Parte 3...
Elena
* Elena *
O sol mal havia despontado no horizonte quando saímos do trailer, os primeiros raios de luz refletindo nas poças d’água que ainda marcavam a chuva forte da noite anterior.
Eu estava exausta, a cabeça pesada de preocupação e cansaço. Vicky, ao meu lado, não parecia muito melhor. Seus olhos estavam fundos, como se a noite mal dormida tivesse arrancado qualquer vestígio de energia.
Andamos em silêncio pelas ruas ainda úmidas, as lembranças do que havíamos visto na noite anterior pesando sobre nós.
Eu não conseguia tirar da mente a imagem daquele homem sendo assassinado, o som seco e final do tiro ainda ecoando em meus ouvidos.
— E se eles nos encontrarem? - Vicky quebrou o silêncio, sua voz baixa e trêmula.
Olhei para ela, tentando mascarar meu próprio medo com uma expressão confiante. Eu não sou a mais corajosa de todas, mas sou um pouco mais do que a Vicky.
— Ninguém vai nos encontrar, Vicky. Só precisamos ser cuidadosas e continuar com nossas vidas como se nada tivesse acontecido.
— Não seria melhor que a gente fosse até uma delegacia pra contar tudo?
— E a gente ia contar o que, Vicky? - atravessamos a rua correndo — Nem sabemos quem eram aqueles homens, o que aquele cara fez pra merecer aquilo - enchi o peito de ar e me arrepiei só de lembrar.
— É, você tem razão - ela olhou de um lado para outro — A nossa palavra não vale nada pra essa gente.
— Vamos ficar um tempo sem voltar lá na região da boate. Podemos vender nossas flores em outros lugares. A vida noturna de Chicago é bem agitada, não temos que ficar no mesmo lugar - e nem devemos agora.
Ela assentiu, mas eu sabia que minhas palavras não a tranquilizavam de verdade.
E sendo honesta, a questão é que eu também estava apavorada. Se aqueles homens nos vissem de novo...
Não, eu não podia pensar nisso. Não sei qual o motivo daquilo e nem quero saber. Minha vida já é bem difícil com meus próprios problemas, para ficar me envolvendo com os problemas dos outros.
Seja lá o que aquele cara fez, que Deus tenha piedade da alma dele.
Chegamos à confeitaria, uma pequena loja com janelas de vidro que ficava no centro do bairro. Era um lugar acolhedor, com mesas de madeira e o aroma doce de massa assando no ar.
Era o nosso pequeno refúgio, onde podíamos fingir, por algumas horas, que tudo estava bem. Os donos eram bons pra gente.
São um casal de imigrantes franceses, que escolheram Chicago por pura necessidade. Eles estiveram em outros lugares antes, mas foi em Chicago que conseguiram prosperar.
Ao entrar, fomos recebidas pelo som familiar do sino da porta e o calor que vinha do forno. Vicky foi direto para os fundos, onde começava a preparar os ingredientes para o dia.
Eu fui para o balcão, limpando o espaço e preparando as vitrines, enchendo tudo com os doces e salgados que foram preparados ainda de madrugada.
— Preciso que você se concentre hoje, Vicky - eu disse, tentando manter um tom prático. — Temos que agir como sempre, não podemos dar bandeira.
— Eu sei - ela respondeu, mas sua voz estava distante — Mas ainda sinto medo - ela fez uma careta — Sei lá, parece que a qualquer momento vai acontecer algo.
— Pelo amor de Deus, não fique pirando - ergui a mão — Eu não aguento ficar estressada o dia todo, já basta a madrugada.
— Ok, vou tentar não pirar.
O dia começou devagar, com os clientes habituais vindo buscar seus pedidos matinais de café e doces. Aos poucos, a confeitaria foi se enchendo de vida, o que, de certa forma, ajudava a dissipar o clima sombrio que nos envolvia.
O salário não é lá grande coisa, mas temos outras vantagens. E por enquanto, temos que levar as coisas como elas acontecem, porque não temos outra alternativa.
Quando saímos do orfanato ficamos perdidas, sem saber o que fazer. Acho que ainda não sabemos direito, mas pelo menos estamos tentando.
