Parte 1...
Elena
A noite em Chicago estava fria e úmida, e eu sentia o vento gelado cortar minha pele enquanto segurava os pequenos buquês de flores.
O cheiro de fumaça e poluição parecia grudar na minha garganta, e o barulho constante da cidade me deixava com dor de cabeça.
As luzes da boate piscavam em vermelho e azul, refletindo no asfalto molhado, mas para mim, tudo era apenas uma mancha de cores sem vida. Eu não ligo mais para isso.
Eu estava ao lado de Vicky, minha melhor amiga, a única família que me restava desde que saímos do orfanato.
Ela puxou o casaco fino mais apertado em volta de si, seus olhos verdes brilhando com uma mistura de frustração e cansaço.
— Eu odeio isso - ela murmurou, a voz baixa, mas cheia de raiva contida. — Vendendo flores para caras bêbados que mal olham para a gente. Isso não é vida, Elena.
Eu suspirei, olhando para os buquês em minhas mãos. As flores estavam levemente amassadas, mas ainda tinham um pouco de cor, uma lembrança frágil do que restava de esperança em nossas vidas.
— Eu sei, Vicky, mas precisamos pagar o aluguel. O dono do trailer deixou claro que essa é nossa última chance. Se não pagarmos, ele nos põe na rua, e eu não sei para onde iríamos.
Vicky desviou o olhar, os olhos fixos no céu onde nuvens escuras começavam a se formar. A atmosfera ficou ainda mais pesada, como se a cidade estivesse preparando-se para algo ruim. Como sempre.
— Parece que vai chover - ela notou, mordendo o lábio, claramente ansiosa para sair dali.
Olhei em volta, sentindo o mesmo aperto no peito. As ruas estavam começando a esvaziar, e as risadas que vinham da boate soavam distantes e desconexas.
Tive um mau pressentimento, uma sensação de que algo terrível estava prestes a acontecer. E eu não gosto quando me sinto assim. Nem sempre acontece algo, mas quando acontece, acaba me deixando abalada.
— Talvez devêssemos ir embora - eu sugeri, a voz um pouco mais alta para superar o barulho da rua. — Não acho que vamos vender mais nada hoje.
Vicky concordou com um aceno, mas antes que pudéssemos nos mexer, as primeiras gotas de chuva começaram a cair, pesadas e geladas, como se o céu estivesse desabando sobre nós.
Puxei o capuz do casaco surrado sobre a cabeça e olhei para Vicky, que fazia o mesmo.
— Vamos, precisamos nos abrigar - eu disse, querendo sair logo dali.
Corremos pela calçada, desviando das poças de água que começavam a se formar sob nossos pés.
A chuva começou a bater mais forte, o som das gotas tamborilando contra o asfalto ecoando nos becos estreitos ao nosso redor.
As luzes da rua piscavam, refletindo nas poças como pedaços de vidro quebrado, e eu senti um nó apertar em meu estômago.
Eu não gosto dessa vida, não é o que quero para mim. Não foi assim que eu sonhei enquanto estava naquele orfanato.
Avistamos um beco estreito à frente, onde poderíamos nos proteger da chuva. Eu segurei a mão de Vicky e a puxei para lá, espremendo-nos contra a parede úmida.
O lugar estava escuro e fedia a lixo, mas pelo menos estávamos fora do alcance da chuva, embaixo de uma marquise.
— Não acredito que estamos vivendo assim - Vicky murmurou ao meu lado, a voz trêmula de frio e frustração. — A gente merecia algo melhor do que essa merda de vida.
Eu queria concordar com ela, mas as palavras ficaram presas na minha garganta.
A vida tinha se tornado uma luta constante desde que saímos do orfanato. Sentia falta daquele lugar horrível, porque pelo menos lá tínhamos um teto seguro.
Agora, estávamos à mercê da cidade, e a cidade não era gentil com garotas como nós. Chicago tem beleza, mas tem uma feiura que pode enlouquecer qualquer um. Não é fácil morar aqui.
