Passou o resto da tarde no quarto de Joe. Não havia muito o que fazer, portanto decidiu aproveitar o tempo planejando alguma espécie de atividade lúdica com a qual o surpreenderia quando o menino voltasse para casa. Lembrou-se de que, quando criança, aprendera a ler e escrever antes do tempo previsto, graças a brincadeiras que estimularam sua imaginação.
No chão de carpete, recortando figuras de animais das revistas, deu-se conta de que não havia pensado muito em sua vida por todo o tempo em que estivera em Winterfelt, especialmente durante o ano que passara no abrigo do The Goldfather. Isso havia mudado desde que começara a trabalhar na mansão. Sabia que tinha a ver com a companhia de Joe.
Mesmo tão jovem, ele a lembrava de si mesma. Era interessante como circunstâncias diferentes modificavam crianças com potencial parecido a ponto de tornarem-nas adultos diferentes. Conse
Ela está bem. Está bem. Está… viva. Está bem.Mas por que agora? Por que depois de quase dois anos?Os velhos questionamentos — que, repetidos à exaustão, já não eram feitos há algum tempo — voltavam à tona.Por que nenhum telefonema dela? Por que nenhuma mensagem?Vigiada atentamente pelos seguranças, Rebecca voltou para dentro. Suava frio. Foi até a recepção e exigiu que a mulher atrás do balcão chamasse Heiler. A recepcionista hesitou, mas, perante um murro de Rebecca na bancada, prontamente apanhou o gancho do telefone de mesa.Permitia-se quebrar o personagem. Não interessava o que Heiler tinha em mente para aquela noite, ou o quanto aqueles homens acreditavam estarem-na protegendo. Seu principal — na verdade, único — objetivo nos últimos anos vinha sendo encontrar sua m&at
Timberly recebeu o telefonema pouco antes das onze da noite. Menos de quinze minutos depois, encontrava-se com Rebecca num dos becos próximos ao abrigo. Encontrou-a vestindo uma blusa emprestada por um socorrista, com os cabelos desarrumados e uma manta em torno do corpo. Batia os dentes de frio.— Que porra é essa?! — exclamou Timberly.Rebecca deu um passo vacilante adiante.— P-preciso de mais um favor seu… — Sua garganta doía um pouco.— O que aconteceu com você? Rebecca… deve estar fazendo uns oito graus! Aqui… — Despiu sua jaqueta e ajudou a colega a vesti-la. — Está tentando se matar, cara?— É importante — insistiu, esticando um envelope pardo na direção dela.Timber abriu o envelope. Tirou dele um punhado de fotografias impressas.— Para o que estou olhando?Rebecca explicou tudo. Depo
Quando Prose chegou, cumprimentou-a com um beijo na bochecha. Joe, que vinha segurando a mão da mãe, soltou-a a fim de abraçar a coxa de Rebecca.— Ai, meu anjo, olhe só para o seu rosto! — exclamou Prose, tão próximo do olho dela que fez Rebecca lacrimejar perante seu hálito de alcaçuz. Joe começou a perambular de um lado para o outro no saguão. Wilford lutava para capturar a atenção dela. — Venha comigo, tenho um creme para pele maravilhoso, serve para cicatrizar contusões. Eu mesma vivo acertando o ombro na quina da porta. Ah, sim, Wilford, pode levar minhas malas, cuidado com aquela ali, tem coisa frágil dentro. — Agarrou sua mão e começou a conduzi-la escada acima. — Acabei de passar no hospital, mas fiquei pouco tempo lá. Parece que nos últimos dias não consigo ficar longe daquele lugar. Dominic está be
Sentada no pátio interno, com o notebook sobre o colo, Rebecca notou que uma joaninha lhe pousava na mão. Naturalmente, ela a sacudiria de volta à grama, mas, dessa vez, fosse porque aquela era sua última manhã na casa ou porque em breve evitaria expor-se ao ar livre sob a luz do dia, dedicou-se a observar o inseto. Contou seus pontinhos — nove deles, e um que se dividia ao meio.— Sabia que uma certa espécie de joaninha encontrada por aqui é não nativa? — perguntou uma voz arrastada atrás de si. Rebecca viu Aleksander se aproximar lentamente, com o apoio de sua bengala. Fez menção de se levantar para auxiliá-lo, mas ele sacudiu a cabeça. — Não, não, guria. Já fiz isso algumas vezes na vida. Sabe, me sentar num banco. Posso fazê-lo por conta própria.Ela, portanto, limitou-se a chegar um pouco para o lado no assento, conce