Tudo estava relativamente normal até o fim da manhã, quando um homem entrou na loja. Ele era alto, com um porte imponente, e tinha o cabelo escuro penteado para trás, dando-lhe um ar de poder.
Suas roupas eram elegantes, e ele parecia fora de lugar naquele bairro simples. Algo sobre ele me deixou desconfortável, mas eu não conseguia identificar exatamente o que era.
— Bom dia, senhor! - o cumprimentei, tentando manter minha voz firme com um sorriso — O que posso fazer por você?
Ele olhou ao redor da loja com um ar de avaliação antes de fixar seus olhos em mim. Um sorriso lento se formou em seus lábios, e eu senti um calafrio percorrer minha espinha.
— Bom dia, senhorita. Eu gostaria de fazer uma encomenda grande para esta tarde - ele disse, sua voz baixa e controlada, com um leve sotaque e que eu não consegui identificar de imediato. — Preciso de uma variedade de doces finos, algo que impressione.
— Claro, podemos cuidar disso para o senhor - eu respondi, pegando um bloco de notas. — Alguma preferência específica? - apontei para a bancada cheia de opções.
Ele deu de ombros, ainda sorrindo de uma maneira que não chegava a seus olhos.
— Confio no julgamento de vocês. Quero que seja algo especial. Terei alguns convidados importantes.
Eu anotei o pedido, tentando ignorar o desconforto crescente que sua presença me causava. Vicky saiu dos fundos naquele momento, trazendo uma bandeja de croissants frescos. Assim que o homem a viu, seu sorriso se alargou.
— E quem é essa bela jovem? — ele perguntou, inclinando-se ligeiramente em direção a ela, colocando os braços em cima do balcão.
Vicky hesitou, claramente surpresa com a atenção repentina. Olhou pra mim.
— Ah... Eu sou Vicky - ela disse, sem jeito. — Eu trabalho aqui.
— Prazer em conhecê-la, Vicky - ele respondeu, seu olhar fixo nela de uma maneira que me incomodava. — Espero vê-la mais vezes.
Ela deu um sorriso tímido, mas não disse nada. Eu não gostei do jeito que ele a olhou, mas tentei manter a compostura.
— Sua encomenda estará pronta às dezessete horas - eu disse, tentando encerrar a conversa. — Podemos entregá-la ou o senhor prefere buscar?
— Eu virei buscar - ele disse, finalmente desviando o olhar de Vicky para mim. — Até logo, senhoritas.
O homem saiu da loja, o sino da porta tilintando atrás dele. Vicky soltou um suspiro de alívio assim que ele se foi.
— Ele era meio... Intenso, não é? — ela comentou, colocando a bandeja no balcão.
— Sim, e um pouco assustador também - eu respondi, ainda tentando afastar a sensação de que algo estava errado.
— Você acha que ele vai mesmo voltar? — Vicky perguntou, pegando um croissant e dando uma mordida pequena.
— Ele disse que sim, às cinco. E já pagou, então deve vir sim - eu respondi, sem saber se deveria me preocupar ou não. Acho que só estava cismada.
Vicky parecia pensativa, mas logo balançou a cabeça, como se quisesse afastar os pensamentos inquietantes.
— Talvez ele seja apenas um cara rico com gostos estranhos - ela deu de ombros.
— Sim... Não vamos nos preocupar com isso - eu disse, tentando sorrir — Acho que a gente ainda está com o nervosismo forte.
— Pode ser, mas ninguém vai julgar a gente por ter ficado com tanto medo que quase me borrei nas calças.
— Nem me fale - aumentei os olhos.
— Se os caras não vieram atrás da gente depois que subimos no ônibus, então acho que está de boa.
— É, talvez! - eu concordei, embora meu instinto me dissesse o contrário.
