Foi diante de uma loja de sapatos qualquer que Rebecca, no banco traseiro do Honda New Civic, pediu que o motorista particular de Jonathan parasse o carro. O homem atarracado diante do volante, de nome que ela se esquecera logo após terem sido apresentados e cuja barba farta começava a apresentar frações cinza, não questionou, o que transformou num desperdício elucubrativo toda a justificativa que Rebecca vinha ensaiando durante o caminho desde que haviam deixado Joe na escola.
Ele reduziu velocidade no acostamento e lhe desejou um bom-dia. Ainda se sentiu impelida a explicar que voltaria de transporte público, mas aquele não era um homem pago para fazer perguntas, muito menos a uma desconhecida cuja presença no carro era um mero resultado das circunstâncias. Portanto saiu para a calçada e observou enquanto o automóvel preto, lustroso, tomava rumo sem ela.
Respirou profundamente e fez si
Durante a sesta, Joe praticou os movimentos das primeiras etapas da resolução do cubo mágico. Deitados com as costas contra a madeira do gazebo, ele e a babá se concentravam no quadrado colorido sobre o rosto. Depois, por algumas horas, Rebecca o ajudou a fazer o dever de casa e, finalmente, quando o sol começava a se pôr, voltou a lhe explicar como reposicionar os lados amarelos a fim de levá-los ao topo.— Amarelo — cantarolou ele. — Minha cor favorita.— Mas não era o azul?— Era. Mas o amarelo é minha favorita agora. Ele fica no topo — argumentou. Rebecca, com os cabelos espalhados em torno do rosto, não pôde deixar de sorrir. — Qual é sua cor favorita?— Acho que… preto.— Sua bobinha, preto não é uma cor!— Como não?— Preto é o que dá se mis
A primeira vez que Rebecca se lembrava de ter se perguntado o que havia de errado com sua mãe fora aos seis anos. Ela a levara numa viagem, Rebecca não se recordava aonde. Ficaram num hotel — ou numa pensão? — durante uns dias. Seu pai não pudera ir, precisava trabalhar na fábrica durante os dias de semana, mas lhe preparara uns sanduíches de manteiga de amendoim com geleia para a viagem e — perante um muxoxo de reprovação de sua mãe, que considerava a receita americana demais, além de, francamente, indigesta — adicionara alguns de queijo com presunto na lancheira.Oito horas de passeio de carro. No início, empolgante; depois, dolorido para as costas e nádegas. Vira estrada, árvores, estrada e mais árvores. Mas não reclamara, atendo-se à promessa de que seria divertido quando finalmente chegassem.Não havia sido divertido. Rebec
Em épocas de estresse, Rebecca tinha muito apetite ou nenhum. Por isso quase não mexera no jantar, e, de madrugada, sentia fome. Foi até a cozinha, aproveitando que ninguém andava pela casa àquela hora, e encheu uma vasilha de cereal puro.No início, achara a mansão intimidadora à noite, mas com o tempo passara a apreciar as luzes artificiais dos candelabros, os vagalumes no pátio interno e o zumbido dos eletrodomésticos.Encostada na bancada, engoliu um punhado de cereal quase sem mastigar quando o sensor de movimento fez as luzes do corredor se acenderem. E, quando Heiler surgiu no cômodo, fora de seu costumeiro caráter, usando camiseta, calça de moletom e chinelos, ela se viu batendo no próprio peito a fim de se recuperar de um engasgo.Heiler correu até a geladeira, encheu um copo de suco de laranja e lhe ofereceu.— Tome. Assustei você?