Nunca vira tantos rostos tão concentrados no mesmo ambiente. A casa estava cheia e movimentada. Havia meia dúzia de seguranças à entrada do terreno, meia dúzia próximo à escadaria e uma terceira perambulando pelos jardins.Os cientistas chegaram no primeiro dia, um domingo, numa van escura, insuspeita — e, como todo o resto, altamente vigiada. No segundo, eles começaram a sair ocasionalmente do laboratório construído no enorme porão da casa, feito formigas de dentro de uma brecha na parede. Passavam algum tempo no pátio interno, às vezes no da frente, mas nunca se arriscavam a visitar o labirinto atrás da casa ou vagar até perto dos portões. Comiam, trocavam algumas palavras entre si e voltavam ao trabalho. Rebecca não conhecia o andar inferior, mas imaginava-o tão grande quanto o resto da casa, considerando que abrigava tanta gente durante o dia
Havia algo errado, e ela já deveria ter previsto.Não conseguia afastar Dominic dos seus pensamentos. Era como se sua aproximação tivesse provocado no corpo dela a reação natural para uma situação que nunca se concretizaria.Essa noite, por um momento, pudera jurar identificar um interesse muito particular nos atos de Dominic — quando seus lábios permaneceram por tempo demais a um engano de distância dos dele.Mas ele se afastara, então.Já não podia negar: sentia crescer a atração. Por sua maneira de olhar… pelo jeito como tomava um curto fôlego antes de começar a falar, como se preparasse seu ouvinte para o fato de que ele tinha algo a dizer. O tom de sua voz, quase sempre apaziguador, mas de uma firmeza tal que não permitia ser ignorado.Rebecca sabia, de todo modo, que não poderia se comparar a mulheres
Terminou de enrolar com faixa a compressa de gaze em torno do braço e a cortou com uma tesoura antes de colá-la com uma tira de esparadrapo. Entrara na mansão com tanta pressa que nem Gwen, nem Wilford puderam reparar em seu estado antes que ela alcançasse o banheiro do quarto de hóspedes.Com o curativo feito, terminou de despir as roupas ensanguentadas e as jogou na banheira. Abriu a torneira e esperou. Enquanto isso, avaliava a imagem no celular. Continha tudo o que ela poderia querer saber sobre Rose Mary. A foto 3x4 estava embaçada — em parte, por culpa de Rebecca, quem acabara deixando a mão tremer na hora de tirar a foto — e poderia pertencer a qualquer mulher com características semelhantes às da sua mãe. Solteira, 38 anos, tipo sanguíneo A, fator rh negativo, número do certificado de cidadania americana, número de telefone para contato e endereço.O co
Saiu feito uma tormenta da sala de reuniões e partiu para o segundo andar. Buscaria sua mala e daria o fora dali. Agora se perguntava o que a fizera pensar que seria seguro ficar. “Apenas mais alguns dias” não era garantia de nada. De um dia para o outro, tornara-se responsável por hospitalizar uma mulher inocente. De um dia para o outro, encontrara-se diante do cano de uma arma. De um dia para o outro, portanto, ela poderia acabar atrás das grades; ou até pior. Não pretendia permanecer tempo suficiente para ver isso acontecer.Irrompeu no quarto de hóspedes a passos largos. Empurrou as roupas, agora já desarrumadas, para dentro da mala, e fechou o fecho-ecler.Heiler percebera que a maneira mais rápida de requentar seu status de celebridade era mergulhar-se em polêmicas que instigassem toda a cidade, mas que ainda preservassem seu retrato de mocinho. Soubera que seriam fotografados? Perma