Parte 4...ElenaAs horas passaram lentamente, o clima na confeitaria oscilando entre a tranquilidade habitual e uma tensão subjacente que eu não conseguia afastar. Quando chegou perto das cinco, comecei a preparar a encomenda do homem, embalando os doces com todo o cuidado.Vicky me ajudou, mas eu podia ver que ela estava inquieta, seus olhos constantemente indo em direção à porta.— Você acha que ele... Pode ser alguém perigoso? - ela perguntou de repente, sua voz baixa, quase como se estivesse com medo de que alguém pudesse ouvir.Eu pausei, refletindo por um momento.— Não sei, Vicky. Ele me pareceu estranho, mas isso não significa que ele seja perigoso. Vamos apenas entregar a encomenda e depois podemos ir para casa. Nós estamos com os nervos à flor da pele.Ela assentiu, mas o medo em seus olhos não desapareceu.Vicky sempre foi a mais medrosa de nós duas. Eu também sou, mas como sou um pouco mais solta, eu acabo fazendo as coisas com medo mesmo.Quando o sino da porta soou nov
Parte 5...Elena— Meu Deus!... - Vicky cobriu a boca com a mão, as lágrimas começando a encher seus olhos — Por que alguém faria isso... Que horror!— Eles vieram atrás de nós - eu sussurrei, engolindo em seco, enquanto o horror da situação se tornava realidade pra mim — Eles vieram atrás de nós... - molhei o lábio com a ponta da língua — Nós vimos algo que não deveríamos ter visto... - olhei para ela.Vicky começou a hiperventilar, o pânico tomando conta de seu rosto. Eu me virei para ela, tentando encontrar as palavras certas, mas eu mesma estava à beira de entrar em desespero.— Eles podem voltar, Elena... - ela choramingou, segurando em meus braços com força — O que vamos fazer? Não temos para onde ir... E se eles voltarem aqui de novo?Eu não sabia o que dizer a ela, porque também não sei de verdade. Meu coração estava batendo tão rápido que eu mal conseguia pensar.O trailer é nosso único refúgio e tinha sido invadido. Era como se o chão tivesse sido puxado debaixo de nossos pé
Parte 6...Em outra parte da cidade... Vlad A chuva batia incessante contra as janelas do meu escritório, cada gota amplificando o silêncio pesado que pairava na sala. Já tinha lido alguns e-mails e recados, mas ainda tinha assuntos pendentes.Eu estava sentado na minha poltrona de couro, observando a cidade de Chicago sob a escuridão da noite, através da janela alta ao meu lado. Gosto de fazer isso. As luzes da cidade brilhavam como um campo de batalhas, cada uma representando uma parte do meu império. Mas esta noite, algo estava fora do lugar, e a irritação crescia em meu peito. Não gosto de pontas soltas.Olhei ao redor da mesa, onde meus homens estavam reunidos. Nicolai, Alexei, Dimitri... Todos estavam tensos, esperando que eu falasse primeiro. Podiam sentir a tempestade se formando, não só lá fora, mas dentro de mim também.— Leonel está morto - comecei, mantendo a voz baixa e controlada, mesmo que a raiva estivesse fervendo por dentro — Essa é a única resposta para o sumiço
Parte 7...Elena As palavras dele caíram como um golpe pesado em cima de mim. O que ele queria dizer com isso?— Levem essas duas. Serão vendidas amanhã, mas separem-nas primeiro - o chefe do grupo disse com uma voz fria e desprovida de compaixão — Achem um lugar para cada uma e não as deixem falar com ninguém.O mundo ao meu redor começou a girar. O pânico tomou conta de mim, e meu coração bateu tão forte que parecia que iria rasgar meu peito. Vicky, ao meu lado, começou a soluçar, a voz dela quase inaudível.— Não, por favor, não nos separem! - eu gritei, a voz embargada pelo medo — Nós não vamos contar nada a ninguém, nem sabemos o que vimos! Por favor, tenham piedade!— A gente pode pagar... Podemos trabalhar e pagar - Vicky gritou também — Não levem a gente, por favor!Os homens riram, aquele tipo de riso cínico que só pessoas sem alma são capazes de emitir. Eles não viam em nós duas, garotas desesperadas, apenas mercadoria a ser vendida.— Vocês são burras demais para manter um