Foi então que eu ouvi o som de passos apressados ecoando pelo beco.
Congelei, segurando a mão de Vicky com mais força. Nós trocamos um olhar rápido, e percebi que ela estava tão assustada quanto eu.
Os passos ficaram mais próximos, e logo vimos um homem surgindo na entrada do beco.
Ele estava ofegante, olhando em volta freneticamente como se estivesse fugindo de alguém. Minha respiração ficou presa no peito, o medo tomando conta de mim. Algo estava muito errado.
Antes que eu pudesse pensar em fazer qualquer coisa, outro homem apareceu.
Ele se movia com uma calma assustadora, como um predador que finalmente encontrou sua presa. Senti uma coisa estranha dentro de mim.
Ele era alto, ombros largos, e carregava uma arma. O brilho metálico da arma fez meu sangue gelar.
— Por favor, não! — o primeiro homem implorou, as mãos erguidas em rendição desesperada. — Eu posso devolver, só preciso de mais tempo!
O segundo homem não respondeu. Seus olhos estavam fixos no outro, frios e implacáveis, e eu sabia que ele não estava ali para negociar.
O ar ao nosso redor parecia eletrificado, e meu coração batia tão forte que eu temia que ele pudesse ouvir.
O som de um tiro ecoou pelo beco, e o homem que implorava perdão caiu de joelhos. O sangue começou a escorrer pela calçada, misturando-se com a água da chuva.
Eu segurei a respiração, cobrindo a boca com a mão, meus olhos arregalados, tentando não fazer barulho. Senti a mão de Vicky tremer violentamente na minha.
Eu queria correr, fugir dali, mas minhas pernas estavam paralisadas pelo medo e a chuva aumentava.
O homem com a arma olhou em volta, os olhos varrendo o beco como se estivesse procurando testemunhas. Eu me encolhi ainda mais contra a parede, rezando para que ele não nos visse. Puxei Vicky para que ficasse imóvel.
Depois de um momento que pareceu durar uma eternidade, ele guardou a arma e se afastou, desaparecendo na escuridão da noite.
O som dos seus passos foi engolido pela chuva que caía cada vez mais forte.
Ficamos ali, imóveis, o medo nos prendendo no lugar. Meu coração batia tão forte que chegava a doer.
Eu queria gritar, mas o pânico me sufocava. Vicky estava em choque, os olhos arregalados de puro terror.
Finalmente, ela consegui soltar um suspiro trêmulo e puxei Vicky para longe da cena, nossos passos apressados e desajeitados pelo beco molhado.
— Elena, o que a gente acabou de ver? - Vicky sussurrou, a voz cheia de pânico. — A gente precisa sair daqui. Agora!
— Eu sei - respondi, tentando controlar o medo que ameaçava me travar. — Mas temos que ser cuidadosas. Não podemos deixar que nos vejam.
Corremos sem olhar para trás, a chuva encharcando nossos casacos e cabelos. Eu estava em estado de choque também, mas sabia que não podíamos parar.
Tínhamos acabado de testemunhar um assassinato, e a realidade disso me atingiu como uma tonelada de tijolos. É muito comum em Chicago que as pessoas desapareçam pelos mais variados motivos.
Eu não quero ser uma delas.
Ninha Cardoso
Obs: Este é um romance dark, com passagens mais agressivas. Diferença de idade. Conflitos emocionais.
