — Pronto, agora é só aguardar. Tenha um bom dia. — Disse ainda mexendo no computador. — Obrigada. — Respondi e então caminhei até a fila de cadeiras, sento ao lado de uma senhora idosa e aguardo a minha vez de ser atendida.Um dos maiores benefícios de não ser quem se diz ser é não precisar se importar com certos problemas. O Ethan Gunnar não precisa se preocupar com os problemas do Dantas, mesmo que ambos sejam a mesma pessoa. Eu posso ser o Doutor Ethan Gunnar, e também posso ser o falsificador Dantas, mas ninguém precisa saber. Ontem quando estava saindo, esqueci a merda da chave do meu consultório. Me preocupei por uns instantes mas depois lembrei que nele não há nada que possa me incriminar, e o que me irrita é que não sei como esqueci esse molho de chaves. Depois de sair de casa e dirigir até o hospital, caminhava assobiando pelos corredores. Parecia que nada poderia tirar a minha paz, e realmente parecia, pois ultimamente sinto como se estivesse sempre de bem com a vida. Afinal, quem não estaria? Já fui advogado, copiloto de avião, corretor, pediatra… nem lembro mais de todas as profissões que já aderi, legalmente? Não. Mas minha conta bancária faz tudo parecer que valeu a pena. Cada uma
— É sério, por favor, me atenda. Por que isso do nada? Me atende, por favor. — Ouço a voz de Eric na mensagem que ele deixou na caixa postal. Encaro o teto enquanto isso, me corroendo de raiva, não só dos ataques desnecessários dele mas da incapacidade dele de enxergar o próprio erro. Já parou para pensar no quanto é insuportável ele me enchendo o saco dessa forma porque passei uns dias sem falar com ele, enquanto eu estou em uma missão? — O que o seu pai diria se soubesse da garota rebelde que você se tornou? Porque isso que está fazendo é ser subversiva ao legado dele. — E Eric continua. “Subversiva ao legado dele” Porque saí da casa do meu namorado e não atendo as ligações dele? Eu confio no Eric para falar sobre o meu pai, a pessoa mais importante da minha vida e que me dói inteira só de pensar nele, aí na primeira oportunidade, no assunto mais idiota, o Eric enfia o meu pai no meio da conversa como se não fosse nada. Fala sério, como eu consegui suportar esse garoto idiota po
Rua da Cunha, 231, Bairro da Lona Eu tinha tudo, praticamente tudo. Mas aparentemente me faltava alguém para compartilhar essa vida, alguém para dividir o quarto e a cama, e não era apenas para foder nas madrugadas. Esse meu discurso parece ser carente demais, então deixa para lá. Talvez eu estivesse carente mesmo, isso explicaria eu ter pegado o carro e dirigido até o endereço e parado em frente à casa. 231, é a casa que observo nesse exato momento. Queria entrar lá, queria confirmar se é essa casa que ela mora. Depois queria transar com ela, até a fraqueza me fazer parar. Dormir juntos depois também seria uma boa. Talvez eu fosse mesmo um sociopata, e esteja agindo como um. Mas observar aquela casa era como preencher um vazio, como recarregar as energias. Me perguntava se ela morava sozinha, qual era o perfume que ela usava, qual a cor das calcinhas, se dormia em uma cama de casal, como eram as roupas de cama… estou sendo sociopata novamente, esquece. Um carro chega em frente à
Abro os olhos devagar os sentindo arderem com a claridade do sol no meu rosto, tento levantar e a cabeça dói. Enche a cara, toma um porre de novo, idiota. Jogo novamente a cabeça no travesseiro, o corpo sobre colchão e gemo de dor segurando a cabeça com as mãos como se isso fosse ajudar a minha cabeça a parar de doer. — Que merda… ah… — Resmungo em um gemido de dor não conseguindo nem ao menos abrir os olhos. Tento levantar da cama devagar e quando olho para o criado mudo ao lado da cama, vejo um copo de água com uma cartela de remédios em cima dando aquele ar carinhoso. Ergui uma sobrancelha, fiquei confusa e sem entender, mas apenas tiro o comprimido da cartela e o engulo com auxílio da água esperando que minha dor passe. Checo a hora em meu relógio de ponteiros em cima do criado mudo vendo que já está bem tarde, não é hábito meu acordar assim tão tarde. Piso com os pés quentes no chão gelado e caminho escadas abaixo sentindo cheiro de panquecas vindo da cozinha. Meu est