Parte 8...VladO armazém que os Petrov usavam como base de operações estava logo à frente, uma construção velha e desgastada, cercada por cercas enferrujadas e pilhas de entulho. Mas algo estava errado. Antes mesmo de nos aproximarmos, o cheiro de fumaça já era forte no ar.— Chefe, parece que tem algo queimando lá dentro - disse Sergei, meu braço direito, franzindo o cenho enquanto olhava em direção ao armazém.— Merda! - murmurei. — Vamos, rápido! - disse entre entes, segurando o cabo da arma.Enquanto nos aproximávamos, o cenário ficava cada vez mais caótico. Havia gritos e o som de tiros ecoando pelo local. Um grupo rival havia invadido o território dos Petrov, e agora uma guerra entre gangues estava em andamento. Era um caos total, com homens atirando uns nos outros enquanto as chamas começavam a se espalhar pelo armazém.— Fiquem atentos e não hesitem - ordenei, puxando minha arma enquanto liderava meus homens em direção à entrada.Assim que invadimos o armazém, o calor inte
Parte 9...Vlad— Garota, se não me disser pelo menos o seu nome, posso deixá-la aqui com a polícia ou meter uma bala em sua cabeça - falei de modo seco — O que vai ser? - ela ergueu o rosto de novo — Me diga... Qual é o seu nome?— Meu nome é Elena… Eles… Me pegaram… Eu não sei por quê… - sussurrou, a voz trêmula. — Por favor… Eu só quero sair daqui… Não me deixe aqui...— Você vem comigo, então — disse friamente. — E espero que esteja falando a verdade. Porque, se não estiver, vai desejar nunca ter me conhecido.Elena olhou para mim, os lábios tremendo, mas assentiu. Ela sabia que não tinha escolha. E mesmo sem saber quem eu era, entendia que sua vida estava agora em minhas mãos.Enquanto a levávamos para um dos carros, meu telefone vibrou. Era uma mensagem de um dos meus contatos em Las Vegas. Algo grande estava para acontecer. O território estava fervendo, e uma nova jogada estava prestes a começar. É claro que sim ou não seria Las Vegas, a cidade do pecado e da loucura.— Chefe,
Parte 10...ElenaElenaAcho que não morri. Ainda não.O mundo ao meu redor era um borrão nebuloso de dor e confusão. Cada respiração era uma luta, meus pulmões queimavam como se ainda estivessem envoltos na fumaça espessa que havia engolido o armazém. A dor nos meus músculos, nas costelas, em cada articulação do meu corpo, era tão intensa que parecia que até mesmo o mais leve movimento iria me despedaçar. Tudo estava turvo, fragmentado, como se a realidade fosse um sonho ruim do qual eu não conseguia acordar.Tentei abrir os olhos, mas a luz, mesmo que fraca, me fazia recuar, fechando-os rapidamente. Meu corpo inteiro tremia com uma mistura de medo, exaustão e me sinto quente, acho que uma febre que se alastrava por mim como um fogo lento e implacável. A sensação de estar flutuando entre a consciência e a inconsciência me deixava à beira da náusea. Não conseguia discernir o que era real ou fruto da minha imaginação desesperada.— Vicky…O nome escapou de meus lábios rachados como
Parte 11...ElenaEu acordei em um estado de torpor, o meu corpo me esmagando sob um peso desconhecido. A dor que irradiava dos meus músculos parecia uma agulha quente em cada movimento. A fumaça ainda estava em meus pulmões, misturando-se com a sensação de fraqueza que se instalara em mim. A respiração era um esforço doloroso e a garganta, seca como um deserto, gritava por alívio. Eu precisava muito de água.Ao abrir os olhos, vi o teto baixo e o ambiente ao meu redor. Era um quarto pequeno, mal iluminado, com paredes de um tom cinza sujo. Eu estava deitada em uma cama de aparência gasta, coberta por um lençol que parecia ter visto dias melhores, mas depois entendi que a culpa era minha do pano estar sujo.A dor no corpo, o peso da exaustão, e o desespero de não saber onde estava me envolviam como um manto opressor. — Água... - passei a língua nos lábios e os senti rachados — Eu quero água...A sede intensa me consumia. Eu me sentei lentamente, cada movimento causando uma dor lanc