Parte 2...ElenaVicky tropeçou ao meu lado, quase caindo, mas eu a segurei pelo braço, puxando-a para continuar. O som da chuva era ensurdecedor, abafando nossos passos apressados pelas ruas escuras. Minha mente estava em um turbilhão, o pânico me cegando, mas tudo que importava agora era escapar.— Precisamos sair daqui rápido! - eu disse entre os dentes, tentando manter minha voz firme, apesar do medo que me dominava.Vicky apenas assentiu, os olhos arregalados e a respiração descontrolada. Ela parecia prestes a desmoronar a qualquer momento, e eu sabia que precisava mantê-la em movimento.Estávamos quase na saída do beco quando Vicky, em sua pressa desesperada, esbarrou em uma lata de lixo metálica, derrubando-a com um estrondo. O som ecoou pelo beco como um tiro, e meu coração parou por um segundo.— Droga, droga! - Vicky exclamou em um sussurro apavorado, os olhos arregalados de pânico. — Eles ouviram isso, Elena!Meu sangue gelou, e a adrenalina percorreu meu corpo como uma d
Parte 3...Elena* Elena *O sol mal havia despontado no horizonte quando saímos do trailer, os primeiros raios de luz refletindo nas poças d’água que ainda marcavam a chuva forte da noite anterior. Eu estava exausta, a cabeça pesada de preocupação e cansaço. Vicky, ao meu lado, não parecia muito melhor. Seus olhos estavam fundos, como se a noite mal dormida tivesse arrancado qualquer vestígio de energia.Andamos em silêncio pelas ruas ainda úmidas, as lembranças do que havíamos visto na noite anterior pesando sobre nós. Eu não conseguia tirar da mente a imagem daquele homem sendo assassinado, o som seco e final do tiro ainda ecoando em meus ouvidos.— E se eles nos encontrarem? - Vicky quebrou o silêncio, sua voz baixa e trêmula.Olhei para ela, tentando mascarar meu próprio medo com uma expressão confiante. Eu não sou a mais corajosa de todas, mas sou um pouco mais do que a Vicky.— Ninguém vai nos encontrar, Vicky. Só precisamos ser cuidadosas e continuar com nossas vidas como se
Parte 4...ElenaAs horas passaram lentamente, o clima na confeitaria oscilando entre a tranquilidade habitual e uma tensão subjacente que eu não conseguia afastar. Quando chegou perto das cinco, comecei a preparar a encomenda do homem, embalando os doces com todo o cuidado.Vicky me ajudou, mas eu podia ver que ela estava inquieta, seus olhos constantemente indo em direção à porta.— Você acha que ele... Pode ser alguém perigoso? - ela perguntou de repente, sua voz baixa, quase como se estivesse com medo de que alguém pudesse ouvir.Eu pausei, refletindo por um momento.— Não sei, Vicky. Ele me pareceu estranho, mas isso não significa que ele seja perigoso. Vamos apenas entregar a encomenda e depois podemos ir para casa. Nós estamos com os nervos à flor da pele.Ela assentiu, mas o medo em seus olhos não desapareceu.Vicky sempre foi a mais medrosa de nós duas. Eu também sou, mas como sou um pouco mais solta, eu acabo fazendo as coisas com medo mesmo.Quando o sino da porta soou nov
Parte 5...Elena— Meu Deus!... - Vicky cobriu a boca com a mão, as lágrimas começando a encher seus olhos — Por que alguém faria isso... Que horror!— Eles vieram atrás de nós - eu sussurrei, engolindo em seco, enquanto o horror da situação se tornava realidade pra mim — Eles vieram atrás de nós... - molhei o lábio com a ponta da língua — Nós vimos algo que não deveríamos ter visto... - olhei para ela.Vicky começou a hiperventilar, o pânico tomando conta de seu rosto. Eu me virei para ela, tentando encontrar as palavras certas, mas eu mesma estava à beira de entrar em desespero.— Eles podem voltar, Elena... - ela choramingou, segurando em meus braços com força — O que vamos fazer? Não temos para onde ir... E se eles voltarem aqui de novo?Eu não sabia o que dizer a ela, porque também não sei de verdade. Meu coração estava batendo tão rápido que eu mal conseguia pensar.O trailer é nosso único refúgio e tinha sido invadido. Era como se o chão tivesse sido puxado debaixo de nossos pé