Sempre achei interessante o fato de como as coisas se encaixam, de como tudo é tão planejado e tão divino. Homens são grandes, rudes, fortes e indelicados, e se atraem por mulheres pequenas, fofas, sentimentais, delicadas, fracas - sem machismo - tão frágeis, e isso me encanta. As mulheres ficam tão pequenas e tão vulneráveis nos braços de um homem, pensando por um lado mais animal, isso soa até poético. É algo até desafiador sentir tanta vontade de apertar, segurar, tocar uma mulher com força e ser obrigado a se controlar para não machucá-la. Uma relação entre um homem e uma mulher é muito mais carnal do que podemos imaginar, eles se encaixam não só sexualmente. Tudo é extremamente planejado e projetado para um ser a completude do outro. — Sammy! — A chamei enquanto batia na porta do quarto, pois era ela quem estava reclamando que ia se atrasar, mas agora é ela quem está nos atrasando. Hipócrita. — Calma, Doutor Gunnar! — Gritou de dentro do quarto. — Calma? Vamos chegar atrasa
Entro no hospital caminhando diretamente para a fila de espera para se consultar com o Doutor, que por acaso e nem tão acaso assim, ontem estava esfregando aquele corpinho no meu e até me deu uma carona. Cruzo as pernas enquanto sentada na cadeira e esperava com os outros pacientes, vez ou outra dava uma olhada no resultado do meu exame de sangue para passar o tempo mas não é de se admirar que não funcionava muito. — Bom dia. — Ouço aquela voz grave, intrigantemente jovial e tão marcante. Ethan consegue ser um adulto, com essência de um jovem mas com comportamentos de adulto(com exceções as vezes). Ele estava vestindo um jaleco agora, o cabelo bem penteado e o cheiro masculino amadeirado era perceptível a longa distância. Os pacientes respondem ao seu “bom dia”, como sou a última da fila de assentos, ele passa por mim por último. Seu olhar se encontra com o meu, ele sorri com os olhos, e estica um lado da bochecha em um quase sorriso de canto me deixando com um frio na barriga e c
O vento batia no meu rosto enquanto dirigia, mas eu era capaz de sentir nada. Estava vazia, como se tivesse perdido a minha essência. Me sentindo suja, uma fraude. Meu pai sentiria vergonha de mim, sentiria nojo por a minha dúvida. Eu só estou confusa, é só isso, não é como se eu estivesse desonrando a vontade dele. É só que… seria melhor se eu não ficasse pensando nisso. O que estava acontecendo comigo? Onde estava a garota determinada que iniciou essa missão? Precisava encontrar respostas. E rápido. Antes que tudo se despedaçasse e eu acabasse acabando com tudo aquilo que construí para mim. Enquanto dirigia, minha mente divagava. Me lembrava de um dia quente de verão no parque, celebrando o meu aniversário de 8 anos com o meu pai. Já havia se passado um tempo desde que minha mãe havia nos deixado. O vazio ainda era insuportável, mas independente do que sentimos, a vida continua e o relógio não para de girar. Meu pai tentava preencher o espaço, mas a dor era palpável, eu não q
Existem duas vidas no corpo de um homem, e cada uma dessas vidas se dominam por si só. Uma dessas vidas domina a cintura para cima, e a outra da cintura para baixo, então é difícil controlar o incontrolável. Essa parte da cintura para baixo pensa por si só e quando coloca alguém na cabeça, não consegue mais tirar. Entende? Minha cintura para baixo quer a Sammy sem ligar para o resto, e a minha cintura para cima não quer querer, apesar de também querer intensamente. Cerro os punhos tentando ao máximo me controlar, mas afinal de contas, eu sou o médico. Eu que mando no meu próprio trabalho, e principalmente, pelo currículo impecável que entreguei, teoricamente eu sou um diamante dentro desse hospital. Tranco meu consultório, saio de fininho na ponta do pé indo até o estacionamento. Dou partida no carro e canto pneu pela estrada. Coincidentemente, o tempo achou um ótimo momento para cair uma tempestade de alagar as ruas, mas isso não parece nada para mim. Homens não pensam com a cab