Ajeitou o boné sobre a cabeça de Joe e lhe deu um beijo na bochecha.— Nada de cubo na aula, hein? — repetiu, com o indicador na direção do seu queixo. Vinha permitindo que ele levasse o brinquedo na mochila com a promessa de que só o sacaria na hora do intervalo.— Está bem — resmungou.O motorista esperava dentro do carro. Joe segurava a mochila na mão, com olhinhos ainda pesados de sono, enquanto Rebecca, ajoelhada sobre o cascalho, certificava-se de que ele não esquecia nada.— Joe, preciso lhe fazer uma pergunta, mas tem que dizer a verdade, tudo bem? — entabulou. — Sua mãe costuma buscá-lo na escola?Ele bocejou.— Às vezes.— Ela faz isso quando seu avô vem visitar? — investigou. Ele arregalou os olhos, mas tentou conter a reação. Permaneceu calado, quase como se não
Mais tarde, as batidas no quarto de hóspedes soaram como as trombetas do apocalipse, e a face séria de Wilford quando Rebecca abriu a porta poderia ser a do Cavaleiro da Guerra. Os empregados deveriam se prosternar diante da casa perante a chegada de seu senhor, e, ao que parecia, a tradição se perpetuava mesmo depois que Aleksander passara a coroa a Dominic.Assim, todos esperaram no pátio da frente, uniformizados, limpos e subservientes. Wilford repetia “rosto reto, mãos para trás, peito para cima”. Mulheres um passo atrás, homens à frente. Um ao lado do outro, feito uma fileira de dominós.O automóvel que adentrou o terreno foi um Jeep laranja. O motorista manobrou de modo que o senhor no banco do passageiro pudesse deixar o carro bem diante da escadaria e dos empregados. Wilford saiu de sua posição hirta e abriu a porta do carro.Rebecca fazia o me
Passou o resto da tarde no quarto de Joe. Não havia muito o que fazer, portanto decidiu aproveitar o tempo planejando alguma espécie de atividade lúdica com a qual o surpreenderia quando o menino voltasse para casa. Lembrou-se de que, quando criança, aprendera a ler e escrever antes do tempo previsto, graças a brincadeiras que estimularam sua imaginação.No chão de carpete, recortando figuras de animais das revistas, deu-se conta de que não havia pensado muito em sua vida por todo o tempo em que estivera em Winterfelt, especialmente durante o ano que passara no abrigo do The Goldfather. Isso havia mudado desde que começara a trabalhar na mansão. Sabia que tinha a ver com a companhia de Joe.Mesmo tão jovem, ele a lembrava de si mesma. Era interessante como circunstâncias diferentes modificavam crianças com potencial parecido a ponto de tornarem-nas adultos diferentes. Conse
Ela está bem. Está bem. Está… viva. Está bem.Mas por que agora? Por que depois de quase dois anos?Os velhos questionamentos — que, repetidos à exaustão, já não eram feitos há algum tempo — voltavam à tona.Por que nenhum telefonema dela? Por que nenhuma mensagem?Vigiada atentamente pelos seguranças, Rebecca voltou para dentro. Suava frio. Foi até a recepção e exigiu que a mulher atrás do balcão chamasse Heiler. A recepcionista hesitou, mas, perante um murro de Rebecca na bancada, prontamente apanhou o gancho do telefone de mesa.Permitia-se quebrar o personagem. Não interessava o que Heiler tinha em mente para aquela noite, ou o quanto aqueles homens acreditavam estarem-na protegendo. Seu principal — na verdade, único — objetivo nos últimos anos vinha sendo encontrar sua m&at
Timberly recebeu o telefonema pouco antes das onze da noite. Menos de quinze minutos depois, encontrava-se com Rebecca num dos becos próximos ao abrigo. Encontrou-a vestindo uma blusa emprestada por um socorrista, com os cabelos desarrumados e uma manta em torno do corpo. Batia os dentes de frio.— Que porra é essa?! — exclamou Timberly.Rebecca deu um passo vacilante adiante.— P-preciso de mais um favor seu… — Sua garganta doía um pouco.— O que aconteceu com você? Rebecca… deve estar fazendo uns oito graus! Aqui… — Despiu sua jaqueta e ajudou a colega a vesti-la. — Está tentando se matar, cara?— É importante — insistiu, esticando um envelope pardo na direção dela.Timber abriu o envelope. Tirou dele um punhado de fotografias impressas.— Para o que estou olhando?Rebecca explicou tudo. Depo