Parte 6...Em outra parte da cidade... Vlad A chuva batia incessante contra as janelas do meu escritório, cada gota amplificando o silêncio pesado que pairava na sala. Já tinha lido alguns e-mails e recados, mas ainda tinha assuntos pendentes.Eu estava sentado na minha poltrona de couro, observando a cidade de Chicago sob a escuridão da noite, através da janela alta ao meu lado. Gosto de fazer isso. As luzes da cidade brilhavam como um campo de batalhas, cada uma representando uma parte do meu império. Mas esta noite, algo estava fora do lugar, e a irritação crescia em meu peito. Não gosto de pontas soltas.Olhei ao redor da mesa, onde meus homens estavam reunidos. Nicolai, Alexei, Dimitri... Todos estavam tensos, esperando que eu falasse primeiro. Podiam sentir a tempestade se formando, não só lá fora, mas dentro de mim também.— Leonel está morto - comecei, mantendo a voz baixa e controlada, mesmo que a raiva estivesse fervendo por dentro — Essa é a única resposta para o sumiço
Parte 7...Elena As palavras dele caíram como um golpe pesado em cima de mim. O que ele queria dizer com isso?— Levem essas duas. Serão vendidas amanhã, mas separem-nas primeiro - o chefe do grupo disse com uma voz fria e desprovida de compaixão — Achem um lugar para cada uma e não as deixem falar com ninguém.O mundo ao meu redor começou a girar. O pânico tomou conta de mim, e meu coração bateu tão forte que parecia que iria rasgar meu peito. Vicky, ao meu lado, começou a soluçar, a voz dela quase inaudível.— Não, por favor, não nos separem! - eu gritei, a voz embargada pelo medo — Nós não vamos contar nada a ninguém, nem sabemos o que vimos! Por favor, tenham piedade!— A gente pode pagar... Podemos trabalhar e pagar - Vicky gritou também — Não levem a gente, por favor!Os homens riram, aquele tipo de riso cínico que só pessoas sem alma são capazes de emitir. Eles não viam em nós duas, garotas desesperadas, apenas mercadoria a ser vendida.— Vocês são burras demais para manter um
Parte 8...VladO armazém que os Petrov usavam como base de operações estava logo à frente, uma construção velha e desgastada, cercada por cercas enferrujadas e pilhas de entulho. Mas algo estava errado. Antes mesmo de nos aproximarmos, o cheiro de fumaça já era forte no ar.— Chefe, parece que tem algo queimando lá dentro - disse Sergei, meu braço direito, franzindo o cenho enquanto olhava em direção ao armazém.— Merda! - murmurei. — Vamos, rápido! - disse entre entes, segurando o cabo da arma.Enquanto nos aproximávamos, o cenário ficava cada vez mais caótico. Havia gritos e o som de tiros ecoando pelo local. Um grupo rival havia invadido o território dos Petrov, e agora uma guerra entre gangues estava em andamento. Era um caos total, com homens atirando uns nos outros enquanto as chamas começavam a se espalhar pelo armazém.— Fiquem atentos e não hesitem - ordenei, puxando minha arma enquanto liderava meus homens em direção à entrada.Assim que invadimos o armazém, o calor inte
Parte 9...Vlad— Garota, se não me disser pelo menos o seu nome, posso deixá-la aqui com a polícia ou meter uma bala em sua cabeça - falei de modo seco — O que vai ser? - ela ergueu o rosto de novo — Me diga... Qual é o seu nome?— Meu nome é Elena… Eles… Me pegaram… Eu não sei por quê… - sussurrou, a voz trêmula. — Por favor… Eu só quero sair daqui… Não me deixe aqui...— Você vem comigo, então — disse friamente. — E espero que esteja falando a verdade. Porque, se não estiver, vai desejar nunca ter me conhecido.Elena olhou para mim, os lábios tremendo, mas assentiu. Ela sabia que não tinha escolha. E mesmo sem saber quem eu era, entendia que sua vida estava agora em minhas mãos.Enquanto a levávamos para um dos carros, meu telefone vibrou. Era uma mensagem de um dos meus contatos em Las Vegas. Algo grande estava para acontecer. O território estava fervendo, e uma nova jogada estava prestes a começar. É claro que sim ou não seria Las Vegas, a cidade do pecado e da loucura.— Chefe,